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“A esquerda precisa entender que a saída é negra ou não tem saída para ninguém”

Na última quarta-feira (22), durante evento sobre representatividade na capital baiana, conversamos com a mestre em Filosofia Política Djamila Ribeiro. Em entrevista à jornalista Donminique Azevedo, a colunista na empresa Boitempo Editorial e atual secretária adjunta da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo falou sobre invisibilidade, extermínio do povo negro, interseccionalidade, ativismo online e muito mais.

Donminique Azevedo – A TV Brasil está exibindo uma série que conta a história de diversas mulheres. Uma das questões levantadas diz respeito ao corpo como marca ancestral. Quais marcas tem no corpo da Djamila?

Djamila Ribeiro – Lembro que quando fizeram essa pergunta para mim fiquei refletindo. Na verdade, a gente carrega várias marcas, sobretudo, carregamos as marcas daquelas que já foram, daquelas que deixaram a história, daquelas que abriram caminhos para que a gente estivesse aqui hoje. Muitas são marcas de dor por conta das situações que gente tem numa sociedade racista e machista, mas eu também acho que tem outro lado, de marca de resistência, de marcas que também apontam para outras possibilidades que não é só esse lado que somos obrigadas a enfrentar. Tem esse outro lado de força, de amor, que é bem importante.

Esperar do sujeito negro que ele seja necessariamente consciente é complicado. Ninguém nasce tendo consciência da opressão que sofre. O branco é extremamente racista, privilegia-se da sociedade racista e quer apontar o dedo para um cara negro conservador.

Donminique azevedo – Temos vivenciado uma onda conservadora, inclusive no meio político. Recentemente, em São Paulo foi eleito vereador um jovem negro que tem levantado bandeiras bem questionáveis. Como avalia os impactos desse cenário para a comunidade negra?

Djamila Ribeiro – Estamos vivendo momentos de ataques muito grandes, mas acho que existiram avanços. No entanto, a sociedade sempre foi conservadora. Eu sempre faço a leitura de que não é uma onda conservadora. Nos últimos 13 anos tivemos algumas ondinhas progressistas no sentido da população negra conseguir direitos que a gente vem lutando historicamente para ter, como cotas nas universidades, políticas afirmativas. Agora, é como se eles dissessem: chega! Fomos o último do mundo a abolir a escravidão, tivemos mais de 20 anos de ditadura. É um País extremamente conservador e que a lógica é conservadora, esta é a ordem. Sobre esse vereador em São Paulo, acho que ele traz pautas extremamente preocupantes e acho que ele é uma  extremamente pessoa equivocada. A abordagem, muitas vezes, que se faz dele e de querer atacá-lo individualmente, sem perceber que ele também é um produto dessa sociedade e que ali ele não é o único conservador. Muito pelo contrário, a gente tem uma bancada de 55 vereadores em São Paulo. A grande maioria é branca, conservadora, de grandes oligarquias, que já estão tradicionalmente na política e a gente bate nele. Por que não criticar também o Tuma Júnior e o Mário Covas Neto. Esperar do sujeito negro que ele seja necessariamente consciente é complicado. Ninguém nasce tendo consciência da opressão que sofre. O branco é extremamente racista, privilegia-se da sociedade racista e quer apontar o dedo para um cara negro conservador. A branquitude tem começa a discutir o racismo que ela mantém. Ele é um sujeito conservador não porque ele é negro. Ele é um sujeito conservador. É preciso entender que ele tem um discurso desprezível, e não é porque ele negro, que deve ser combatido politicamente. Incomoda-me muito quando as pessoas brancas querem apontar isso, dizendo que ele um capitão do mato, esquecendo que quem criou o capitão do mato foi o racismo. Se não existissem senhores, não existiria capitão do mato.

Donminique Azevedo – Neste sentido, Djamila, qual a importância do debate interseccional para combater o genocídio da população negra, principalmente o feminicídio?

Djamila Ribeiro – Uma ótima pergunta porque é uma visão muito importante que a gente precisa ter. A juventude negra está morrendo. Vivemos em um País que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. São números alarmantes. Mas as mulheres negras também morrem. Então é importante nomear esses problemas. Quando a gente fala em genocídio da população negra, é preciso ficar bem claro que mulher negra também é corpo negro. Se o homem negro morre na mão do estado na questão da polícia, a mulher negra morre, sobretudo, na questão da saúde. Dos números que a gente tem de mortalidade materna, 61% daquelas que morrem são mulheres negras, de violência obstétrica. O fato do aborto ser crime significa que a mulher negra vai morrer muito mais ou vai causar problemas muito sérios para sua saúde porque a mulher que tem condições vai fazer de uma maneira muito mais segura. É importante entender que a mulher negra é vítima do estado também, que uma grande pauta do feminismo negro na década de 80 foi a esterilização forçada de mulheres negras. Algo que muitas pessoas não sabem ou não falam sobre porque as feministas negras que trouxeram esse debate e que, em 1991, culminou na “CPI da Esterilização”, como ficou conhecida, que comprovou que o estado brasileiro esterilizou forçadamente mulheres negras. Muitas, inclusive, de forma irreversível. Jurema Werneck tem um estudo sobre isso. Nos últimos 10 anos aumentou em 55% o assassinato de mulheres negras, que é um número altíssimo. Entender que este homens brancos e negros estão matando as mulheres pretas. Significa também que o movimento negro precisa fazer a discussão de gênero. Entender que esse homem negro também pode ser um agente de violência em relação a mulher negra. Dizer isso, de forma alguma é criminalizar o homem negro ou não pensar o extermínio da juventude negra.

Donminique Azevedo – Djamila, como você avalia a conjuntura política nacional?

Djamila Ribeiro – Nos próximos anos  a gente terá de continuar fazendo aquilo que a gente sempre fez: resistir e lutar. Os poucos avanços correm grande risco de perder. Esse retrocesso não é só no Brasil, é na América Latina, no mundo. Precisaremos pensar maneiras de resistência. A esquerda brasileira precisa se repensar, precisa voltar às bases, entender que precisa, de uma vez por todas, discutir a questão racial como prioritária, fazer autocrítica. A esquerda precisa entender que a saída é negra ou não tem saída para ninguém.

Nesse espaço da mídia, que tem uma construção muito importante, de um simbolismo, a mulher negra ainda é muito representada no lugar da subalternização ou da exotização. Imagina o que é crescer num mundo onde você não se enxerga positivamente.

Donminique Azevedo – Pegando um gancho da fala anterior, porque que representatividade importa tanto?

Djamila Ribeiro – Importa porque a norma é branca e a população negra não se vê representado. Quando a gente fala das questões dos espaços de poder, somos pouquíssimas pessoas negras, mulheres negra então, muito menos ainda, como senadoras, secretárias, ministras… Nos espaços da midiáticos também somos muito poucas. Nesse espaço da mídia, que tem uma construção muito importante, de um simbolismo, a mulher negra ainda é muito representada no lugar da subalternização ou da exotização. Imagina o que é crescer num mundo onde você não se enxerga positivamente. Isso precisa ser discutido pelo nome certo que é violência. Neste sentido, também é importante discutir representatividade nas obras didáticas.  A nossa história ainda é muito pautada por um olhar eurocêntrico, branco. Eu também quero saber a história dos meus ancestrais pelo ponto de vista nosso e não pelo ponto de vista do colonizador.

Donminique Azevedo – Qual balanço você faz da atuação como secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo?

Djamila Ribeiro – Agora em dezembro acaba a gestão Haddad. Foi muito importante essa experiência da gestão pública – apesar de ser muito difícil porque ser mulher negra nesses espaços não é fácil.  Mas está numa posição que você também tem poder para pensar as políticas também é importante. Apesar de todas dificuldades, foi uma experiência importante de realmente ser uma mulher negra que pensa as questões das políticas, pensar a questão racial não por uma questão específica, mas por uma questão transversal. A gente entregou políticas importantes, como o “Juventude Viva” que é um programa voltado para a juventude negra. Estamos para entregar agora o atendimento psicossocial para as mães que perderam filhos vítimas de violência policial – assim como outros programas que foram feitos na Secretaria, como o Memorial das Mães de Maio. Fico muito feliz de ter feito parte de uma gestão que teve um olhar, sobretudo, para os grupos historicamente discriminados, como a população LGBT, como a população travesti, transexual, programas como o Transcidadania, de ter centro de referências para imigrantes, de pensar política para o imigrante.

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“Muitas pessoas começaram a existir na Internet porque a mídia hegemônica ainda nos ignora”, Djamila Ribeiro Foto: Alile Dara

 

Donminique Azevedo – Você é bastante seguida nas redes sociais, principalmente por jovens. Qual a importância das redes sociais na participação política?

Djamila Ribeiro – Tem dois lados. Ao mesmo tempo que dá voz para várias pessoas imbecis falarem o que quiserem, por outro lado tem uma importância grande de fazer amplificar o discurso da militância. Muitas pessoas começaram a existir na Internet porque a mídia hegemônica ainda nos ignora. Com todos os limites que a internet tem – porque são todas as pessoas no Brasil que têm Internet – várias meninas criam blogs, páginas, canais no Youtube para se comunicar e, muitas vezes, pautam a mídia hegemônica. Você tem o “Empoderadas” que são cineastas negras, você tem as blogueiras de moda, você tem as meninas falando de estética… É muito importante ocupar esses espaços porque a gente consegue também fazer disputa de narrativas.

*Crédito foto imagem destacada: Julia Rodrigues Fotografia

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