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Estética é Política: Geração Tombamento, bandeira do tempo 

27/10/2018 | às 18h07

Com as bençãos de Mãe Hilda Jitolu, o Ilê Ayiê saiu pelas ruas de Salvador em 1974 construindo um novo conceito do que era estética negra. Enlevado pelo movimento “Black Is Beautiful” na década de 60 e misturando com o contexto atual, o bloco inaugurava uma revolução estética no contexto brasileiro.  Não distante disso, a autodeclarada Geração Tombamento segue o exemplo de seus mais velhos.

O nome propõe uma reversão, “tombamento” era entendido quando um jovem negro é abatido pelo braço do estado. Hoje “tombar”, e os sinônimos “lacrar” e “arrasar”, emolduram um olhar político e afetuoso ao espelho. Na última redação itinerante, realizada em parceria com a Vale do Dendê, no Shopping da Bahia, jovens influenciadores desta geração trouxeram considerações sobre os desafios e vivências do movimento que tem por bandeira a estética.

Durante a roda, os participantes destacaram que a identificação com a negritude aconteceu através da estética negra. A ilustradora Tainá Esquivel (Instagram: @rosa.quartzo / @fexacara) contou que teve a compreensão enquanto negra a partir da busca na internet sobre como cuidar dos cabelos. “Lendo sobre aquilo eu percebi quão político era o que estava acontecendo comigo e com os meus amigos. Se fosse eu sozinha não ia rolar, aconteceu porque muitos dos meus amigos, pessoal da escola também estavam se cuidando”, destacou Tainá.

“Eu sofria e não sabia o que era, eu era seguido no shopping por ser o único negro da galera”, destacou o rapper Yan Cloud (Ig: @yan_cloud). “Eu busquei conhecimento e entrei na faculdade através do rap. Eu sempre fui zoado por ter cabelo crespo, nariz e boca grande. Com a música eu percebi que essas são características em que eu me destaco”, ressaltou. Yan apontou também que o gênero musical deu outro referencial tanto para sua estética como para sua negritude. “Na escola a gente aprende que basicamente a história dos negros é que eles eram escravos. Eu aprendi a outra história pelo rap. Foi pelo rap que descobri Malcolm X e Mandela. Com o rap eu fui pesquisando”, ressaltou.

Resposta ao tempo

Com a marcha do empoderamento crespo, a geração tombamento passou a ocupar as ruas com blacks, tranças, cores e penteados diversos. É o que lembra Lorena Lacerda (Ig: @lorenalacre), uma das idealizadoras da marcha. “Fizemos na internet e trouxemos o movimento para a rua, na primeira marcha tivemos mais de 5 mil pessoas. Construímos em aproximadamente em três, nos conhecemos pela internet, fizemos a rede pela internet de mulheres negras”, contou.

Geração Tombamento reafirma poder político da estética

O evento surgiu em 2015 a partir de um grupo no Facebook chamado Cacheados e Crespos de Salvador. A comissão formada exclusivamente por mulheres, usou as redes sociais, comum a geração tombamento que faz das redes ferramenta de luta. “Trouxemos a estética negra como bandeira impulsionadora de nossa luta antirracista, antimachista e anti LGBTfóbica”, afirmou Lorena.

“De onde a gente vem, de um contexto periférico, onde os textões não chegam, a imagem é o mais impactante”, afirmou Andreza Rodrigues (Ig: @andrezamermo / @apretachefe), que começou a empreender com moda com a marca Preta Chefe. Andreza contou que empreender ajudou na sua identidade racial.

 “Eu comecei a empreender quando eu comecei a ler e entender que morava em um país estruturalmente racista, que me negava direitos básicos como uma casa bem estruturada ou um emprego”, ressaltou. Andreza lembra que a internet chegou em seu poder tardiamente. “Meu pai só colocou o Wi-fi lá em casa em 2016, e foi um ‘boom’ na minha vida, tudo foi tão rápido, quando vi já estava fazendo”, narrou.

Críticas

O fenômeno já é descrito e estudado por acadêmicos e teses. Estudiosos já apontam impactos da geração tombamento no contexto atual e o alcance à coletividade e a diversas gerações. Entretanto, a geração tombamento divide opiniões. As principais críticas estão relacionadas a ser uma manifestação meramente estética.

O assunto foi pauta do encontro e os jovens discutiram sobre o entendimento da crítica vindo da ancestralidade da luta antirracistas e de entidades do movimento negro. Com pouco mais de 40 mil seguidores no Instagram, Paloma Barbezinha (Ig @palomabarbezinha), estudante de moda, apontou que as críticas são colocadas pois as pessoas costumam esperar narrativas dolorosas de pessoas pretas.

“Uma vizinha minha com 6 anos me encontrou chorando e disse que tinha feito o bc [grande corte durante transição capilar] porque tinha me visto”, lembrou. 

“Eu sinto que até hoje as pessoas não entendem que podemos falar de outras coisas, eu também sentia isso”, indicou. A estudante de moda ainda reforçou que seu papel enquanto influenciadora digital é mostrar a potência que a negritude tem para inspirar outras pessoas. “Eu tenho muita responsabilidade com o que vou dizer. Sei que as pessoas querem ser cuidadas, ouvir coisas que não as machuquem. Eu também preciso estar bem para estimular outras”, afirmou.  

VEJA COMO FOI O REDAÇÃO ITINERANTE:

 

Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Portal Correio Nagô

Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.

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