Ewadagbo: Brasil, o que passa?
Por Diosmar Filho
No dia 15 de março recebi uma mensagem do Lennart Kjörling, um velho amigo sueco jornalista e ativista dos direitos humanos. Leonardo, como é conhecido, nos últimos vinte anos militou no Brasil, junto com os movimentos sociais urbanos e do campo pelos direitos sociais.
A mensagem na lista de amigos perguntava: Brasil, que passa?
Entretanto, a pergunta do jornalista precisa de um grande aprofundamento, para lhe dá noção do que passa realmente nesse país nos últimos quinze meses. Devido à violência midiática e intelectual, posta sobre a totalidade da população do amanhecer, entrando madrugada adentro. O clipping é de que o Brasil vive uma crise econômica e política, resultante da corrupção do governo da presidenta Dilma Rousseff do PT, que em 2014, foi eleita democraticamente Presidenta com mais de 54 milhões de votos.
Porém, não consegui responder ao amigo. Não por falta de conhecimento, mas pela falta de palavras que expliquem o tamanho da vergonha, que passa um dos principais Estados Nacionais nesse momento da história mundial.
Daí me dirigir ao Ilê Axé Oyá Tolá, meu terreiro em Passagem dos Teixeiras (Candeias-BA). Lá se celebrava o nascimento de filhos/a de Oxóssi (orixá Rei da Nação Ketu, senhor das matas, do brilho, da fartura e da riqueza) e Oxumarê (a cobra, orixá dos movimentos, dos ciclos, das cores, da riqueza). Pude ficar perto do Ewadagbo (comida de Oxóssi), feijão torrado e colocado no nagê, que junto com outras comidas são oferecidos ao banquete do Rei Ketu. O que todos/as pedem ao Rei é paz, saúde, justiça, e muita fartura – que sua caça, seja conosco dividida.
Nesse momento, vidas nascem e tod@s se fortalecem para viver o mundo, tal como nós humanos estamos o concebendo. Justamente, depois de sentir o Ewadagbo, me veio os ensinamentos da nossa Yalorixá Raidalva dos Santos. De que precisamos sempre pensar antes de uma ação, nesse caso, sentir o vento de Oxóssi para depois colocar em mãos o Ofá (arco e flecha).
Esse retorno ao terreiro tem como conquista a preservação da minha humanidade, para poder explicar que o povo brasileiro continua construindo sua própria história, mesmo diante da violência fascista espalhada, que tenta mergulhar tod@s em sentimentos de desesperança.
Assim, Leonardo posso lhe responder:
I – Vivemos o momento mais rico para o que será o Brasil no século XXI:
– Finalmente, a elite nacional apresenta sua cidadania: sustentar os privilégios, independentemente do tamanho da violência que mantem secularmente sobre a maioria da população;
– No recente período de Estado Democrático de Direito, até o ano de 2003, nenhum governo tinha apresentado uma agenda política de desenvolvimento com o combate à miséria, a verdadeira corrupção nacional;
– Nesse momento histórico do Brasil – mulheres, homens, jovens e crianças negras, deixaram de ser minoria estatística, para ser maioria demográfica, o que exige um projeto de Nação, que inclua decisivamente os 54% da população nacional;
– Mulheres, lésbicas, trans, gays apresentaram suas agendas para o projeto nacional de democracia e não aceitam o patriarcado nacional, pois a família patriarcal não garante mais o desenvolvimento do país;
– O genocídio da juventude negra e a violência cotidiana contra as mulheres negras não intimidam as lutas contra o caráter homogêneo excludente de gestar o Estado Federativo;
– O genocídio contra os povos indígenas não será suficiente para fazer calar a voz dos donos da terra Brasil;
II – E Brasília:
– Lá, homens brancos, héteros da família, despejam sua misoginia – usando do pronome ‘vossa excelência’, dado pelo voto democrático – para o exercício de mandatos antidemocráticos;
– Nesse momento o país vive o crime midiático que sustenta na presidência da Câmara Federal, o primeiro sucessor em substituição na Presidência da República. Um réu com processo aberto no Superior Tribunal Federal (STF), por crimes de corrupção e contra o Tesouro Nacional (com as contas comprovadas na Suíça). E processo em avaliação de cassação de mandato na Câmara, por mentir em comissão da Casa Legislativa, crime de quebra do decoro parlamentar;
– Mas, o corrupto tem apoio dos partidos PSDB, PMDB, DEM, PPS, Solidariedade e outros;
– Conta também com apoio das Organizações Rede Globo (família Marinho) e Grupo Bandeirante (família Saad). Jornais: Folha de São Paulo e Estadão. Revistas: Veja, Isto É, Enxame e etc…. Tvs e jornais usam da concessão pública para produzir o fascismo – dando concessão para a elite produzir o ódio nas ruas, em casa, no trabalho e demais locais públicos;
– E com apoio de servidores do Ministério Público Federal, da Policia Federal, com um juiz federal de primeira instancia no Paraná – o Sergio Moro, a ação política do ministro Gilmar Mendes (membro do PSDB-MT), na Suprema Corte do Estado, usam todos os meios jurídicos para criminalizar a Constituição Federal de 1988;
– E tudo isso tem registro de origem. A elite nacional não aceitou o resultado das urnas em outubro/2014. A sua liderança, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), rejeitado nas urnas para presidência pela população, com destaque para Minas Gerais seu estado de origem, não se conformou e convocou os derrotados para frear via golpe o progresso do Brasil, com a campanha “Dilma ganha, mas não governa”;
– Assim, o presidente da Câmara Eduardo Cunha conseguiu aprovar a denúncia, montar a comissão especial de impeachment e o relatório criminoso do relator, contra a presidenta Dilma Rousseff. O pior da história é que a peça que fundamenta o chamado crime de responsabilidade não pode ser aceita nem politicamente, nem judicialmente como crime da mandatária;
– A luta agora é barrar o golpe no plenário da Câmara Federal, qualquer resultado contrário, será oficializado o golpe contra a Constituição Federal de 1988, por abrir um processo de crime contra quem não cometeu crime, no caso a presidenta Dilma Rousseff;
III – E a população:
– Podemos dizer que no cotidiano a grande maioria continua estudando (tirando os alun@s de São Paulo que sofrem pela falta de merenda, devido à máfia da merenda);
– As/os trabalhadoras seguem o ritmo de ir à luta cotidiana, mesmo sendo massacradas/os pelo noticiário que busca destruir sua altivez;
– A juventude se levantou as/os Jéssicas dizem não ao golpe e levam sua mensagem das redes sociais do local ao global;
– As/os intelectuais e artistas se levantam e dizem que golpe nunca mais nesta jovem democracia;
– Na rua, as pessoas querem o país de volta ao ritmo de desenvolvimento humano. Não precisam de nenhum salvador da elite, querem a preservação do mandato da Presidenta Dilma Rousseff até o dia 31 de dezembro de 2018. Quando passará a faixa presidencial para uma/um sucessora que ganhe as eleições, com voto da maioria nas urnas.
Caro amigo, é isso que se passa em nosso país de maneira resumidíssima. Lembrei muito dos nossos encontros quando pergunta sobre o futuro do país. E nesse momento posso lhe assegurar – estamos com o povo de volta às ruas, dando reais condições para esse futuro.
Já que agora temos os nacionalistas (os fascistas) e nós, progressistas cidadãos da Constituição Federal de 1988, não mais no mesmo campo, como quiseram nós caracterizar como povo.
Um Estado Democrático de Direito, para ser Nação, precisa que sua sociedade conviva com as diferenças e diversidades. Até então, estava se tornando impossível conviver numa sociedade que reconhece o racismo, o sexismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia, a fome, a sede e miséria dos pobres.
Mas que não se conhecia publicamente os criminosos.
Assim, #NAOVAITERGOLPE
Diosmar Filho é geógrafo, professor e ativista do Movimento Negro. e-mail: ptfilho@gmail.com | Twitter: @etamundo