O projeto Concha Negra estreia neste domingo (03), Concha Acústica do Complexo do Teatro Castro Alves (TCA), com espetáculo dos Filhos de Gandhy, com participação especial de Carlinhos Brown, sob direção musical de Letieres Leite. A abertura do evento fica por conta do coletivo de humor Frases de Mainha.
Até o mês de fevereiro, seis entidades de consistente reconhecimento foram convidadas a compor a programação. Completam a lista: Cortejo Afro, Ilê Aiyê, Malê Debalê, Muzenza e Olodum. Os shows acontecerão sempre em dias de domingo, às 18h, com ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), com consultoria artística de Elísio Lopes Jr.
A iniciativa é do Governo da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA), através do próprio TCA e do Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI), e em alinhamento com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi).
“O projeto Concha Negra é um abraço que o Governo do Estado dá, através da Secretaria de Cultura, à música e à arte dos afrodescendentes, dos negros da Bahia. É uma grande ação afirmativa e uma pequena parcela da grande dívida histórica que o Estado tem com o povo negro da Bahia e do Brasil”, afirma Jorge Portugal, secretário de Cultura da Bahia.
Além das apresentações principais, cada espetáculo terá a participação de pelo menos um convidado especial e também uma abertura com oJanela Baiana, ação continuada da SecultBA que abre espaço para artistas ou grupos emergentes da Bahia nos eventos da Concha.
FILHOS DE GANDHY
No dia 18 de fevereiro de 1949, os estivadores do porto de Salvador estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede da entidade (Sindicato dos Estivadores), preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial, gerada pela crise do pós-guerra. Inconformados com a impossibilidade de o bloco carnavalesco “Comendo Coentro” desfilar, Durval Marques da Silva, conhecido como Vavá Madeira, sugeriu colocar um bloco na rua. A sugestão foi logo aceita entre os vários colegas da estiva e assim se deu a fundação do bloco Filhos de Gandhy. Desde então, o Afoxé, pioneiro da paz e com estilo próprio, não parou de crescer. Nos primeiros anos, saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá, inclusive compondo suas próprias canções.
Segundo o professor Marco Aurélio Luz, “os afoxés contribuíram de modo contundente para o enriquecimento cultural dos festejos do carnaval no Brasil e se caracteriza como um dos muitos desdobramentos culturais das comunidades-terreiros da religião tradicional africana no Brasil. Ele se constitui por uma linguagem contextual em forma de síntese recreativa que combina expressões de dança, música, dramatização, vestuário, instrumentos, emblemáticas etc., características da estética negra”.
Nas ruas de Salvador no carnaval, o Gandhy cultua a nação Ijexá, impregnando a avenida com seu ritmo peculiar e cadenciado, perfumando as ruas com sua alfazema e formando o imenso tapete branco que simboliza a bandeira da paz. No desfile, são utilizadas algumas alegorias que relembram o sentimento de Mahatma Gandhi: o elefante, símbolo da força que teve para não se curvar diante do poder inglês; o camelo, símbolo da resistência que manteve fiel aos ideais de liberdade mesmo quando preso; e a cabra, símbolo da vida porque através do leite pode recuperar as forças e continuar a peregrinação em favor da liberdade do povo indiano.
A fantasia do Afoxé Filhos de Gandhy é composta por um lençol branco de 2,20m x 2,00m, costurado nas laterais, com uma abertura na parte superior e uma pintura na parte frontal com o tema do carnaval. O turbante é feito na cabeça do associado por artesãos, usando uma toalha de banho que, após ser dobrada, envolve a cabeça, com acabamento em linha e agulha. Para finalizar, é aplicado o broche, de formato redondo, com uma pedra azul, lembrando os marajás indianos. Um par de sandálias, meias e faixa completam o figurino junto com os colares, nas cores azul e branco: uma reverência aos orixás Oxalá e Ogum.
A Associação Cultural, Recreativa e Carnavalesca Filhos de Gandhy tem hoje sua sede localizada no Pelourinho, doada pelo Governo do Estado em 1983, onde funcionam, o ano inteiro, a administração e a quadra de ensaios, buscando na sua pluralidade sociocultural desenvolver atividades que, através do entretenimento e do respeito pela tradição, preguem a paz e abriguem pessoas de todos os credos, condições sociais e etnias.
AGENDA DOS PRÓXIMOS MESES
8 de outubro – Muzenza
O Muzenza Grêmio Recreativo e Cultural surgiu com um tributo a Bob Marley, inspirado no legado cultural dos afro-jamaicanos e suas mensagens libertárias que invadiram o Brasil nos anos 1980, aproximando os afro-baianos desta realidade similar. Muzenza é um termo de origem bantu-kikongo, significa Yaô do Nagôs, nome dado aos iniciados no candomblé de linha de Angola. Os primeiros momentos do bloco revelaram um afro cantado, defendendo um mundo palpável, visível às comunidades carentes de Salvador e em defesa do povo negro. Do bairro da Liberdade, inaugurado em 5 de maio de 1981, traz uma mensagem libertária que, no carnaval, explode o reggae nas ruas com sua banda percussiva que varia em ritmos que fundem elementos do suingue afro-baiano ao reggae jamaicano, criando o samba-reggae.
19 de novembro – Ilê Aiyê
O Ilê Aiyê, primeiro bloco afro da Bahia, nasceu no Curuzu – Liberdade, em 1º de novembro de 1974, com o objetivo de preservar, valorizar e expandir a cultura afro-brasileira. Ao longo de sua trajetória, vem homenageando países africanos, revoltas negras, personalidades e estados brasileiros que contribuíram fortemente para o processo de identidade étnica e autoestima do negro. O que o Ilê se impôs foi apropriar-se popularmente da história africana para trabalhar a construção da história do negro no Brasil. O movimento rítmico musical inventado na década de 1970 pelo Ilê foi responsável por uma revolução do carnaval baiano, que ganhou novos ritmos oriundos da tradição africana. Com mais de mil associados, é um marco no processo de reafricanização dos festejos carnavalescos da Bahia, com seu espetáculo rítmico-musical e plástico que permeia a ancestralidade africana, o contexto histórico-social do negro em condição de escravo no Brasil, o cotidiano presente do negro baiano e o caráter universal da questão negra.
17 de dezembro – Cortejo Afro
A Banda Cortejo Afro traz uma batida percussiva que se diferencia das demais por apresentar uma mistura de ritmos africanos mesclados às batidas eletrônicas e ao pop, intitulada de “revolução musical afro-baiana”. Foi criada em 2 de julho de 1998, na comunidade de Pirajá. Sua origem, dentro dos limites de um terreiro de candomblé, o Ilê Axé Oiá, sob a inspiração e orientação espiritual da Yalorixá Anizia da Rocha Pitta, Mãe Santinha, atesta toda a sua identidade, autenticidade e força. O grupo é parte integrante do Bloco Cortejo Afro, idealizado pelo artista plástico Alberto Pitta, que há mais de 30 anos desenvolve trabalhos ligados à estética e à cultura africana, e apresenta releitura de experiências musicais e da estética afrodescendente, transmitindo alto astral através de suas roupas exuberantes, músicas e coreografias ricas em movimentos ligados à cultura afro.
7 de janeiro – Olodum
Nascido no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, em 1979, o Olodum se tornou um dos maiores representantes da cultura baiana e afro-brasileira por todo o mundo, promovendo um trabalho musical, social e político voltado para as camadas mais necessitadas da capital baiana, além de estimular o comprometimento cultural do povo baiano e de milhares de pessoas em diversos países com a igualdade e a justiça. O grupo ganhou sonoridades diferentes, transformou a musicalidade africana calcada na percussão e desenvolveu novos ritmos, como o ijexá, samba, alujá, reggae e forró, transformando-se numa expressão viva do samba-reggae, ritmo idealizado por Neguinho do Samba. Ao longo destes anos, a banda participou de grandes eventos de visibilidade internacional, como Copas do Mundo e Olimpíadas, tendo tocado em 37 diferentes países. Também festejou 25 anos da Terça do Olodum, seu famoso ensaio de verão, e 25 anos de inauguração da Casa do Olodum. Grandes parcerias ainda marcam sua história, encantando artistas como Michael Jackson e Paul Simon.
4 de fevereiro – Malê Debalê
Fundado em 23 de março de 1979 por um grupo de moradores de Itapuã que tinham o desejo que seu bairro pudesse participar do carnaval de Salvador, a Sociedade Cultural, Recreativa e Carnavalesca Malê Debalê, ou tão somente Bloco Afro Malê Debalê, conta com cerca de 4 mil integrantes. Inspira-se na população descendente dos Malês, povo de origem africana de religião muçulmana que lutou na Revolta dos Malês contra o sistema escravocrata brasileiro.