O Diário Oficial da União, desta segunda-feira, 13 de junho, conformou a desembargadora aposentada Luislinda Valois, como titular da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Filiada ao PSDB, a magistrada baiana é a primeira mulher negra a integrar o governo do presidente interino Michel Temer. Valois foi a primeira mulheres negra a se tornar juíza no Brasil. A SEPPIR é vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania.
Com a justificativa de acabar com os gastos do governo e equilibrar as contas públicas brasileiras, o governo interino de Michel Temer realizou uma reforma ministerial, que culminou na extinção de 10 ministérios, dos 32 que existiam, e criou outros dois. Entre os extintos, estão alguns que, desde suas criações, marcaram significativas conquistas para a sociedade brasileira nos últimos 13 anos: o Ministério de Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, além do Ministério da Previdência Social, que passa a ser atrelado ao do Trabalho.
Fruto das lutas de anos dos movimentos sociais e do movimento negro brasileiro, os Ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial, e dos Direitos Humanos, independentes até outubro de 2015, conseguiram colocar em destaque inúmeras políticas de promoção da igualdade racial. Recentemente, em uma publicação, onde são divulgadas as ações desta pasta e as melhorias conferidas a este público, o ex-secretário Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial, Ronaldo Crispim Sena Barros, afirmou que uma das conquistas do país foi mostrar como o racismo funciona e atacar a raiz do problema, mas que as conquistam foram fruto de muitas reivindicações e lutas. “A cobrança e a denúncia acerca da ausência de políticas públicas para população negra começou a se fazer mais presente, haja vista que, nesse período, a população negra conhecia o Estado apenas pelo seu lado negativo”.
Ronaldo Crispim Sena Barros ainda falou sobre as conquistas do Movimento Negro. “Neste sentido, as políticas de promoção de igualdade racial têm como marco a luta histórica do Movimento Negro pela superação do racismo e das desigualdades econômicas e culturais no Brasil, cuja culminância se deu em 2001 quando o país participou da Conferência de Durban, passando a ser signatário do Plano de Ação de Durban”, afirma Barros. A partir da Conferência, em 2001, o Brasil cria um órgão específico voltado à promoção da igualdade racial na esfera pública, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
A extinção desse ministério tem provocado grande temor dos segmentos organizados da sociedade, pois esta medida pode significar retrocessos de conquistas alcançadas ao longo dos últimos 16 anos, como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, o sistema de cotas nas universidades públicas, a recente criação de cotas para a Pós-Graduação em universidades públicas federais e a Lei 10.639/03, que estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. As ações desse governo também podem comprometer a continuidade de órgãos importantes para a efetividade dessas conquistas, como a Fundação Cultural Palmares. O Governo interino nomeou como presidente do órgão vinculado ao Ministério da Cultura, o economista e administrador Erivaldo Oliveira da Silva, que atua na Bahia com publicidade e consultoria em gestão governamental.
De acordo com o estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia, artista plástico e empreendedor, Ademir Borges, o que o país vive é um “cenário de desmonte dos direitos sociais, adquiridos ao longo da estabilização e posterior ascensão do PT ao centro do poder executivo, que trouxe um projeto menos concentrado no desenvolvimento e renda”.
Segundo Borges, “a queda da SEPPIR é apenas um demonstrativo da falta de compromisso desse grupo com a maior parte dos habitantes do país, direcionando a outros o direito do Estado”. Dessa forma, o empreendedor acredita que, entre as soluções para trazer o país para os trilhos, devem estar a convocação de novas eleições presidenciais e a criação de medidas colaborativas e coletivas. “Fomentar a colaboração e a autogestão, além do respeito às iniciativas de outras frentes é o desafio desse momento, juntamente com a contenção das medidas econômicas covardes e a ampliação da agenda de desenvolvimento social. Uma boa saída para este impasse seria a realização de novas eleições”, conclui.
Para a assistente social de formação, militante e pesquisadora das causas de gênero, raça e diversidade, Tamila dos Santos, a extinção desses direitos leva a um retrocesso: “Não há como pensar na extinção desses dois Ministérios (de Mulheres e da Igualdade Racial) sem pensar em retrocesso de direitos, sendo que ambas as pautas, a racial e a de gênero, foram construídas no Brasil, gradativamente, a partir de grande esforço dos Movimentos Sociais. Neste contexto, devemos lembrar, que mesmo com a Constituição Cidadã de 1988, prevendo uma série de avanços nos direitos constitucionais dos cidadãos, as pautas supracitadas só vieram ter notoriedade em 2003, com a criação da SEPPIR e da Secretaria de Políticas para mulheres (SPM), 15 anos após a CF 1988, o que se torna um dado significativo quando consideramos o contexto de violência racial e de gênero que historicamente assola o país.”, afirma.
A pesquisadora acredita ainda que essas demandas sejam de extrema urgência e reitera: “As demandas precisam de soluções urgentes, ainda mais quando observamos os altos índices de assassinato de jovens negros, de violência doméstica e sexual contra as mulheres, as violações dos espaços sagrados dos Terreiros de Candomblé, os conflitos de terras quilombolas e diversos outros. Dessa forma, é necessário convir que é dever do Estado criar e executar políticas preventivas para lidar com as multifacetas oriundas dessas questões. Assim, a extinção desses Ministérios demonstra a falta de compromisso do Estado brasileiro com a sua população, com a democracia (além de demonstrar a fragilidade da mesma), e com a possibilidade de alcançar algum desenvolvimento social”.
Em Salvador e em toda Bahia, segmentos diferenciados da sociedade civil têm protestado para o retorno de ministérios importantes. Os movimentos esperam que o governo interino, classificado de “golpista e corrupto”, volte atrás na decisão de extinção das pastas, assim como ocorreu com o Ministério da Cultura, após a enorme comoção da sociedade civil.
Da Redação