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Fotógrafo baiano busca ajuda para preservar importante acervo da memória negra

08/11/2018 | às 23h05

Acervo ZUMVI precisa urgentemente de investimento contra deterioração

Acervo funciona na casa do fotógrafo Lázaro Roberto

“Meu objetivo era fotografar o hoje para o amanhã, depois eu entendi que meu trabalho era de documentação e memória do povo preto”, diz Lázaro Roberto, 60 anos, fotógrafo e documentarista que registrou a memória do mundo negro entre 1978 à 2013. À frente do Zumvi Arquivo Fotográfico, que reúne pouco mais de 30 mil fotogramas, o fotógrafo busca através de financiamento coletivo salvaguardar o acervo que está sujeito a deterioração e a criação de um plataforma digital.  

Tímido com o microfone na mão, Lázaro prefere uma conversa franca e muda um pouco o formato da “Redação Itinerante”, evento realizado pelo Portal Correio Nagô na Vale do Dendê. O fotógrafo que você já deve visto em algum evento, manifestação ou festas que aproxima a população negra cidade sempre por trás da câmera, revelou para o público como sua história na fotografia começou e como o Zumvi, expoente da memória negra, se constitui.

Através de financiamento coletivo, Lázaro Roberto busca preservar arquivo fotográfico do Movimento Negro

“Quando eu comprei a câmera me veio uma pergunta: fotografar para quê? Eu queria fotografar para o amanhã”, previa Lázaro. Com a criação do Zumvi,  Lázaro estava imerso e construía a referência imagética que temos hoje do Movimento Negro.“Naquele momento eu nem fazia ideia que hoje poderia ser chamado de documentarista”, contou.

“Mesmo pós-abolição, ela [a fotografia] só aparece nas mãos dos negros a partir do século XX. As imagens que temos de negros são de viajantes”, descreveu Lázaro, que ainda com o processo de deterioração, se ocupa de manter o projeto Zumvi funcionado. Segundo o documentarista, era raro ver negros andando com câmeras fotográficas por volta da década de 70 quando ele começou.

PRETO COM CÂMERA NA MÃO

Filho de uma lavadora de roupas e de um estivador, Lázaro Roberto nasceu e foi criado no bairro da Fazenda Grande do Retiro, no qual atualmente reside. “Na infância a relação que eu tinha com fotografia era uma foto com meus dez irmãos. Era uma foto com todo mundo”, disse o fotógrafo.

“Eu não tinha uma referência para dizer que eu sempre quis ser fotógrafo”, lembrou o documentarista em comparação à atualidade. Durante os anos 70, um padre italiano progressista chegou ao bairro e fundou um grupo de teatro chamado “Grupo Experimental de Arte da Fazenda Grande do Retiro”. A partir deste grupo os alunos poderiam conhecer diversas modalidades de artes. Lázaro tinha por volta de oito anos quando viu pela primeira vez uma exposição fotográfica em preto e branco e a partir deste dia a fotografia passou ser um interesse maior.

“Eu sempre digo para Antonio Olavo que ele é um dos meus mestres, pois foi nesta exposição que ele fez, foi ali que despertou em mim o querer ser fotógrafo e de comprar uma máquina”, brincou.

A primeira máquina, uma Minolta, foi comprada por encomenda através de uma acompanhante do padre. Lázaro pagou o equipamento com o salário que recebia enquanto artista gráfico, após a compra, fotógrafo foi lendo mais sobre técnicas e buscando informações se especializou. “Por volta de 1982, eu fotografava mais pessoas, festas de largos e populares, coisas do própria bairro. Já desfocava menos as fotos”, narrou.

Zumvi possui pouco mais de 30 mil fotografias de caminhadas, registro de pessoas e festas populares da capital

ZUMVI

Ainda na década de 1980, Lázaro entrou em um curso em que aprendeu as técnicas de laboratório para revelar suas fotografias. Ao sair do curso, ele tinha um projeto em mente. “Quando colocava a foto no papel eu via o quanto a cidade era negra, foi aí que veio a ideia de chamar alguns colegas para criar uma entidade que registrasse a cultura negra, foi assim que criei o Zumvi Arquivo Fotográfico”, contou Lázaro.

O nome faz menção à máquina analógica que Lázaro possuía. Com a lente  fixa, era preciso se movimentar com a máquina nas mãos para aproximar e se distanciar das pessoas que queria enquadrar. “’Zum’ foi de zoom que eu coloquei em português e “vi” era das coisas que via”, relatou.

Um dos colegas convidados foi Raimundo Monteiro, um profissional que trabalhava fotografando nas praças, chamado de “Lambe Lambe”, um dos poucos que Lázaro via nas ruas. Aldemar Marquês recebeu o convite de Lázaro ao sair do curso que fizeram juntos. Foi no andar de cima da igreja em que Lázaro trabalhava onde o grupo se reunia para planejar e revelar os filmes. No começo o fotógrafo fazia muitos cartões postais e vendia na própria igreja que era frequentada por muitos turistas para comprar filmes. Os fotógrafos ficavam atentos ao que acontecia na cidade para registrar as passeatas, as festas populares e momentos solenes do mundo negro.

“Em 2006, Jônatas Conceição Silva me entregou pouco mais de 1.600 fotogramas das andanças dele, três anos antes dele falecer”, recordou Lázaro. O documentarista contou que Jônatas indicava os eventos que aconteciam na cidade e fazia a produção para que as fotos de Lázaro pudessem acontecer.

TORNAR-SE VISÍVEL

O documentarista lembra que por muito tempo sua produção foi invisibilizada. Segundo o fotógrafo as pessoas posavam mais para os turistas que para ele. “Me perguntavam: você é turista é? Naquela época, me recordo de poucos negros fotografando, o que me motivava mais a permanecer na profissão”. Em função da fotografia, Lázaro começou a participar de encontros e palestras realizadas pelo movimento negro. “Foi fotografando temática diversas que eu entendi sobre ser negro”, lembrou o documentarista.

Lázaro lembra que muitas vezes quando suas obras são expostas muitos negros ficam surpresas quando descobrem que foi ele quem produziu. “Na exposição Fragmentos que ficou na Praia da Barra, teve um menino que dizia ter achado as imagens ótimas, quando eu disse que era o fotógrafo ele não acreditou”, disse o documentarista.

Este ano Lázaro Roberto foi convidado para o Valongo Festival de Internacional da Imagem, que reuniu cerca de 100 artistas na região portuária de Santos (SP), evento em que o artista se sentiu reconhecido por sua produção. “Hoje eu vejo muitos jovens negros fotografando, às vezes até paro de fotografar o que estava registrando para fotografar esse pessoal”, destacou o fotógrafo.

“Pelo o que o Zumvi já produziu, o que mais me angustia é que não mostramos pouca coisa”. Atualmente, Lázaro divide a manutenção do Zumvi projeto sozinho com a ajuda do sobrinho, o historiador José Carlos Ferreira. “Têm trechos da história da Bahia que eu conheço através dele. Ele pega a foto de alguém e me diz “esse é fulano, fez isso e aquilo”, disse o sobrinho. O conteúdo das fotografias são diversos e segundo a José Carlos é possível fazer abordagens interdisciplinares com o material. Apesar das dificuldades, acervo segue funcionando.

Fotografia de Lázaro Roberto, feita em julho de 1991 com a visita de Nelson Mandela à Bahia

CAMPANHA

Através da campanha, Lázaro Roberto busca arrecadar R$ 50 mil reais no período de 60 dias para digitalizar e colocar a disposição do público o acervo produzido pela entidade de fotógrafos.  Com imagens históricas, a exemplo, do dia 3 de Julho de 1991, em que registrou o discurso de Nelson Mandela, na Praça Castro Alves; além de, ocupações estudantis, na Reitoria da Universidade Federal da Bahia para a implementação da Lei de Cotas Raciais; e os primeiros registros de blocos afros e afoxés da capital.  

Com as doações, os investimento será aplicado urgentemente para resguardar o acervo da ação do tempo. Além disso, a intenção é catalogar as fotografias para que o Zumvi permaneça em ação contínua. “Eu quero dinamizar a produção que temos e trabalhar em paralelo a Lei 10.639/03 não só durante o Novembro negro, mas ao longo do ano. O Zumvi tem material que possibilita isso”. Na campanha é previsto a criação de um museu virtual que será chamado de Plataforma Zumvi, em que poderão ser solicitadas imagens por meio de solicitações.

Também é previsto a contratação de estagiários para a catalogação e digitalização, e de um programador para a criação da Plataforma Zumvi. A campanha que fica aberta até o dia 19 de dezembro, segue com recompensas para apoiadores e demais informações podem ser consultadas através do site da Benfeitoria.

Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Portal Correio Nagô.

Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.

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