A desigualdade social no Brasil, atrelado ao racismo dificulta o acesso de pessoas negras nessa indústria
No Brasil o racismo estrutural também se faz presente no universo dos games, pois a cor da pele está interligada com a renda e com oportunidades de carreira. Uma análise realizada pela Pesquisa Game Brasil de 2021 (PGB), referência no estudo de hábitos de consumo do game, aponta que 50,3% dos jogadores brasileiros se autodeclara preta ou parda.
Segundo o estudo, quase metade dos que consomem jogos, 49,7%, são das classes C, D e E. Cerca de um terço dos que jogam videogame vem de famílias de renda de até R$ 2.090. Outro terço tem renda familiar de até R$ 4.180. Mas como explicar esses números em um momento onde comprar um console novo pode custar R$ 7.000? Onde estão esses jogadores negros?
Ainda segundo a análise da PGB, a plataforma preferida dos entrevistados pela pesquisa é o celular, 41,6% afirmaram preferir jogar no smartphone, enquanto só 25,8% preferem consoles. Os que preferem jogar pelo celular são das classes C, D e E. Os que jogam em console são das classes A e B.
Entre os que jogam no computador, 57,4% são das classes A e B, e para aguentar os jogos que fazem sucesso atualmente e geram lucros, a máquina precisa ser potente, não adianta tentar jogar em computador comum.
Essa realidade faz com que a indústria de games seja majoritariamente branca. Nos últimos anos jogar vídeo-game deixou de ser uma simples brincadeira, com o advento da tecnologia, abriu-se uma possibilidade lucrativa, principalmente no e-sport ou esporte eletrônico, termos usados para as competições organizadas de jogos eletrônicos, especialmente entre os profissionais.
O e-sport é um mercado formado por mais de 100 milhões de pessoas, que hoje assistem a jogos online e participam de competições ao redor do mundo. Segundo a consultoria Newzoo, gerou uma receita global de US$ 1 bilhão em 2019, considerando somente direitos de transmissão, patrocínio e vendas relacionadas aos eventos. Todo o resto – vendas de equipamentos para os gamers, lucros dos desenvolvedores dos jogos, prêmios dos torneios – movimenta um volume de dinheiro, difícil de estimar. No último torneio de Dota 2, um popular jogo de estratégia, no qual dois grupos de cinco heróis tentam destruir a base adversária, a premiação foi de US$ 20 milhões. As competições se multiplicam pelo mundo, e os prêmios também.
No Brasil, essa modalidade é promissora. São quase 90 milhões de gamers no país. Três, em cada quatro brasileiros com acesso à internet declaram jogar. Porém o cenário do e-sport tem uma clara exclusão de negros, basta assistirem as competições e observar nitidamente essa realidade. O motivo? O racismo estrutural presente na história do Brasil, que está diretamente ligada à desigualdade social – e tem o acesso a tecnologia como um dos principais indícios.
Racismo nos jogos
O sucesso dos esportes eletrônicos vem acompanhado de um lado obscuro: a frequência cada vez maior de casos de discriminação racial dentro desse universo, além da dificuldade de acesso nessa categoria, já que os equipamentos são caros.
É nessa realidade que Henrique Silva, 28 anos, conheceu os esportes eletrônicos. O estudante de Ciências da computação começou a jogar na adolescência, através do smartphone. Sem computador em casa, o jovem era frequentador assíduo de lan-house e foi lá que conheceu o jogo League of Legends, um dos jogos mais importantes do e-sport, “não tínhamos condição financeira de ter computador em casa, pois só minha mãe era a mantedora de uma família com cinco filhos, mas quando podia, eu ia jogar na lan-house, e foi através do jogo que descobri o que queria fazer da vida, mas infelizmente conheci o outro lado da moeda em um jogo online”, comenta.
Ao criar um avatar, personagem que representa o jogador, Henrique foi vítima de ataques racista, “fui chamado de macaco pobre, que deveria sair do jogo, pois ali não era lugar de gente como eu, antes de personalizar meu avatar isso nunca tinha acontecido, depois que o fiz isso aconteceu várias vezes e algumas ofensas eram muito tóxicas”, expõe.
Casos como o de Henrique não são exceção, relatos de cyber-atletas são frequentes e tem levantado manifestações ao redor do mundo. A publicitária Vanessa Marques, 21 anos, também já sofreu ataques racistas e foi vítima de machismo, “enquanto você joga sem ligar o áudio ou com avatar masculino, nada acontece. Mas, se você resolve jogar, falar e personalizar seu personagem, como mudar para feminino e colocar o tom de pele negra, aí as ofensas são pesadas, o mais revoltante é que muitas vezes são homens adultos por trás da tela, com pensamentos retrógrados, já fiquei meses sem jogar por me sentir péssima com coisas que já escutei”, declara.
Para Yasmin Sampaio, 18 anos, ser jogadora profissional é um sonho. A jovem ganhou dos pais um computador usado para fazer as tarefas da escola e foi através dele que também aprendeu a jogar. Yasmin já participou de algumas competições em outros estados do país, e acredita que pode mudar a realidade da família através dos jogos eletrônicos. “Sempre digo aos meus pais que vou me formar em TI e vou me profissionalizar, quando vejo que não tenho uma máquina boa e que trava toda hora, me sinto inferior aos meus adversários e ao mesmo tempo isso me motiva a aprender e melhorar”, relata.
Alice Souza
Com supervisão de Valéria Lima