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Geógrafo Kauê Lopes lança o livro “Ouro por Lixo” sobre as desigualdades na Divisão Internacional do Trabalho

O geógrafo Kauê Lopes dos Santos lança, no próximo dia 06 de julho, o livro  “Ouro por lixo” (Pallas Editora) sobre as desigualdades na Divisão Internacional do Trabalho. O livro será lançado numa conversa virtual do autor com a jornalista Luciana Barreto nas redes da editora Pallas. Com prefácio de Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula da Silva (de 2003 e 2011) e ex-ministro da Defesa do governo Dilma Rousseff (entre 2011 e 2015), a obra traz um aprofundado estudo de caso sobre o escancarado desequilíbrio da Divisão Internacional do Trabalho entre o Norte e o Sul Global, a partir da realidade verificada especificamente em Gana, na costa oeste africana.

Foto: Divulgação

O nome ‘Ouro por lixo’ sintetiza bem a tese do autor. “A inserção ganense na economia mundial contemporânea caracteriza-se não apenas pela exportação de commodities – tema extensivamente estudado nos países do Sul –, como também pela importação de objetos manufaturados, em especial de bens de segunda mão ou mesmo de lixo, um tema notoriamente negligenciado”, explica Kauê, que produziu a pesquisa para a sua tese de Pós-Graduação em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), agora tornada livro.

Gana é exportador de bens minerais e importador de toda a sorte de objetos eletroeletrônicos descartados, que são desmontados e recauchutados. “Da imensa quantidade de produtos jogados fora, 70% chegam lá já deteriorados, e os 30% restantes são reutilizados. Temos que debater nosso consumismo. Nos últimos 30 anos foram produzidos mais objetos que em toda a história da humanidade”, aponta Kauê.

“Recommodização” da economia, e uma quase prisão

Em sua pesquisa de campo, o autor verificou que, no caso desse lixo importado por Gana, ocorre um processo de extração e reciclagem dos recursos minerais de suas engrenagens que é operado sob precárias condições de trabalho. “Tais recursos, por sua vez, são exportados e reintegram etapas produtivas de países industrializados da Europa e da Ásia. Assim, denominei esse processo como ‘recommodização da economia’”, ilustra Kauê, para quem este é um elemento de importância estrutural nas análises sobre a Divisão Internacional do Trabalho contemporânea.

Para obter os dados necessários ao estudo, o geógrafo colocou o pé no mundo. Além da pesquisa bibliográfica, realizada em instituições e universidades de Gana, Reino Unido e Estados Unidos, Kauê incluiu no roteiro uma visita ao Porto da Antuérpia, na Bélgica – que representa um importante ponto de articulação do fluxo comercial internacional ganense. Lá, quase foi preso por fotografar carros de segunda mão, lotados de lixo eletrônico, que logo seriam embarcados para o país africano.

Lixo transformado em ouro, na periferia do mundo

Quando visitou Gana, entre 2013 e 2016, também fez entrevistas estratégicas com empregados de instituições e empresas nacionais e multinacionais, a fim de obter um melhor panorama de todo o território. In loco, Kauê testemunhou os aspectos sócio-econômicos de um país que ocupa a mais distante (e cruel) periferia do sistema capitalista mundial. “De um lado temos o Vale do Silício, criando esses produtos com tecnologia de ponta e condições ideais e, do outro, Gana, reaproveitando esses mesmos produtos da forma mais improvisada possível”, pontua.

Em Agbogbloshie, considerado um dos lugares mais poluídos do planeta, conheceu trabalhadores utilizando as técnicas mais precárias para desmontagem, separação, armazenamento e revenda dos componentes com algum valor de mercado, como os feitos com ouro, zinco e cobre, por exemplo. Sem qualquer orientação ou proteção, a população ganense faz sua economia local girar a despeito dos inúmeros riscos e malefícios à saúde, causados pelo contato com elementos tóxicos decompostos e com partículas de metais pesados no solo, rios e alimentos.

O livro é sobre Gana

Este livro não é sobre a África”, enfatiza. O autor paulistano, de 34 anos, e professor de geografia da Unicamp, também toma esse cuidado para que o leitor desavisado não enverede pelo caminho fácil das generalizações, comuns ao continente, tão imenso quanto complexo e plural, sob todos os aspectos, com seus 53 países.

Por mais que certas condições tenham se universalizado no sul global, e por isso estão sedimentadas na visão da academia e da cultura ocidentais, a África segue sendo percebida como uma região gigante de “natureza selvagem”, ocupada por “culturas exóticas”, que por sua vez são bolsões de “tragédias humanas”, onde grassam a fome, a violência e a doença. Um equívoco tão grande quanto o seu tamanho – e que o autor quer logo evitar.

Escolhi Gana por vários motivos. Primeiramente, foi o primeiro país da África ao sul do Saara a obter a independência do jugo colonial europeu, em 1957. Além disso, o país havia sido o laboratório de numerosas políticas econômicas, incorporando um conjunto de ajustes neoliberais nos anos 80. Por fim, me parecia um país seguro. No início, eu acreditava que conseguiria obter uma análise do continente africano. Mas, ao longo dos estudos, contudo, percebi que Gana deveria explicar a si própria, devidamente contextualizada no tempo e no espaço. Repito, portanto: este livro não é sobre a África, este livro é sobre Gana”, defende.

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