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Hautpflege versus pele foveira…

Ok, Leute, eu sei que eu simplesmente desapareci e não consegui dar conta de escrever um textozinho sequer no (meu próprio!!) blog. 🙁 🙁 🙁 🙁 Admito uma mea culpa, mea máxima culpa… masss também admito que o fato de viver na Alemanha já há muitos anos causou mudanças realmente significativas em mim. Calma! Virar alemão está fora de cogitação!! *lach (rsrsrs) Quando eu falo em “mudanças” quero dizer… hmmm… é… por exemplo. Nos primeiros tempos aqui eu sempre dizia pros meus amigos alemães que nos meses de inverno lamuriavam sobre a falta do sol:

“Oxente mininu, eu tive sol todos os dias de minha vida antes de vir pra cá… um pouco de tempo nublado e frio pra variar é ótimo… Além disso eu adoro essa estória das quatro estações… blá, blá, blá”

Pois é…. pra pagar minha língua, não é que os invernos dos últimos anos têm se tornado insuportáveis!! Apesar de no ano passado eu ter tido a chance de passar setembro quase inteiro na Bahia recarregando minhas baterias, quando retornei em outubro a temperatura já estava na contagem regressiva 11°, 10°, 9°, 8°… Desde então, salvo uns poucos dias que tivemos um céuzinho azul meia boca com algo semelhante a uma luz de geladeira brilhando lá em cima, somente nesses dias chuvosos de abril que a temperatura vem saindo da “faixa etária dos menos graus negativos abaixo de zero” (como costumava brincar um saudoso amigo meu 😀 ).

Pois é… não me achava com motivação nenhuma pra escrever… Olhava pra fora da janela e ou estava cinza de nublado ou estava branco de neve. Me diga, aê! Tem sol interior que resista? E ainda sempre chegava uns desavisados pra falar:

“Como você consegue viver aqui sendo do Brasil? Terra do calor, das praias, do molejo… da negritude”

Como se fôssemos afro-brasileiros predestinados geneticamente a sentir frio e a andar sorrindo pelas ruas. Ai eu explico que o corpo todo se re-adapta ao ambiente que ele se encontra. Depois de um algum tempo, nós nascidos pertinho do Equador, passamos a sentir as mesmas oscilações de humor e a sentir frio exatamente como alguém que tenha nascido e se criado Nazoropa. O corpo produz mais gordura pra proteger os órgãos vitais, o sangue (dizem aqui) engrossa, a pele… bem, ela merece quase um capítulo à parte. A pele fica, como dizemos na Bahia, foveira! Descamada, rachada, com aparência esbranquicenta… enfim, desidratada. Por conta de meus hábitos usuais de higiene acabei por causa disso incorporando no dia a dia daqui o uso do hidratante, principalmente no inverno.

Imaginem ter sempre que usar calças, camisas compridas, pulôveres, luvas, meias grossas, gorros e sempre circular em ambientes de ar aquecido, continuar com o hábito de tomar pelo menos dois banhos quentes diários… então… acaba rachando tudo… literalmente… de tão desidratada que a pele costuma ficar. Lembra muitas vezes a textura de um solo em erosão.  Tem jeito não. Os cuidados com a pele, Hautpflege, tiveram que ser adaptados.

Interessante que nos meus tempos de menino se fazia a associação direta de minha pele negra ressecada com a África… me diziam ao verem minhas pernas foscas e cinzas:

         “África neeeeegra!!” 

Quer dizer, não era somente quando as minhas pernas ficavam foveiras não…  aber egal (mas tanto faz)… eu fui observar aqui na Alemanha uma certa correlação com este pensamento. Curioso como nós afro-descendentes não alemães somos muitas vezes “identificados”…

Eu tenho uma impressão (naturalmente uma impressão empírica) de que os alemães comuns consideram basicamente a existência de dois tipos de negros. Os africanos e os African-Americans… e as duas características inerentes a eles(!) seriam a língua inglesa e (o que eles consideram como) a incapacidade de se dominar o idioma alemão. Enquanto os negros africanos trariam consigo toda uma carga de elementos de cunho preconceituoso negativo por sua vez os negros norte americanos também. Não obstante por um viés positivo.

É sabido que a Alemanha tem em sua história relações diferentes com os negros dos dois continentes. Lá pelos anos mil oitocentos e bolinhas, enquanto o Brasil se encontrava em pleno movimento libertário que culminaria com a Lei Áurea, o império prussiano tomava parte da Conferência do Congo na corrida pelas últimas colônias africanas (vindo a contribuir em algum momento com a eclosão da primeira guerra mundial). A idéia era de realmente transformar algum pedacinho da África em uma extensão dos valores do império.

Por exemplo, geralmente se diz que o povo alemão é ultra-organizado, não é? São extremamente confiáveis naquilo que se promete fazer… tem uma pontualidade mais do que britânica… aqui se tem hora marcada pra tudo. Até pra se rever um/a amigo/a do peito se deve marcar um café, ou uma cervejinha dias, quiçá semanas antes. Essa mentalidade era observada também com os colonizados, conquanto se tinha um dia da semana com hora marcada pra que os negros escravizados fossem açoitados, independente de terem feito algo errado pros olhos dos arrogantes e austeros escravizadores ou não. Por isso mesmo, muitos dos escravizados aceitavam de cara a proposta libertadora de se tornaram cidadãos alemães e de receber um salário para participar nas batalhas… ou seja, acredito que mais para ser aqueles soldados que vão na frente receber os primeiros tiros… os legendários “Askaris“. A propósito, o último deles recebeu pensão do Estado até seu falecimento no final dos anos 90.

Já os African-Americans tiveram uma construção de imagem bem diferente. Ao tomarem papel importante para a capitulação alemã na segunda guerra mundial, os soldados caiam literalmente dos céus, tais quais anjos negros enviados pela “divina providência” (pra não dizer pelos aliados) pousando sob um povo derrotado, humilhado, faminto e em ruínas. Traziam medicamentos, roupas, mantimentos… Assim como chocolates, chicletes e uvas-passas pra alegria das crianças… Eles foram incorporados ao imaginário coletivo alemão de maneira quase oposta do clichê a que os negros africanos foram submetidos. Digo quase!!

Então, pela lógica, alguém que de alguma maneira se assemelhe com Denzel Washington, Usher, 50 Cent, Oprah Winfrey, Beyoncé ou Michelle Obama etc… mit ihren wunderbaren sanften, weichen, dunklen und gepflegten Haut (de peles maravilhosamente escuras, sedosas, macias e bem cuidadas) é invariavelmente “identificado/a” como americano/a.

E quem não se enquadra na semelhança? Africano!

Mesmo sendo assunto pra um outro tópico, eu diria que, via de regra, por um mecanismo de defesa da auto-estima, alguns imigrantes vindos de lá tomam partido deste estereótipo e procuram se passar por “Black Americans” no modo de se vestir, no corte do cabelo, nas gírias (wassup, man?), e, sem dúvida alguma, no (aqui realmente mais que necessário) Hautpflege.

Eu raramente preciso usar creme hidratante no Brasil, ou pelo menos não os cremes que são comercializados aqui (são mais espessos). Acredito que pra aqueles vindos de grande maioria dos países africanos seja semelhante. Porém, por uma razão ou outra, num primeiro contato eu ainda quase sempre sou considerado um African-American.

Com uma naturalidade impressionante começam a se comunicar comigo em inglês como se fosse o mais óbvio do mundo eu ter nascido e ter sido criado nos Estados Unidos. Quantas vezes me foi dito eu ser parecido com Barack Obama? *LACH! (#rialto)

Um dos meus passatempos preferidos ainda continua sendo o de observar a cara de espanto destes interlocutores quando, no meio da conversa, eu mudo o idioma para um alemão (quase!!) impecável comentando algo sobre minha terra natal, o Brasil…

          “Wie?… Sie sind Brasilianer?!”
          “Sim, sou brasileiro e baiano da gema!”

          “Ach soooo….” quase num misto paradoxal de decepção e admiração súbita.

Aí de repente chovem os elogios à nossa flora, fauna e recursos naturais; de praxe acrescentam comentários maravilhados à pessoa do ex presidente Lula e sua política de erradicação da miséria… e nunca se esquecem das tais perguntas padrões:

“Como é que você veio parar aqui?!”

 e aquela que citei acima:

“Como você consegue viver aqui sendo do Brasil? Terra do calor, das praias, do molejo… da negritude…” …

Volto a explicar tudo de novo… afinal, paciência só vira uma virtude depois de muuuuuuita prática!! *grins (hehehe)

Bem, resumo da ópera… como é que ficariam os afro-brasileiros nesta “categorização”? Eu arriscaria dizer que pra o imaginário coletivo teutão nós, negros brasileiros, estaríamos mais pra a imagem positiva dos negros estadunidenses do que pra os negros dos países africanos. Assim… se pudéssemos metaforicamente nos observar em um pódio, estaríamos em segundo lugar atrás dos brothers enquanto que a Mama África sequer teria conseguido uma menção honrosa, quanto mais um bronze. Eu vou tirar umas fotos das campanhas tipo “Criança Esperança” que se fazem por aqui pra vocês terem uma idéia… Tudo bem que a inciativas são louváveis e tals… mas a imagem que se perpetua da África é sempre quase a mesma… será que não existe um outro caminho “assistencialista” sem que seja preciso se usar os mesmos clichês dos anos mil oitocentos e lá vão bolinhas?

E como será que os afro-alemães se identificam entre si no meio desta perspectiva quase maniqueísta African-Americans versus African-Africans?…

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