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Homenagens e ações pró-Mulheres marcam território no carnaval

“Tocar pode, bater não”. “Homem, venha devagar. Sou mulher e eu quero respeito”. “Diga não à violência contra a mulher”. Frases como estas puderam ser ouvidas e lidas ao longo de todos os três circuitos principais do carnaval 2014, de Salvador: Batatinha, Osmar e Dodô. Como homenagem, campanha política ou simplesmente frases de ordem, a mensagem ganhou corpo em meio aos blocos, em especial naqueles voltados, exclusivamente, para o público feminino.

Blocos como A Mulherada, que este ano teve como tema “Mulheres Negras Brasileiras”, iniciou o Carnaval de Salvador na quinta-feira, no circuito Osmar (Campo Grande), levando em seus abadás o lema “Tambores pelo fim da violência”, com as cores do feminismo, rosa e lilás. “Nós reverenciamos as mulheres negras brasileiras este ano, como Luislinda Valois, primeira juíza negra do Brasil, Mãe Menininha do Gantois, as baianas, dançarinas, enfim, mulheres negras que ocupam espaços de poder na cultura, na sociedade”, declarou Rose Barbara, presidente do bloco que completou 12 anos de carnaval.

No sábado, no circuito Batatinha, foi a vez do afoxé Filhas de Gandhy, primeiro afoxé feminino do Brasil, que celebrou neste ano seus 35 carnavais, trazendo um cortejo branco e azul de cerca de duas mil mulheres de diferentes raças, condição social e localidades. Para a presidente do bloco, Glicélia Vasconcelos, as Filhas de Gandhy ganharam um presente em 2014. “Celebramos nosso aniversário nos três circuitos do carnaval, levando mais força, mais beleza e, acima de tudo, fortalecendo nossa bandeira feminina. Tivemos muito apoio de mulheres importantes em nossa sociedade, que vestiram nossa fantasia, se engajaram em nossas campanhas e nos mostraram que acreditam no potencial cultural e político das Filhas de Gandhy”, enfatizou a presidente referindo-se às campanhas realizadas nas redes sociais em prol do Afoxé, que trouxe como tema o “Roda Menina”, uma alusão à presença da mulher nas rodas de poder (candomblé, política, samba, cultura, etc).

 

Poder feminino no canto, na dança e na percussão

Poder feminino no canto, na dança e na percussão

Força feminina – O ritmo trazido às ruas pelo maestro Neguinho do Samba, o samba-reggae, entoado por um grupo percussivo exclusivo de mulheres, foi o que o público viu na Avenida com o bloco Afro Didá, que também celebrou aniversário. Com 20 anos homenageando a força feminina e, em 2014, com o tema “Deixa a Gira Girar”, a Didá foi às ruas também no Comboio do Afródromo, de Carlinhos Brown, liderando as alas percussivas. “Realizamos oficinas, voltadas para mulheres e crianças, de canto, percussão e dança com a proposta de valorizar e estimular a presença da mulher no mercado de trabalho”, frisou Vivian Caroline, diretora cultural e percussionista da banda, que é composta por três mil mulheres, dentre adultas, adolescentes e também crianças. Com banda também composta apenas por mulheres, o afoxé Filhas de Olorum levou para as ruas suas homenagens à cultura afrodescendente, por meio da música e também da dança.

Blocos destacam reinados de belezas negras e poder feminino no Carnaval

Os blocos afro, mantendo a tradição anual de eleger mulheres que representem a beleza e a força feminina negra, levaram para os circuitos suas rainhas e deusas. O Ilê Aiyê, que celebrou 40 carnavais, destacou, em seu trio, a Deusa do Ébano 2014, a empresária de 28 anos, Cynthia Paixão, que enfatizou sua emoção em representar as mulheres no Ilê. “Pra mim é especial estar com o Ilê nesses 40 anos, trazendo a força das yabás, das mulheres, a beleza do nosso povo”, disse emocionada a filha de Oxum quando se preparava para sua estreia no Curuzu. Tem reinado feminino também no bloco Muzenza, com a eterna Muzembela, Claudia Matos, que representa o bloco. “Representar o bloco Muzenza é algo de sangue, de raiz. Trouxemos em destaque a luz eterna, dourada, levando a bandeira de Augusto Omolu, dançarino e diretor artístico do bloco, assassinado em 2013”, explicou.

As mulheres também foram lembradas no Pelourinho com o bloco afro Olodum, que comemorou 35 anos de tradição no carnaval levando para o público o “Baile das Meninas Douradas”, uma homenagem às mulheres do povo Ashanti feita por 30 aprendizes dos cursos de dança afro, canto e percussão da Escola Olodum. Em seu tradicional aquecimento no Pelô, sexta-feira, o Olodum teve ainda a bela performance de Negra Jhô, levando a representação feminina na religiosidade africana através de seu figurino e danças.

Rainha Muzembela dá destaque à luz. Foto: Edson Ruiz

Rainha Muzembela dá destaque à luz. Foto: Edson Ruiz

Deusas Negras – Com o tema “Deusas Negras Atikum – 100 Anos de Carolina Maria de Jesus”, o bloco afro Okanbí também levou sua homenagem às mulheres, além do seu tema, com o tributo “Deusa Atikum”, dado à cantora, Sandra de Sá. O tributo é prestado pelo bloco afro Ókánbí a artistas e grupos de mulheres que se destacam enquanto representantes da musica, da arte e da cultura negra na Bahia e fora dela. Já a educadora e coreógrafa Jedjane Mirte de Souza, Negra Malê 2014, também reinou absoluta no bloco Afro Malê Debalê, originado no bairro de Itapuã e que também celebrou seus 35 anos.

Para a presidente do afoxé Filhas de Gandhy, Glicélia Vasconcelos, que este ano também reforçou a presença feminina na liderança do bloco, com as cantoras Marcia Short, Simone Moreno e Savannah Lima, essa força da mulher gerará frutos valiosos nos próximos anos. “Hoje saímos atrás do Gandhy, mas já estamos plantando sementes para que no futuro bem próximo, estejamos à frente, liderando o cortejo azul e branco”, enfatizou. Para Savannah Lima, que estreia no carnaval em carreira solo, o convite foi um presente. “É muita responsabilidade puxar um bloco tão tradicional e que tem a mulher em destaque, uma bandeira feminista à frente das alas, da percussão e do tema. Ser Filhas de Gandhy é ser mulher milhares de vezes”, frisou a cantora.

A forma feminina diferenciada de tocar os tambores e demais instrumentos percussivos, além de associar o toque à dança, característicos dos blocos afro e afoxés fizeram deste carnaval uma base forte de empoderamento feminino. Com suas cores, maquiagens, graça e beleza, as mulheres marcaram território nos circuitos, foram homenageadas, tiveram ações institucionais, políticas e culturais em sua defesa e, acima de tudo, garantiram seus espaços sob os holofotes da folia.  Entre foliões pipoca, integrantes de afoxés e blocos afro, estima-se que mais de 1,5 milhões de pessoas foram tocadas por esta afirmação feminina.

 

Por Jamile Menezes

*Matéria especial do Carnaval 2014 para o Portal Correio Nagô

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