“Eles disseram: vocês têm arco e flecha; a gente tem é bala”. De acordo com uma Kokama, essas foram as palavras de um policial durante a operação com intenção “pacífica”, iniciada na última segunda-feira (23), para impedir o acesso a uma área ocupada por indígenas e não-indígenas, desde o mês de julho deste ano, no km 05, da rodovia Manoel Urbano (AM-070), no município de Iranduba, na região metropolitana de Manaus.
Entre os indígenas, havia quem se autodesignasse Miranha, Kokama, Apurinã e Baré, Sateré-Mawé, Tuyuka, Tikuna, inclusive famílias que se autodefinem Mura, que se deslocaram do rio Urubu, Itacoatiara (AM); e, entre os não-indígenas, agricultores e ribeirinhos.
Na manhã de quarta-feira (25), uma equipe de pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), que vem realizando trabalho de campo nesta região e acompanhou o ato de mobilização coletiva, em torno da reivindicação da posse de terra, designado pelos participantes como “ocupação”, esteve no local.
De modo recorrente, a abordagem jornalística classifica essas pessoas como “invasores” ou “supostos índios”, o que coloca em dúvida o caráter étnico deles e enfraquece o movimento indígena como um todo. Ao conversar com os representantes da Polícia Militar, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria de Estado para os Povos Indígenas (Seind), que integravam a operação, constatou-se que as representações sobre os indígenas feitas pela imprensa local reproduzem o discurso das agências oficiais.
Isso contribui para que o público tenha uma visão equivocada sobre os indígenas. Camufla o problema da distribuição de terra na região metropolitana de Manaus. Na verdade, essas manifestações surgem como resultado de um modo de apropriação desigual da terra que vem definindo a configuração da cidade.
Casos de violência física cometidos pela Polícia Militar foram relatados à equipe de pesquisadores. Muitos deles ligados à estratégia de isolamento da área, uma vez que quem estivesse fora não poderia mais entrar. Um Tuyuka, de 16 anos, mostrou as marcas no corpo da agressão sofrida ao tentar retornar para o local na manhã de segunda-feira (23).
“Me algemaram, me jogaram dentro do camburão e me levaram. Quando chegou lá dentro, o policial me trancou com ele sozinho dentro da sala, e disse: ‘agora nós vamos conversar’. Puxou o cassetete dele. O delegado [de Iranduba] chegou. [Eles] me seguraram e me deram um murro”, disse o menor.
O rapaz também contou que foi ameaçado. “Eu me senti ameaçado por [ele] dizer que vai descarregar uma pistola na minha cara”. Em seguida, segundo ele, uma equipe do Conselho Tutelar apareceu e impediu que a violência continuasse. “Começaram a me dar guaraná, café, bolacha pra comer. Aí queriam me dar um monte de recurso, bolsa escola; bolsa família; minha casa, minha vida; e eu falei que não queria nenhuma dessas coisas. Falei que eu queria o meu direito. Que eles não podiam ter me batido. Não estava fazendo nada”.
Casas foram destruídas por tratores. Sem poder entrar, as pessoas se aglomeravam do lado de fora, dizendo não saber o que fazer. E mais casos de uso de força bruta da polícia eram relatados. “A polícia está batendo no pessoal. Uma jovem, aqui, foi apoiar a mãe dela, e um policial do Iranduba bateu nela. Todo mundo viu, agora ninguém pode falar nada, porque, se falar, ele volta de tarde e bate na pessoa”, afirmou Sr. J., cuja casa e objetos pessoais foram destruídos. “Estão quebrando tudo. Minhas coisas lá dentro estão quebradas. Dá até vontade de chorar. Já pensou um homem de 51 anos chorando? Mas é triste. A gente não tem onde morar”, continuou.
Um Kokama, de 20 anos, conseguiu fugir depois de ter sido agredido e algemado, quando tentava retirar seus pertences de sua casa. “Saí fora daqui, aí deu um tapa na minha cara. No descuido deles, eu puxei meu braço e sai correndo. Pulei a cerca e eles correndo atrás de mim. Só não me pegaram por causa do resto dos guerreiros que fecharam a rua para eles não passar”, explicou o jovem.
Fonte: Brasil de Fato