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Internação compulsória, um tremendo negócio

O projeto que altera a Lei de Drogas aprovado essa semana na Câmara dos Deputados é uma grande derrota para os movimentos negros, organizações de direitos humanos e militantes favoráveis à legalização das drogas. Ele aumenta a pena mínima para traficantes e legaliza a internação compulsória de dependentes químicos em comunidades terapêuticas que seriam ainda mais subsidiadas pelo Estado, institucionalizando a nova forma de aprisionamento de negras e negros.

O projeto de lei reage ao crescimento do tráfico e da dependência problemática no Brasil nos últimos anos. Mas pretende combater os problemas com o remédio que tem piorado a situação brasileira nos rankings mundiais de violência. A lei atende aos interesses do crime organizado, criado pela proibição e alimentado pela repressão, e agora ganha novos aliados. As comunidades terapêuticas, em sua maioria evangélicas, têm lucrado com a internação de um número cada vez maior de dependentes químicos. Os incentivos financeiros vão reforçar a rede econômica que sustenta o comércio de drogas legais e ilegais no Brasil.

Os alvos da internação compulsória vivem histórias bastante diferentes daquelas utilizadas pela propaganda antidrogas, na qual jovens de classe média com problemas familiares são atraídos para a dependência química para “esquecê-los”. São pessoas submetidas à violência e à pobreza que se tornam vítimas fáceis da dependência e, logo depois, encontram nas comunidades terapêuticas a possibilidade de fazerem um número maior de refeições, ao lado de orações e citações da Bíblia. O método não garante eficácia para o tratamento de dependentes, e são cada vez mais comuns as denúncias de maus-tratos e outras violações aos direitos humanos.

Se as clínicas particulares puderem internar pessoas contra a vontade delas e incentivadas pelos recursos públicos, os lucros aumentarão – e os riscos de mercantilização também. Isso é bastante provável, uma vez que o Estado não tem estrutura para sustentar as medidas. Pode ser o retorno do modelo manicomial.

A internação compulsória responde a uma agenda higienista, interessada em retirar a miséria do seu campo de visão. Se a questão é o tratamento dos dependentes, alternativas redução de danos com sucesso comprovado não podem ser ignoradas.

A lei vem ao encontro da preocupação dos governadores, responsáveis pelas políticas de segurança pública. Foram os estados cujas capitais sediarão jogos dos campeonatos internacionais que iniciaram a internação compulsória, liderados pelo Rio de Janeiro e São Paulo. O governo da Bahia anunciou a intenção de adotá-la. No Recife, tramita na Câmara Municipal um projeto de lei para instituir a política.

Os cofres paulistas já foram escancarados às comunidades terapêuticas com a chamada “bolsa crack”. Espera-se um aumento das clínicas e do número de internados, com métodos parecidos com aqueles empregados pelo Estado, transferidos para a responsabilidade privada. Um tremendo negócio.

O retrocesso brasileiro vai na contramão do mundo. São inúmeros os países que vêm adotando medidas alternativas às ineficientes políticas de repressão. Cada vez mais autoridades pedem que o assunto seja tratado como tema de saúde, e não de segurança. A Organização dos Estados Americanos (OEA) acaba de se tornar a primeira organização transnacional a defender a legalização da maconha. Na América Latina, países díspares como Uruguai e Chile estão rediscutindo suas legislações em direção à descriminalização parcial. O aspecto subjacente às propostas é testar medidas alternativas à proibição e à repressão, no sentido de legalizar as drogas, tratar a saúde de usuários e controlar melhor os efeitos sociais deletérios.

É alta probabilidade de que o projeto de lei seja aprovada também no Senado. O apelo à presidenta Dilma Rousseff para vetá-lo também não é provável. Gleisi Hoffmman, ministra da Casa Civil ligada aos segmentos da Igreja Católica que defendem uma aproximação do método evangélico, declarou à imprensa que o governo é favorável à internação compulsória e ao direcionamento de recursos públicos às comunidades terapêuticas, inclusive por causa do doutrinamento religioso dos internados.

Resta o Supremo Tribunal Federal. O método foi denunciado por violação dos direitos humanos e das liberdades constitucionais. Em outros momentos recentes, o STF já se mostrou mais preocupado com temas sociais do que os representantes eleitos pelo povo.

Uma anedota. Um dia depois da aprovação do projeto de lei na Câmara, o juiz que esteve à frente da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais de Brasília, de onde emitiu mandado de prisão para os integrantes do Planet Hemp e proibiu a execução de 14 músicas da banda por apologia às drogas, foi “condenado” à aposentadoria compulsória por vender decisões judiciais em benefício de traficantes. Leva-nos à seguinte questão: a repressão interessa a quem?

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