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Jovens Negros se tornam inspiração ao ingressar no Curso de Medicina

Quantas vezes você marcou uma consulta médica e foi atendido por um médico negro? A pergunta nos faz buscar a situação na memória, mas a resposta quase sempre é a mesma: nenhuma. A falta de representatividade negra em medicina nos traz inquietações, percebemos esse vazio desde as turmas de faculdades, tanto públicas quanto privadas, quantos estudantes negros fazem parte desse ciclo? 

O racismo no Brasil, infelizmente, ataca todas as formas de ascensão, na maioria dos casos cortando as oportunidades e tornando o caminho mais longo e dificultoso. No entanto, não deixamos nos abater e seguimos na luta, e com garra e coragem conquistamos, mesmo que aos poucos, nosso espaço.

Foi na batalha que os jovens Williston Augusto, de 18 anos, e Matheus de Araújo, de 25 anos, conseguiram a aprovação no curso de medicina em universidades públicas. Os dois nasceram em cidades pequenas e acabaram de se tornar uma grande referência, não só para os seus, como para todo o país.

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Nascido no povoado de Malhada dos Negros, lcoal com ascendência quilombola, mas, de acordo com Williston, não se reconhece totalmente como quilombo, devido a “pluralidade étnica do povoado”. Por lá ele ficou até os cinco anos e em seguida foi para a pequena cidade de São Miguel do Aleixo, em Sergipe, onde trilhou o seu caminho até o ensino médio.

Sempre foi incentivado, principalmente por seus pais, a garantir o alcance de seus sonhos através dos estudos. Com muito apoio e dedicação, o jovem foi aprovado na Universidade Federal do Sergipe para o curso de medicina, em primeiro lugar.

“Receber essa notícia foi algo único, já tinha uma ideia de que conseguiria essa aprovação pelos meus desempenhos, sempre nutri essa motivação, porque a gente tem que acreditar em algo. Mas não imaginei que seria em primeiro lugar. Só conseguia agradecer e sentir a alegria que estava guardada dentro do meu peito e comemorar. Foi incrível!”, relatou o estudante.

Há muito Williston já pensava na medicina, mas ao longo das atividades escolares se distanciou dessa ideia, e foi durante a pandemia que ela ressurgiu. “Mas no final, quando a pandemia chegou, percebi que era realmente a medicina que eu queria, senti que gostaria de ajudar, além também do meu fascínio pelo corpo humano. E o incentivo dos professores plantou a semente do “porque não tentar?!”.

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Matheus nasceu na cidade de Antônio Cardoso, na Bahia, em uma comunidade quilombola que agora comemora, em êxtase, a aprovação do mais novo representante do local. O desejo pela medicina sempre esteve com o estudante, justamente por não gostar de situações rotineiras, para ele a medicina proporciona um agito necessário, mas a ideia se potencializou pelo seu irmão. “A minha inspiração veio do meu irmão que é especial, ele me motivou a estudar por esses longos anos para entrar no curso”, ressaltou.

Em 2013 terminou o ensino médio e ingressou no curso Universidade Para Todos, o estudante sempre focou na medicina, entretanto em 2015 passou para enfermagem na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). 

Apesar de admirar a profissão, ainda não se sentia realizado. Em 2017 trancou o curso e deu continuidade ao seu sonho na medicina, começou a estudar por conta própria até atingir a sua meta. Após quatro anos de muita dedicação, Matheus acaba de ser aprovado para o curso de medicina na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

“A notícia da aprovação foi um momento no qual eu fiquei sem acreditar, já falei para todo mundo que só vou acreditar mesmo quando for para Santo Antônio de Jesus (polo da UFRB que foi aprovado), pôr o jaleco e começar as aulas”, contou com alegria.

Tanto Matheus, quanto Williston se esforçaram o dobro (ou mais) para conseguir essa aprovação. Williston teve um ano muito intenso, fez cerca de 30 mil questões e estudava das 8h30 às 22h30, ele ressalta que teve muita dificuldade para espairecer em sua cidade, não encontrava apoio psicológico.

Já Matheus, estudava na Biblioteca Municipal, e após o fechamento tentou estudar em casa e na associação do seu bairro, mas o barulho o desconcentrava. Até que uma amiga emprestou uma casa simples, sem energia, lá ele ficou 8 meses, estudando das 7h até as 18h todos os dias.

“A meritocracia tem validade quando damos dois pesos para duas pessoas da mesma maneira, no sistema educacional brasileiro isso não é padrão, então há sim uma dificuldade para jovens negros. Nós jovens negros periféricos ou de zona rural, que não tem recursos, temos que estudar dez vezes mais para conseguir chegar num lugar que é nosso por direito”, desaba Matheus.

Os dois jovens mencionam a persistência como a chave para conseguir aquilo que almejam, Matheus reforça três palavras que o guiou até a aprovação: “sonhe, acredite e conquiste!”. 

“Se lembrar do que você é, de onde vem e aonde quer ir, isso é muito importante, buscar apoio da família e amigos. Assim como priorizar o lado psicológico, um corpo bom e uma mente tranquila é fundamental”, finaliza Williston.

Maira Passos
Com supervisão de Valéria Lima

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