Cerca de 80 famílias acampadas há oito anos em uma fazenda improdutiva no Noroeste do Paraná, entre os municípios de Guairaça e Planatina, estão sob ameaça de despejo desde agosto de 2012, quando o Juiz Federal Substituto da Subseção Judiciária de Paranavaí/PR, Braulino da Matta Oliveira Junior, expediu ordem de reintegração de posse da área. Na última semana as famílias recorreram da decisão e caso agora está no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nas mãos do juiz federal convocado Dr. João Pedro Gebran Neto, relator do processo.
A exemplo do que ocorre em outros caso que envolvem a ocupação de terras improdutivas, a morosidade e falhas do poder público marcam o histórico do acampamento Elias Gonçalves de Meura, fixado na Fazenda Santa Filomena desde 2004. Declarada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA em 1998, a fazenda de 1.797 hectares deveria ter sido desapropria e destinada para a reforma agrária, como prevê a constituição brasileira.
Passados oito anos, um erro da Advocacia-Geral da União (AGU) afastou a possibilidade de desapropriação das terras improdutivas. Em fevereiro de 2012 a AGU deixou de recorrer de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfavorável ao INCRA, impossibilitando a desapropriação da área pelo descumprimento da função social.
Para o integrante da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná, José Damasceno de Oliveira, o caso da fazenda Santa Filomena reflete o que acontece em outros municípios do Brasil, em que, apesar do decreto declaratório de improdutividade, os latifundiários conseguem adiar e até impedir a desapropriação para reforma agrária. Uma das formas utilizadas pelos fazendeiros para adiar a desapropriação é burlar a avaliação de improdutividade: “Em vários casos o juiz nomeia um perito judicial que às vezes não entende de agricultura e que acaba desfazendo o que foi feito por uma equipe técnica do Incra”, lamenta Oliveira
Com poucas chances do INCRA conseguir a desapropriação clássica pelo descumprimento da função social, as famílias, com apoio do MST e da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, ajuizaram em julho uma ação dedesapropriação judicial, com base no art. 1228 §4º e §5º do Código Civil e nas relevantes normas de direitos humanos da Constituição, para conquistar a posse definitiva da terra.
Em audiência de tentativa de conciliação realizada em julho, o INCRA se manifestou a favor da desapropriação judicial (art. 1228 do CC) afirmando que pagaria a indenização à vista, em dinheiro e pelo preço de mercado, apesar disso, o proprietário se recusou a ceder a área para os trabalhadores. Após a infrutífera audiência de conciliação, o Juiz Federal Braulino da Matta Oliveira Junior julgou improcedente a ação de desapropriação judicial sob o fundamento de que o INCRA não poderia pagar pela área que seria desapropriada em favor dos acampados, pois o INCRA só poderia pagar através da desapropriação por descumprimento da função social.
As famílias acampadas na fazenda Santa Filomena recorreram da decisão do juiz Federal Braulino da Matta Oliveira Junior que determinou a realização do despejo e impediu a desapropriação judicial da área. Após oito anos de ocupação com a permissão do Estado, as famílias já se consolidaram na área como um assentamento de reforma agrária. Retirar de lá as famílias nesse momento seria um retrocesso social e econômico que certamente gerará acirramento dos conflitos por terra na região.
Conquistas das famílias
O acampamento Elias Gonçalves de Meura é exemplo da dificuldade de tornar real a reforma agrária no Brasil, mas também simboliza a resistência e a transformação a partir do acesso à terra. As famílias acampadas hoje têm acesso à moradia, à água e energia elétrica, escola no campo para jovens e adultos, e principalmente acesso à terra, que possibilita renda e alimentação adequada.
Mandioca, feijão, melancia, frutas e uma variedade de verduras e hortaliças cobrem a terra do antigo latifúndio improdutivo. Apesar de não receber qualquer apoio governamental para a produção, o acampamento hoje fornece alimentos ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por meio da cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Avante Ltda (Coana), localizada em Querência do Norte/PR. Mais de 30 famílias estão envolvidas na produção ligada à cooperativa, em um total de 120 pessoas do acampamento.
Os avanços também foram grandes no acesso à educação. As primeiras salas de aula do acampamento começaram a ser construídas no segundo mês da ocupação. A partir do trabalho dos próprios acampados, a escola foi erguida com lona preta, sobre chão batido no local em que os antigos proprietários colocavam os animais. Desde o início, a escola atende os acampados e também integrantes do Assentamento Milton Santos, localizado na região. O acesso à educação é uma das grandes conquistas dos camponeses a partir da ocupação da terra e da organização da vida de forma coletiva.
Batizada de Carlos Marighella, a escola itinerante tem 11 professores: seis são do acampamento e lecionam para o ensino infantil e de 1º a 5º anos do ensino fundamental, e outro cinco vêm de outras localidades para ministrar as aulas do 6º ao 9º ano. Além das crianças, adolescentes e jovens que cursam as séries regulares, a escola também possibilita acesso à educação para jovens e adultos e ajuda a suprir a baixa escolaridade da comunidade.
“As escolas do campo são essenciais por estarem voltadas à vida dos educando, por relacionarem o ensino com o cotidiano. Elas movimentam a comunidade e ajudam a organizar”, afirma Alcione Nunes Farias, integrante do setor de educação no MST que trabalhou no início da escola itinerante Carlos Marighella. Para o professor, a educação da cidade forma as crianças retirando a identidade camponesa, contribuindo para a saída das pessoas do campo.
Fonte: Adital – Notícias da América Latina e Caribe