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Justiça pela Paz em Casa? Entenda mudança de nome das Varas de Violência Doméstica

“Ele insistiu em reatar o relacionamento. Eu sempre me negava, quando no carnaval deste ano ele chegou da festa e deitou no meu quarto. Quando fui pedir para ele sair, ele levantou e, simplesmente, me deu um murro na boca, outro no nariz. Quando virei as costas ele continuou me agredindo e minha filha de 4 anos presenciou tudo!”.

O relato é de Mirian Hapuque Magalhães, 24 anos, que sofreu violência dentro do próprio lar, por ser mulher e não querer estar mais em um relacionamento. A jovem integrou, por cinco vezes, o grupo das mais de 500 mulheres que são agredidas por hora no Brasil.

“Sempre tive muito receio de denunciar mesmo sendo feminista! Quando cheguei na delegacia da mulher a nomenclatura ajudou no sentido de mostrar que você não está sozinha, de entender que é um problema estrutural, social e que existe, inclusive, um serviço para isso, ou seja, que não é um problema apenas meu. O mesmo aconteceu quando fui à Vara de Violência que estava até pensando em desistir. Ao chegar na frente desse serviço me fez me sentir protegida”, conta.

Mirian é uma das muitas mulheres que vêm questionando a proposta do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) de mudar o nome das Varas de Violência Doméstica e Familiar em Justiça pela Paz em Casa.

Acredito que a mudança vai coagir muitas mulheres a não denunciar! Além de apagar um problema que nós mulheres somos vitimadas…Esse novo nome ao qual querem mudar propõe para a gente – como vítima, que já procura esse serviço fragilizada – o silêncio… Mesmo que talvez não seja essa a intenção. Porque a sociedade faz com que a gente acredite que a gente deve manter a paz em casa mesmo que arregaçada, espancada.”, afirma Mirian.

Para a líder do grupo TamoJuntas, Laina Crisóstomo, a alteração representa mais um instrumento de silenciamento das mulheres vítimas de violência. Imagine eu levar uma mulher vítima de violência doméstica à uma Vara que tem como denominação Justiça Pela Paz em Casa? Ela vai perguntar: ‘que casa e que paz? Para que eu tenha paz em casa, eu fico calada, é isso? Eu me silencio, não denuncio?’ A nomenclatura é muito pesada e é muito violenta contra nós. É mais um instrumento de silenciamento das mulheres porque existem inúmeros escritos religiosos que falam exatamente do silenciamento das  mulheres, da mulher sábia, que são utilizados para justificar e perpetuar a violência”, pondera Crisóstomo.

Vítima de violência doméstica, Valdimara Andrade, acredita que a alteração vai beneficiar os agressores. “A mudança de nome vai ser ótimo para os agressores. Até parece que foram ideias masculinas porque paz em casa foi o que não tivemos, e sim violência doméstica. Então não concordo. Eu que sofri violência de todas as maneiras dentro de casa por um homem violento pergunto onde está essa paz em casa ?” questiona, indignada, Andrade.

A alteração foi proposta pela desembargadora Nágila Maria Brito, responsável pela Coordenação da Mulher no TJ-BA, e aceita por unanimidade durante sessão do Tribunal Pleno no último dia 9 de agosto.

Em entrevista ao portal Correio Nagô, a desembargadora explica que operadores do direito, da sociedade civil e dos movimentos sociais serão ouvidos acerca da denominação dos Juizados e varas especializadas, bem como quanto à temática Justiça Restaurativa – conforme consta na Carta de encerramento da XI Jornada Maria da Penha, realizada em Salvador no último 18 de agosto.

“Quando se colocou Justiça pela Paz em Casa, a gente repetiu um Programa do Conselho Nacional de Justiça, que é realizado três vezes ao ano. Em momento algum se previa uma pacificação familiar. Quando a gente determina o afastamento do agressor é para que ela [a mulher] tenha paz em casa. Nosso foco sempre será a proteção das mulheres. Não estamos fechados para essa discussão. Aquilo que prevalecer como a melhor forma a gente vai acatar”, revela Brito.

Uma petição pretende chamar a atenção do TJ-BA, do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) para não aceitação da alteração do nome e para a não aplicação da Justiça Restaurativa em caso de violência doméstica.

Justiça Restaurativa X Violência Doméstica

A Carta de encerramento da XI Jornada Maria da Penha também recomendou aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a “implementação de práticas de Justiça Restaurativa como forma de pacificação, nos casos cabíveis, independentemente da responsabilização criminal, respeitando-se a vontade da vítima”.

“A gente entende enquanto defensora dos Direitos Humanos que a Justiça Restaurativa é importante, é fundamental, inclusive na perspectiva de abolicionismo penal. Porém é preciso entender também que não dá para aplicar o abolicionismo penal na perspectiva de gênero quando você trabalha com crimes contra a mulher, crimes de violência de gênero”, finaliza Crisóstomo.

Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.

Ilustrações: Suzane Lopes

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