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Leonardo Favio: artista uniu música, cinema e política na Argentina

Falecido nessa semana, o argentino foi um personagem singular, cujas facetas se unem por um inegável e duradouro sucesso

AUTOR Favio docena peliculas person

Na cultura latino-americana, persiste certa bifurcação: de um lado, estão os artistas populares, de pretensões comerciais sobre as intelectuais; de outro, estão os autores, que conversam com públicos menores e que talvez abram mão do reconhecimento massivo, mas não de sua intelectualidade.

Esses caminhos nunca se cruzam. Ou muito raramente, como comprova a trajetória do argentino Leonardo Favio, cantor popular e cineasta autoral que faleceu em Buenos Aires na última segunda-feira (05/11) aos 74 anos. Trata-se, como é de esperar, de um personagem singular, cujas facetas se unem por um inegável e duradouro sucesso.

Favio começou sua carreira na música, no fim dos anos 50, e conquistou o povo com baladas românticas como as de “Fuiste mía un verano”, o primeiro disco composto e cantado por ele, que vendeu cinco milhões de cópias. No cinema, deu seus primeiros passos como ator de filmes de ninguém menos que Leopoldo Torre Nilson, um dos maiores diretores do cinema argentino, que o apadrinhou e – conforme dizia Leonardo – o ensinou a dirigir.

Detrás das câmeras, Favio foi também produtor e roteirista. O maior sucesso de bilheteria da Argentina até hoje, Nazareno y el lobo, de 1975, é seu e tem sua marca bivalente: é uma história de amor protagonizada por um lobisomem e filmada com maestria. Levou quase quatro milhões de espectadores aos cinemas. São dele também os importantes Juan Moreira, de 1973, e Gatica el mono, de 1993, sobre um boxeador peronista dos anos 40 transformado em artista clandestino após a queda de Perón. A obra, de certo aspecto autobiográfico, o fez pegar nas câmeras novamente em 1993 depois de um tempo afastado.

Com Gatica, Favio exerceu o elegante estilo argentino de reclamar: mandou retirar seu filme da lista de candidatos argentinos ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1994 para protestar contra a falta de proteção do governo ao cinema nacional. Seu sucesso mais recente no cinema foi um remake do seu próprio Aniceto, que em 2007 arrematou nove estatuetas na principal premiação do cinema nacional na Argentina. E, na música, com sucesso perene, Leonardo seguiu por anos e anos com suas turnês latino-americanas.

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Admiradora de Leonardo Favio mostra foto do cineasta e músico com o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón

Política

Como se baladas românticas e filmes de autor não bastassem – e não bastavam –, Favio era ativamente político e tinha uma forte preocupação social. Com o golpe militar de 1976 na Argentina, passou períodos de exílio no Chile, no México e na Colômbia. Peronista apaixonado, declarou não muito tempo atrás que “o peronismo não é um partido político e nem o que está acontecendo no país, mas uma forma de amar as pessoas, e esse sentimento vai sempre palpitar nos meus filmes”. É o que demonstra um documentário que fez em 1999 sobre “su general”, intitulado Perón, sinfonía del sentimiento.

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Centenas de argentinos se despediram de Leonardo Favio em Buenos Aires. Governo decretou luto de três dias

Para quem deseja saber mais da história dessa figura única, nascida de uma família pobre da província de Mendonza, de pai sírio e mãe escritora de radionovelas e que passou vários anos de sua juventude preso, talvez o melhor caminho seja assistir a Crónicas de un niño solo, que ele dirigiu em 1964. O filme, um belo relato autobiográfico de sua infância que bebe cinematograficamente de fontes de primeira (Luchino Visconti, Federico Fellini, François Truffaut), é comovedor. E talvez ainda mais fiel à realidade que a biografia de mais alarde e bem mais pop escrita por Adriana Schettini, Pasen y vean – La vida de Leonardo Favio. Seja como for, o livro é autorizadíssimo por ele. Coisas de um personagem singular.

Fonte: Opera Mundi

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