O jovem escritor Matheus Kawan cria uma possível solução para a falta de notoriedade a escritores pretos
A literatura brasileira é um reflexo da nossa sociedade, apesar da população negra ser maioria no país, são poucos os autores afrodescendentes reconhecidos por aqui. Faltam recursos e oportunidades para que consigam se destacar. O racismo estrutural também afeta aos personagens pretos, que além de não serem facilmente encontrados, são criados a partir de estereótipos.
O movimento de literatura negra se consolidou no Brasil na década de 40, através do Teatro Experimental do Negro, um projeto de valorização das produções negras. A literatura afro-brasileira não se assemelha a experiência branca, é construída com base em uma ancestralidade e subjetividade negra.
Diferente das obras canônicas, a literatura negra permite a humanização do povo preto, através da abordagem de seus personagens, retira mulheres negras do espaço de hipersexualização e homens negros do mundo de crimes e trabalhos árduos.
Nas escolas e faculdades é raro encontrar referências a escritores pretos na lista de livros acadêmicos. Na verdade, há Machado de Assis, escritor de grande reconhecimento nacional e internacional e fundador da Academia Brasileira de Letras, mas a sua identidade foi alterada, para que pudesse ser levado em consideração pela elite brasileira.
Como poderia um afrodescendente, no período da escravidão, se tornar um dos maiores nomes da literatura brasileira? Os traços negroides de Machado foram afinados e embranquecidos em suas imagens, por mais de um século acreditamos que ele era um homem branco, elitista e não se preocupava muito com os acontecimentos raciais da sua época.
Em 2019, a Faculdade Zumbi dos Palmares criou o movimento “Machado de Assis Real”, o qual recriou a imagem do autor distribuída em seus livros, retratando os verdadeiros traços e pele do escritor, sob a afirmação de que desta forma muitos jovens poderão se inspirar neste grande nome.
O jovem escritor de 21 anos, Matheus Kawan, autor do livro “Poesia com Dendê”, sentiu falta de referências literárias pretas quando começou a se entender como artista aos 16. “Não me construí tendo almas pretas para contribuir com a minha escrita”, relatou. Entretanto, ressalta ter se baseado em pessoas de seu cotidiano, no início da sua caminhada. E ao longo deste período conheceu e se identificou com autoras como Conceição Evaristo, Neusa Santos Souza, Bell Hooks, Ryane Leão, Rupi Kaur e Rita Batista, que contribuem em sua “imersão subjetiva e expansão de mundo”.
Conhecido artisticamente como “Escute o Poeta”, Matheus Kawan (@escuteopoeta) é escritor, poeta e graduando em Letras Vernáculas, pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). O jovem reside no bairro do Uruguai, região da cidade baixa em Salvador. Seus textos abordam o amor próprio e ao próximo, perpassando por dor, prazer, empatia, resiliência e resistência, se inspira na vivência do outro para construir sua arte.
Assim como diversos autores pretos brasileiros, Kawan precisou recorrer a maneiras independentes para publicar seu livro, já que as editoras, em sua maioria, dão preferência a escritores e histórias padrões, o famoso “é o que vende”. O processo de lançamento do livro “Poesia com Dendê” durou quase quatro anos, além da insegurança de tornar físico seus pensamentos, a falta de recursos financeiros foi um dos obstáculos do poeta. Em 2019, após trancos e barrancos, o livro foi publicado pela editora Trevo. “A dificuldade que mais me surpreendeu positivamente, foi apostar veementemente neste sonho e abdicar de coisas e pessoas que me fariam postergar”, desabafa o escritor.
É a falta de incentivos que desmotiva a população preta a se expressar, dificultando o auto reconhecimento como artista. Para Matheus Kawan, é necessário “estar com olhos atentos para as vivências” dessas pessoas, algumas estão apenas a espera de uma única oportunidade para fugir da curva de subestimação.
“Incentivá-los através de concursos remuneráveis, a fim de fazê-los reconhecerem que a arte que vivem e criam tem valor”, afirma o autor como uma possível solução para mais notoriedade a escritores pretos. “Literatura alimenta a alma, mas, infelizmente, é o capital que movimenta a vida. Não há revolução sem moção”, finaliza. Vivemos na era da tecnologia, em que se é possível pesquisar mais a fundo sobre tudo, escritores negros existem e resistem há décadas, já passou da hora de darmos o devido reconhecimento a essas histórias. Quantos autores pretos você conhece e indica?!
Maira Passos
Com supervisão de Valéria Lima