Carta de Comunicadoras e Comunicadores negros de Salvador ao Presidente Lula. Afronte a Comunicação!
Oi Lula, bem-vindo a Salvador, Bahia. Bem-vindo à cidade que, como você sabe, é a capital brasileira mais negra do país. Você não imagina a alegria para nós do Afronte, coletivo de comunicadores e comunicadoras negras que pautam a questão racial neste estado. Para nós é uma honra te receber na Bahia, sobretudo em nosso município.
Ficamos felizes e obviamente motivados quando soubemos que boa parte de suas leituras passaram por intelectuais negros que nos formaram ou são referências ao denunciar o racismo e suas múltiplas formas de atuação. Que bom que enquanto preso político, você buscou formas de se manter informado sobre como nosso país estava sendo desmantelado e nos convidava a reagir a cada linha. Um dos nossos grandes intelectuais, Bantu Steve Biko, costumava dizer que a “Arma do Opressor é a mente do oprimido”. Essa frase nos faz entender a importância de honrar os nossos antepassados negros e negras e os seus legados muitas vezes invisibilizados na história política.
A verdade, Lula, é que não existe nada neste país que não tenha a contribuição negra. Seja balançando bandeiras, indo às ruas para defender projetos políticos que não nos incluem ou incluem a contento, como os governos atuais de nosso estado e município.
A verdade é que por mais que você tenha se informado sobre o que aconteceu e acontece neste país, algumas coisas lhe escapam por conta das velhas oligarquias partidárias brancas que, por motivos diversos, tinham mais acesso a você do que nós, ainda que estivéssemos na mesma frente de batalha.
Se hoje os partidos de esquerda têm alguma força, têm por nossa presença extrema, mas invisibilizada na hora da festa. Entendemos que não existe mais acordo para que a maioria da população seja invisibilizada e ignorada em nosso estado e município.
Somos precisamente 82,7% da população soteropolitana que se declara como não branca. Estamos divididos em 36,5% de pretos e 45,6% pardos. Quem está dizendo isso não somos nós querido líder, mas dados do IBGE.
Por que trazer em uma carta para você algo tão óbvio? Simples, querido presidente, esses dados que parecem ser óbvios, não impedem a nossa invisibilidade, ainda que se lute e dispute espaço no dia a dia desta cidade e estado tão perverso e racista, independente do lado político que estejamos.
A Bahia ainda é o estado onde a população negra segue apagada dos processos de decisão, mesmo que tenha balançado bandeiras e acreditado que os projetos políticos colocados em nosso estado tinham a gente como eixo de desenvolvimento.
Nossas lutas estão nas ruas, a exemplo do Coletivo Makota Valdina no combate à intolerância religiosa, o coletivo Fórum Marielles para ampliar a participação das mulheres negras na política e em outros espaços de liderança e a campanha que gostaríamos de destacar: “Eu Quero Ela”, que reúne os negros de esquerda de todos os partidos baianos em prol da representatividade negra no pleito eleitoral de 2020.
Você deu um grande exemplo na esfera Federal ao colocar nomes na linha de frente da gestão pública como Gilberto Gil, Marina Silva, Orlando Silva, Matilde Ribeiro, Ubiratan Castro e Zulu Araújo. É um absurdo que Salvador e a Bahia NUNCA tenham experimentado ter um chefe de executivo assumidamente negro eleito pelo voto popular.
Meu querido presidente, o seu partido, em especial, precisa voltar a dialogar e ouvir o povo, trazer para o centro do debate esse percentual populacional ignorado.
Não topamos mais ser os executores e fazedores de processos que nos ignoram e, neste sentido, a campanha “EU QUERO É ELA” não pode ser alijada do centro do debate. Não aceitamos mais que o partido se mantenha no status quo e arrogância de achar que pode indicar uma candidatura não negra para a Prefeitura de Salvador no próximo ano.
Temos nomes, sabemos quem marcha e marchou conosco ao longo de nossas lutas: Antônio Carlos Vovô, Vilma Reis, Olivia Santana, Silvio Humberto, entre tantos outros. Querido, as portas estão abertas para dialogar com os movimentos sociais negros e lideranças que têm construído a luta negra nas diversas perspectivas, inclusive partidária.
A política baiana não pode mais ser representada em sua maioria por brancos. Não somos militantes que balançam a bandeira sem questionar. Enterramos muitos parentes, vivemos com dificuldades extremas para entender nossa elite partidária, seja ela intelectual ou econômica. E você, nem ninguém mais, nem nenhum partido, pode mais ignorar nossos conhecimentos, desprezando ou colocado nossas pautas, opiniões e demandas em segundo plano.
Assina essa carta ao presidente Lula
Afronte a Comunicação
Coletivo de comunicadoras e comunicadores negros