Na noite de ontem, 14 de abril, o Núcleo de Consciência Negra, da Universidade de São Paulo (USP), realizou a estreia de “USP 7%”, documentário que evidencia a luta do movimento negro, desde 1980, pela criação de políticas de inclusão na considerada, pela consultoria britânica QS, como a melhor universidade brasileira. Sob a direção dos jornalistas Daniel Mello e Bruno Bocchini, o curta-metragem também põe em pauta o baixo número de estudantes negros na instituição e o cotidiano deles. “USP 7% é um projeto que começou no final de 2012. Um filme combativo por natureza. Falar de racismo é enfrentá-lo. Não existem subterfúgios ao se entrar nesse campo. Por isso, antes mesmo da primeira filmagem, já estávamos na briga”, afirmam os idealizadores do filme.
O debate sobre a inclusão e o dia a dia dos negros na USP vem sendo levantado por certos grupos. A Ocupação Preta, organização formada por estudantes e membros da sociedade civil que tem como objetivo discutir o negro e as relações raciais na Universidade de São Paulo, tem “pressionado” a instituição a refletir sobre a temática. No início do mês, 07/04, segundo membros do movimento, o grupo “pressionou o Conselho Universitário para poder entrar [numa reunião] do órgão deliberativo máximo da USP e discutir sobre as cotas raciais, mas o reitor encerrou a plenária”.
Indo de encontro ao discurso da meritocracia, a Ocupação Negra mostra que o processo seletivo de ingresso na universidade é um “filtro social e racial”. “O vestibular seleciona as pessoas que mais investiram financeiramente na sua educação, e não os mais esforçados, como se imagina. Universidades brancas. A demarcação de espaços para cada cor é bastante nítida quando se olha para a USP: as salas de aula são ocupadas, majoritariamente, por estudantes e professores brancos, e os cargos operacionais, como de faxineiro e segurança, por negros. Quem frequenta a Universidade percebe, no dia a dia, a segregação existente”, afirma o grupo em texto publicado no Jornal do Campus.
A doutoranda em Antropologia Social, Renata Freitas, diz que “chamou a atenção” dela chegar à USP e observar poucos graduandos negros. “Por ter feito minha graduação e o meu mestrado na UFBA, que adota políticas de ações afirmativas, me impressionei em encontrar um número mínimo de estudantes negros nos cursos de Economia e Direito, por exemplo. A não inserção de outros grupos, em alguns espaços, impede que certas temáticas, que são abordadas também nas salas de aula, sejam abordadas de maneira mais aprofundada”, conclui.
Douglas Belchior, professor e ativista social, afirma que a USP e a Universidade de Campinas continuam atrasadas em relação às políticas de acesso. “A Unicamp, ao lado da USP, faz parte da vanguarda do atraso no que diz respeito às políticas de ampliação de acesso. Ambas resistem a um debate aberto e à proposição efetiva de cotas étnico-raciais na graduação e na pós-graduação, mesmo com exemplos e iniciativas importantes surgindo em outras regiões do Brasil, exemplos: na graduação, as 59 federais entre institutos e universidades; em alguns programas de pós-graduação: UFBA, Museu Nacional/UFRJ, UFPE, UnB, UNEB e UFPA”, pontua.
COTAS NA USP– Em março, a Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP aprovou, para a pós-graduação em Antropologia Social, o sistema de políticas de cotas para pretos, pardos e deficientes físicos. Para entrar em vigor, é necessário que a proposta seja deferida por um órgão da Pró-Reitoria de Pós-Graduação. Caso seja regulamentado, o curso será o primeiro, na USP, a adotar o sistema de cotas.
“USP 7%” é um documentário curta-metragem financiado pelo edital Curta-Afirmativo:
Protagonismo da Juventude Negra na Produção Audiovisual. Tem duas versões: com 15 e 25 minutos. É o primeiro projeto com financiamento da Preta – Narrativas Multimídia (produtora de conteúdo para cinema, TV e web). De acordo com os realizadores, em 2015, o filme participará do roteiro de festivais nacionais. Também serão feitas exibições para a promoção de debates sobre racismo e cotas na USP e outras instituições que manifestarem interesse.
Da Redação do Correio Nagô