“A violência é uma urgência em nossas sociedades”, diz o performer musical Neo Muyanga. Nascido e criado em uma comunidade de Soweto, na África do Sul, Neo mistura cântico tradicionais dos povos Zulu e Basotho com jazz para promover uma prática política e marginal dentro das comunidades na Azânia, como prefere chamar a África do Sul. Em sua passagem pelo III Fórum de Arte e Cultura, o performer falou sobre violência a partir do Massacre em Shaperville.
Em 21 de março de 1960, um grupo de ativistas protestavam contra o apartheid em Shaperville, bairro de Johanesburgo. O protesto era realizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC) e reunia 20 mil pessoas. Com metralhadoras, a polícia sulafricana irrompeu o protesto que seguia pacífico, executando 69 ativistas e deixando 180 feridos. A ONU implementou o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial para lembrar os mortos desta data.
Em sua trajetória artística, Neo tem estudado como as canções de protesto inspiram as comunidades do sul da África. De acordo com o artista, sem compositores e com padrões simples de repetição, a África do Sul é conhecida pelo histórico de composições de protesto. O trabalho dele é recompô-las e rearranjá-las com ritmos como o barroco ocidental para provocar um entendimento sobre o que é violência nas comunidades e o que é ser violento.
Para Neo, diferentemente do que escreveu o poeta Alexandre Bertman (“a violência é a arma da ignorância”), Neo considera a violência como “tecnologia de presença”. “É como as pessoas que foram marginalizadas na minha comunidade conseguiram se fazer presentes”, afirmou o artista. Revelando-se um fã do Anarquismo, o artista acredita que a violência é uma denúncia e que é preciso transformar o entendimento sobre o que é violento.
Transformação Violenta
“Quando as pessoas chegavam em nossa comunidade no Soweto, era comum escutar: “seja bem vindos, divirtam-se, mas toma cuidado!””, relatou o artista. Neo ainda conta que ao chegar em bairros do Brooklyn (Nova York), São Paulo e Salvador foi recebido com as mesmas palavras. Transitando pelos bairros, o artistas percebeu que existia um fio condutor que os aproximavam pela pobreza e por uma maioria negra.
“Em todo trabalho que eu faço, eu sigo com a pergunta: como transformamos o entendimento do que é violência e o que é violento e como nos vemos através disso?”, relatou Neo.
Propondo também uma reforma subversiva, está ao seu lado Emo de Medeiros, performer beninense que marca suas peças artísticas como um tentativa de destruição de um sistema racializado e binário.
“A ideia é mostrar como somos programados por uma noção racializada”, explicou Emo. Sua proposta artística é oferecer um horizonte em que direitos iguais para negros e brancos é possível. “A luta contra ao racismo é parte do meu trabalho, por isso meu interesse em desconstruir o racialismo”, ressaltou o beninense.
De acordo com o performer, o primeiro passo é destruir conceitos e ideologias que estão por trás do racismo, como a noção de raça. Considerando um termo inapropriado, por ter sido inventado por europeus ainda no século XVIII para justificar diversos extermínios, Emo acredita que é neste período também que surgiram as primeiras ideias do que chamamos hoje de branquitude e negruitude.
Obra
É isso que propõe sua próxima obra que estará em exposição durante a Bienal de Artes de São Paulo, em outubro. Selecionando 200 palavras mais comuns no idioma inglês, Emo divide a obra em dois capítulos; no primeiro estas palavras entram em videoperformance junto às palavras “branco” e “preto”, gerando 40 mil possibilidades e, no segundo, é adicionada as cores “azul” e “vermelho”, aumentando para 160 mil combinações. A ideia é implodir o sistema binário que nos codifica.
Além disso, a videoperformance “TIIT” de Emo, integra a exposição “Kaurís” que está aberta à visitações no Goethe-Institut Salvador até o dia 3 de maio, de 9h às 19h . Com curadoria de Tiago Sant’Ana, reunindo artistas como Antônio Obá, J. Cunha, Leandro França, Nádia Taquary e Shai Andrade, a exposição investiga os búzios como metáfora e estratégias de libertação a partir da Revolta dos Búzios, movimento emancipatório na Bahia no século XVIII.
Em sumério, “TIIT” significa vida. Em parceria com Maxime Pere, o trabalho de Emo é celebrar espíritos sagrados através de imagens e sons. Explorando imagens de movimentações, de resistências e sinestésicas, a partir do Sul Global, compreendido como espaço cultural e simbólico, não etnocêntrico sob o aspecto revolucionário de uma trans-cultura africana e importância de comunhão e coletividade.
“Chromatics Chapter II”, exposição será apresenta na Bienal de Artes de São Paulo. O artistas promove uma desprogramação do sistema racializados a partir da videoperfomance.
Neo Muyanga e o editor Ntone Edjade cofundaram a Pan African Space Station – uma plataforma de música ao vivo e um portal de streaming que hospeda e exibe música e arte de vanguarda do continente africano e da diáspora.
Confira
Texto: Marcelo Ricardo, repórter estagiário do portal Correio Nagô