Home » Blog » MESTRE MOA: assassinado no bar pela intolerância e nas redes sociais pelo discurso de ódio

MESTRE MOA: assassinado no bar pela intolerância e nas redes sociais pelo discurso de ódio

09/10/2018 | às 19h

Desde o final das apurações do primeiro turno das eleições 2018, usuários de redes sociais disseminam mensagens com discurso de ódio baseado na apuração das votações. O montante de mensagens compartilhadas trata de modo violento a região Nordeste do país, em que a maioria do eleitorado votou no candidato Fernando Haddad do PT. Só na Bahia foram 60,28% dos votos.  

Post feito no Facebook retrata xenofobia. Em 2017, a Safernet recebeu e processou 1.453 denúncias de xenofobia envolvendo 680 páginas (URLs) distintas

Não é a primeira vez que a Bahia é execrada pela postura eleitoral, repercutindo em discussões políticas que trazem características de xenofobia e racismo estrutural. No entanto, desta vez a intolerância chegou à mesa de um bar em Engelho de Brotas, em Salvador, e resultou no assassinato do capoeirista mestre Moa do Katendê com 12 facadas, na última segunda-feira, por um eleitor do candidato à presidência pelo Partido Social Liberal (PSL).   

“Este crime trata-se de 12 facadas em um homem negro da comunidade, que levava seu discurso abertamente em defesa aos trabalhadores, por um assassino confesso que declarou ser eleitor de Bolsonaro”, declarou o mestre Duda, presidente do Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira do Estado da Bahia e parceiro de trajetória política de mestre Moa.

Segundo relato, mestre Moa atuava na salvaguarda da Capoeira, além de participar de discussões sobre políticas para povos de santo e em projetos sociais realizados na comunidade do Dique Pequeno, no Engenho Velho de Brotas. “Ninguém tem nenhum relato anterior sobre discussões com mestre Moa, ele sempre foi muito tranquilo e reunia muitas pessoas em volta dele”, ressalta mestre Duda.

Discurso de Ódio

O Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira na Bahia publicou um manifesto ainda na segunda convidando para o sepultamento do mestre Moa enfatizando que o crime que ceifou a vida do capoeirista é um demonstrativo do medo nacional com a projeção do candidato do PSL. “Um crime de ódio que reflete o momento de caos ético e moral que tentam instaurar no Brasil […] A capoeira baiana não aceitará o ódio, a morte e o armamento da população como ferramenta política e de campanha”, destacou o Conselho.

Mensagem postada no Twitter. 

Ainda segundo mestre Duda, familiares e amigos estavam sendo acusados de usar a morte do mestre Moa para promover um boicote a candidatura do presidenciável. “Estamos sim levantando uma bandeira contra a emancipação do fascismo que está tomando este país”, afirma mestre Duda.

Após a repercussão do assassinato, um usuário do Twitter usou o microblog para fazer escárnio com  o acontecido. “Um ótimo exemplo do: se não pode contra o inimigo, junte-se à ele. kkk”, escreveu. O PSL não se manifestou sobre o crime.

Em nota, o Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores (PT-Bahia) lamentou a morte do mestre Moa e enfatizou a o debate com respeito às diferenças ideológicas, além de repudiar os “políticos que irresponsavelmente estimulam a violência”. Manuela D’Ávilla, vice do candidato à presidência pelo PT, usou o Twitter para se pronunciar contra a intolerância e o ódio que acometeu ao mestre Moa. “Foi morto porque pensava diferente de quem o assassinou”, lamentou Manuela.

Ancestral

Romualdo Rosário da Costa, mais conhecido como  mestre Moa do Katendê, nasceu em 1954 em Salvador, foi capoeirista, compositor, percussionista, artesão e educador. Ogan do Ilê Axé Omin Bain, localizado no Dique Pequeno, se consagrou em 1977 quando foi campeão do Festival da Canção do Ilê Aiyê. Em 1978, Mestre Moa fundou o Afoxé Badauê que marcou a história do carnaval baiano cantado por Gilberto Gil e Caetano Veloso. Através do Grupo Afoxé Amigos de Katendê, criado em 1995 em parceria com amigos, mestre Moa desenvolvia trabalhos em diversas regiões do Brasil e internacionalmente.

Saudoso, mestre Duda contou que mestre Moa é conhecido por  ser um expoente cultural. “Mestre Moa é um destaque da comunidade, ele conseguiu ser referência de muitos movimentos ao mesmo tempo”, enfatizou.  

O amigo do Mestre Moa ainda acrescentou que ele é um grande representante da cultura baiana. “Eu prefiro dizer que ele é uma grande figura, não vou usar o ‘era’ para falar dele, para nós ele é um ancestral agora”, ressalta o presidente do Conselho.

“Capoeira é tudo que move. É uma cultura dos ancestrais que eu procuro cultuar, zelar e transmitir conhecimentos”, é uma das falas que o mestre Moa deixa no legado da capoeira baiana. O corpo do mestre foi sepultado na segunda, na Ordem Terceira de São Francisco, Baixa de Quintas. No próximo dia 21, o Afoxé Badauê irá se concentrar às 15h no Chafariz da Redenção em ato de luto pelo Assassinato do mestre Moa do Katendê.

Marcelo Ricardo é repórter-estagiário do Portal Correio Nagô

Com a supervisão da jornalista Donminique Azevedo.

 

scroll to top