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Método de eleição dos que devem ser eliminados

2 Conferencia Nacional de Juventude Foto LucianaFerryO resultado da pesquisa que constata o número de homicídios de jovens negros no Brasil, divulgada pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), chega a ser assustador. Nos últimos oito anos, enquanto o país registrou elevadas taxas de crescimento econômico e consequentemente deveria ter condições de resolver problemas estruturais da sociedade, o número de homicídios de jovens negros aumentou mais de 300%. O ranking impressiona ainda mais, se a Bahia for comparada aos demais estados do Brasil.

Estado de maior população negra do país, a Bahia registra o primeiro lugar no ranking de homicídios da juventude negra: em 2010, cerca de 3.160 jovens negros foram assassinados. No mesmo período, 200 jovens brancos foram vítimas de homicídios no estado. A falta de assistências aos jovens que vivem à margem da sociedade pode ser considerada um importante fator que contribui para que estes números não sejam atenuados. Entretanto, os movimentos sociais apontam o racismo como principal fator para os assassinatos e “método de eleição dos que devem ser eliminados”, como denuncia o sociólogo Lio N´Zumbi, militante da campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta.

Giovane Sobrevivente Foto Fafá AraujoEducação – A Paraíba registra o segundo lugar dentre os estados com mais casos de homicídios de jovens negros. O Nordeste apresenta o maior déficit estudantil do país, com uma taxa de analfabetismo em torno dos 17%. Para Giovane Sobrevivente, militante do Movimento Negro Unificado, o analfabetismo é um dado importante a ser analisado, quando questionamos a mortalidade da juventude negra: “A escola não desperta na maioria da juventude o interesse pelo conteúdo aplicado, provocando assim alto índice de evasão escolar, em especial na juventude negra, que não se vê no ensino da história, no desenvolvimento da matemática, nos avanços tecnológicos, na construção da língua, entre diversos outros aspectos educacionais, já que o ensino é pautado numa única perspectiva de desenvolvimento, a eurocêntrica”.

Contudo, Giovane acrescenta que não se pode limitar a questão do genocídio da juventude negra, apenas ao analfabetismo: “Há uma série de outros fatores que corroboram com esses dados, destacando que o único aparelho do estado que tem presença constante nas comunidades periféricas é a polícia, que invade as comunidades e lá exerce a sua “função” de coerção, pautada no perfil do marginal padrão, que se encaixa perfeitamente em nossos jovens periféricos, majoritariamente negros”, afirma o militante.

Lio NZumbiAfrocídio – Graduado em Sociologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Lio NZumbi também não concorda com a tendência de se apontar a falta de oportunidades ou marginalização como única causa das mortes de jovens. “Sem duvidas há uma correlação entre as formas diretas de genocídio (execuções sumárias e super encarceramento de jovens negros) e as formas de genocídio por omissão estatal (dificuldade de acesso à saúde, trabalho, educação, emprego e renda). No entanto chamo atenção para que não se reproduza aqui a concepção de que necessariamente a falta destas oportunidades leva  a criminalização.  Não podemos perder de vista que o afrocídio (ou afrogenocidio) e o encarceramento desproporcional da população negra, além de serem produtos de um processo contínuo de criminalização, revela a existência de um projeto de sociedade deliberadamente orquestrado para aniquilar a vida de uns como modo de manter e satisfazer interesses e privilégios de outros”, destaca Lio.

A Bahia também está em 7º lugar entre os oito estados que ultrapassam a preocupante marca dos 100 homicídios por cada 100 mil jovens negros. Contextualizando estes números, Ricardo Andrade, ativista do Quilombo X, de Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador, afirma: “Sobre a Bahia, muitas pessoas justificam estes números afirmando que o estado é hegemonicamente negro. Ora, se 80% da população carcerária de Salvador é negra, porque este mesmo resultado não se reflete nas universidades? Por isso, podemos afirmar que os brancos não morrem na mesma probabilidade dos negros”. Os jovens negros são a principais vítimas da violência no Brasil, enquanto o número de homicídios de brancos caiu em torno de 25%, entre 2002 e 2010, o de negros aumentou quase 30%.

 

Ainda para Lio NZumbi, os números apenas corroboram com uma pauta histórica dos movimentos negros. “Costumo dizer que a estatística macabra que conta o numero massivo de jovens negros executados não é capaz de decodificar a dor das mães, famílias e comunidades que choram sobre os corpos de seus filhos. Nem tão pouco o desvelar destas cifras tem servido pra dar freio à matança. No entanto, a análise desta matemática macabra não deixa de fornecer provas materiais do crime de genocídio empreendido e/ou tolerado pelo Estado brasileiro. Os técnicos subdimensionam o que o MNU denunciou desde o seu nascedouro em 1978”, finaliza o sociólogo. 

 

Texto: André Santana e Lucas Caldas / Foto: Fafá Araújo

 

ERRATA: Segundo nota enviada nesta segunda, 28, pelo grupo Quilombo Xis para a redação do Portal Correio Nagô, o militante Ricardo Andrade não faz mais parte do quadro da organização.  

 

 

 

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