Em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, diretor da empresa nega ciência de fatos revelados por flagrante, afirma que foi traído e provoca irritação de deputado, que vê desculpa-padrão
O auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Renato Bignami afirmou na Assembleia Legislativa de São Paulo não haver dúvidas de que a empresa GEP tinha pleno conhecimento de existência de trabalho escravo nas confecções de suas roupas. Durante audiência pública para debater o flagrante ocorrido na capital paulista, Bignani disse ainda que há indícios de que os diretores da empresa sabiam que a Silobay, situada no bairro do Bom Retiro, era uma intermediária com oficinas clandestinas. “A GEP tem domínio sobre todo o processo produtivo”, disse, frente à versão do representante da empresa de que houve traição por parte dos fornecedores.
Em 22 de março, 28 trabalhadores bolivianos foram resgatados de uma oficina durante operação do MTE em conjunto com Receita Federal e Ministério Público Estadual. As investigações mostraram que a Silobay intermediava a confecção de roupas da GEP, dona das marcas Luigi Bertolli, Emme e Cori.
O deputado Carlos Bezerra Jr. (PSDB), vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, afirmou que há hoje 400 mil cidadãos andinos em São Paulo, dos quais dois terços na clandestinidade, muitos dos quais vítimas de explorações similares. Nelson Volpato, representante e sócio-presidente da GEP Indústria e Comércio Ltda, pediu desculpas e afirmou que o caso provocou “abalo e tristeza”. “A empresa que contratamos traiu a gente e não cumpriu aquilo que exigimos. Também achamos que é um absurdo esse sistema de trabalho escravo”, disse.
Como resposta, o parlamentar retrucou que “há um comportamento-padrão (de empresários que vão à Assembleia Legislativa explicar casos semelhantes). A Zara também disse a mesma coisa. Diante de tudo, disse que desconhecia completamente a situação”, afirmou o tucano, referindo-se à marca de roupas espanhola flagrada em 2011.
Questionado pelo deputado se considerava isolado ou sistêmico o caso dos trabalhadores encontrados pela fiscalização em situação degradante e contrária aos direitos humanos, o representante da GEP afirmou ser um caso isolado. “A empresa diz controlar e ter rígido padrão de qualidade sobre sua produção, mas ao mesmo tempo afirma não saber o que acontecia com a confecção das roupas que vende. Isso é uma contradição”, apontou Bezerra.
Sem direitos
Os 28 trabalhadores ganhavam em média R$ 350 por mês ou R$ 3 por peça produzida. Trabalhavam aproximadamente 12h, faziam as refeições no mesmo local do trabalho e não tinham nenhum direito trabalhista. No local, os mantimentos das pessoas eram acondicionados juntamente com rações de animais; havia ligações elétricas clandestinas, com alto risco de incêndio; botijões de gás, com risco de explosão; e extintores de incêndio vencidos. Entre os métodos usados por um agenciador para trazer as pessoas da Bolívia, um chegava a ser sofisticado: um homem chamado Ruben Huanca colocava anúncios em uma rádio boliviana recrutando trabalhadores para vir a São Paulo. Os bolivianos se enquadravam na situação de servidão por dívida e também de tráfico internacional de pessoas.
A GEP assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) pelo qual concordou em pagar R$ 25 mil a cada um dos 28 trabalhadores. Junto a demais indenizações trabalhistas, ela chegou a desembolsar R$ 1,1 milhão. Para o deputado Carlos Bezerra Jr., a prontidão com que a empresa dona da Luigi Bertolli aceitou pagar autuação, multas e indenizações é mais um indício de que ela sabia como acontecia a produção de suas roupas. “No dia seguinte à fiscalização a GEP já aceitou pagar um milhão de reais, sem nem mesmo contestar.”
Nova lei
Bezerra disse que São Paulo possui a mais moderna legislação contra trabalho escravo, em referência à recém-sancionada lei estadual que prevê a perda da inscrição no ICMS e até fechamento de empresas flagradas com trabalho escravo. Questionado sobre quando essa lei de fato será aplicada, ele afirmou que nos próximos dias terá sua regulamentação final. “Mas é bom ressaltar que a lei garante ampla defesa e o contraditório para quem for flagrado nesse tipo de situação. Comprovada essa situação, essas empresas terão seu registro cassado por dez anos em São Paulo”, explicou.
O deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos, presente ao debate, ressaltou o “esforço” do colega Carlos Bezerra em lutar pela aprovação da nova lei estadual, “sendo tucano”. “Parabéns, deputado, pelo trabalho. Mas eu queria saber se o governo do estado já aplicou a lei. O lugar onde tem mais trabalho escravo e o mais degradante são as plantações de cana”, ironizou Diogo.
Fonte: Rede Brasil Atual