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MODA NEGRA EM FOCO: Entrevista com Carol Barreto

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Depois de apresentar nova coleção em Luanda (Angola), a designer de moda autoral Carol Barreto volta à Salvador e participa do projeto Conversas Plugadas do Teatro Castro Alves, nesta quinta-feira (15), no Foyer do TCA a partir das 20h, com entrada gratuita.

No bate-papo, Carol Barreto dividirá a experiência de apresentar uma coleção em um país africano, além contar sobre sua inserção em um seleto grupo de estilistas internacionais. Na ocasião, a estilista ainda vai exibir a nova coleção Asé, ao som das meninas do Projeto Rum Alagbé do Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê – Terreiro do Gantois.

Em entrevista ao Correio Nagô, Carol – que também é professora adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia – conversa sobre sua trajetória, pertencimento e  ancestralidade.

Correio Nagô – Como você se sente sendo a primeira brasileira a participar do Black Fashion Week Paris?

Carol Barreto – Ao mesmo tempo que eu compreendo que é uma conquista, espero que se estenda para outras profissionais negras que atuam no ramo da moda, percebendo o aumento de visibilidade empresas e marcas e diversos serviços orientados para mulheres negras e feitos por mulheres negras.

eu produzo moda a fim de veicular um discurso antirracista

CN – Conte-nos um pouco mais sobre sua trajetória?

CB – O meu primeiro desfile aconteceu em 2001, na época eu ainda fazia graduação em letras na UEFS e sempre atrelava esse trabalho a produções artísticas misturadas com apresentações de moda. Relancei a minha marca comercialmente no ano de 2011, abrindo o ateliê no Rio Vermelho, depois migrando para uma loja maior próximo ao largo da Dinha. Nessa época, até 2012, percebi ainda marcas muito tímidas. A gente tentava organizar eventos com novas marcas, mas eram poucas as adesões, então se passaram quatro anos. Desde então, fiquei apenas entre dois ou três anos com ponto de venda aberto porque logo em seguida entrei como professora concursada na UFBA, e é uma carreira incompatível com a de empresária. Ausentei-me dessa expressão comercial da moda e tenho me dedicado a uma produção mais conceitual, mais artística… Eu me orgulho muito de  ver essas produções crescendo, então ao mesmo tempo que eu percebo que isso também é um  estímulo para as pessoas que estão começando  ou que estão a muito tempo trabalhando com moda e se deslumbrar  essa visibilidade no exterior. Percebo também que isso é um diagnóstico da estrutura racista da sociedade brasileira e da maneira como nossas produções ou nosso pensamentos sempre foram excluídos dessas grandes esferas de edição de produtos ideias imagens e discursos.

A gente teve nossas origens todas apagadas, objetiva e estrategicamente, apagadas na época da escravidão. Essa estrutura assimétrica e colonial ainda é uma grande característica da sociedade brasileira.

CN – Você acredita que constrói discursos antirracistas em suas produções?

CB – Isso para mim é uma coisa declarada e necessária, eu não consigo me pensar como mulher negra, oriunda do recôncavo baiano (Santo Amaro da Purificação), onde massivamente a população é negra e todas essas formas de resistências por meio da cultura, arte, da culinária e todas as formas de conviver ali estão postas. Eu cresço com o privilégio de estar mergulhada na cultura afro brasileira. Para mim não seria de outra maneira, eu produzo moda a fim de veicular um discurso antirracista. Desde o primeiro dia que eu fiz o meu primeiro croqui na infância e percebi que todas aquelas imagens de moda ao meu redor nada tinham haver com o meu fenótipo ou com as imagens que são da minha convivência do meu próprio núcleo familiar.

CN – E sobre a Coleção Asé, o que você pode falar?

CB – O que é importante destacar sobre como surgiu coleção Asé é que ela vem do impacto de ser convidada para desfilar em Angola. A gente teve nossas origens todas apagadas, objetiva e estrategicamente, apagadas na época da escravidão. Essa estrutura assimétrica e colonial ainda é uma grande característica da sociedade brasileira. Temos uma luta muito grande para reconstituir a nossa história e para nos aliar a fontes e dados que possam nos fazer supor a nossa origem, e supondo essa origem eu recebo esse convite para Angola, de maneira muito emocional e espiritual.

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CN – Qual o intuito da Asé?

CB – O intuito é de provocação desse momento de intolerância religiosa que estamos vivendo e da necessidade que nós temos também como ativistas e como população negra de explicitar mesmo como é que a gente põe em prática a nossa fé e a nossa crença. Para mim é um passo decisivo assumir esse meu pertencimento à religião de matriz africana, eu não sou de candomblé, portanto eu expando essa pesquisa para outras formas de materialização dessas religiões de matriz africana. A minha experiência e a minha relação familiar são muito mais com a umbanda, então como filha de Iemanjá eu traduzo isso com a transparência da organza. Pensando um pouco no caminho das águas – nesse trânsito entre Salvador e Luanda – trago a seda esvoaçante em dois ou três vestidos, para pensar na existência do vento, para impulsionar esse trânsito. Estou sempre pensando também nessa questão da diáspora africana e como, para a gente, a religiosidade é um espaço enorme de resistência.

CN – Como você se sente sendo o foco dessa edição do Conversas Plugadas?

CB – Compreendendo o Teatro Castro Alves como o maior equipamento cultural da Bahia, por onde passaram grandiosos e grandiosas artistas da música, das artes cênicas e de diversas outras linguagens. Estar no TCA participando do Conversas Plugadas tanto assinala a relação definitiva entre moda e arte no sentido de poder compartilhar com o público,  e especialmente por finalizar um projeto de design que foi produzido no centro técnico do Teatro Castro Alves. Executamos essa coleção imersa no centro técnico durante um mês inteiro com a participação de 20 pessoas na costura e na execução e totalizando quase 40 pessoas nessa equipe entre costura, modelagem, bordado, fotografia, filme, modelo e etc.

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Carol Barreto desenvolvendo projeto no Centro Tácnico do Teatro Castro Alves, em Salvador, Bahia.

CN – Então é um momento de culminância do trabalho desenvolvido…

CB – É um momento importante de culminância de um laboratório, de uma relação que se estabeleceu com meninas que eu nunca vi na vida e que chegaram como voluntárias para trabalhar. Desenvolver esse projeto no TCA e ver a culminância dele ao som das meninas do projeto Rum alabê do Gantois  é muito especial, também pelo fato dessa coleção ter nascido de um impacto tão forte e que se confirmou nessa viagem a Luanda  e essa sensação de estar de fato em casa.

Marcelo Nascimento é repórter do Correio Nagô

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