PRIMEIRO TEMPO
No início de março de 2012 estive em Recife a trabalho. No hotel, assistindo à Globo News, no dia 09 (sexta-feira) à noite, a todo momento vejo a notícia da visita do Príncipe Harry ao Brasil. Ele veio, como “embaixador de sangue azul” promover o Reino Unido e o fortalecimento de laços comerciais com o Brasil. Veículos de escolta, agentes de segurança, todo um aparato para protegê-lo da multidão de curiosos e de curiosas moças desejosas de verem de perto o príncipe gatinho. O jovem Harry vive quebrando o protocolo e saindo da formalidade, de forma natural, o que o torna mais simpático, mas, por ser príncipe, cabe dispensar a ele tratamento especial que se dispensa a um membro da Royal Family.
SEGUNDO TEMPO
Pois bem, sábado, dia 10/03, depois do café da manhã, embarco para Salvador e dentre as opções de canais no Embraer 190 da Azul , escolho ver um programa que mostra uma família de classe média americana, formada por um casal e dois filhos adolescentes, que vão para Gana, na África, viver uma experiência de convívio com uma comunidade local, numa aldeia de vida simples e desprovida de modernidades a que o cidadão americano está acostumado, tais como tv, geladeira, micro-ondas, celular e McDonald´s. Em um determinado dia, a família é convidada a visitar o líder da aldeia, uma espécie de cacique da região. O líder está sentado no meio de um comitê de notáveis (seria o parlamento deles ?) com seu traje de gala e os outros membros da aldeia lhe fazem reverência. O patriarca da família americana ajoelha-se diante dele para lhe entregar um presente, uma oferenda. O documentário mostra constantemente a imagem dos membros da família e comentários deles, em off, como se fosse uma narração. Logo após a cena do americano ajoelhado diante do líder africano, a filha comenta que achou estranho ver que o pai tinha que se ajoelhar diante de um estranho e sintetiza o que achou da cena em um adjetivo: STUPID!
Isto me levou a pensar em como o mundo ocidental não consegue se libertar dos seus modelos mentais, segundo o qual o centro é a civilização e a periferia é o primitivismo, mesmo quando a periferia faz o que o centro faz. Qual é a diferença entre um plebeu americano ajoelhar-se diante de um monarca africano e ajoelhar-se diante da Rainha da Inglaterra? A adolescente americana responderia: my daddy poder ajoelhar-se diante da Queen Elizabeth é chique, especialmente se as tevês do mundo inteiro estiverem filmando a cena. Mas ajoelhar-se diante de um africano vestido com roupas esquisitas e coloridas no meio do mato, é something stupid.
TERCEIRO TEMPO
Desembarco em Salvador e na saída do avião reencontro meu colega João que viajou no mesmo avião que eu, noutra fileira de poltronas. No caminho até o local de entrega de bagagens, comento sobre o que vi no programa e lembro que quando estive na Suécia, em final dos anos 90, fiquei hospedado num pequeno navio-hotel ancorado num dos fiordes que dividem Estocolmo em 14 ilhas. O gerente nos recebeu com uma garrafa de vinho e falou da sua satisfação em receber brasileiros no hotel, pois a esposa do Rei Carlos XVI Gustavo, a Rainha Silvia Sommerlath, nasceu na Alemanha, mas tem mãe brasileira e viveu no Brasil durante parte da sua infância. Quando a conversa ficou animada eu ousei perguntar ao novo amigo sueco o que fazia um povo de país tão civilizado e moderno (excelentes indicadores de bem-estar social, sede de empresas avançadas tais como Volvo, SKF, Scania e Ericsson) manter um sistema monárquico. Nas bancas de revistas e livrarias da Suécia, além dos tradicionais postais que mostram pontos turísticos das cidades, as fotos do rei, da rainha, da família real e suas biografias são cartões-postais e livros expostos com destaque nas vitrines. O sueco me respondeu que as pessoas que visitam a Suécia querem ver o Palácio Real, querem saber do Rei, mas não perguntam pelo Primeiro Ministro; quando o Rei da Suécia viaja para outro país, a notícia ganha destaque – assim como essa vinda do Príncipe Harry ao Brasil – e o rei é quem divulga o país, é quem faz a promoção e marketing da nação sueca. Por fim, ele concluiu dizendo que, desde criancinhas eles são educados para saber da existência da família real, aceitá-la e venerá-la e isto é um valor que não se questiona na Suécia. A resposta do sueco, expressa de modo bastante educado, de certa forma me dizia que o meu questionamento não era uma inquietação deles, eles estavam bem resolvidos com a situação de serem uma nação desenvolvida que mantinha a monarquia, um sistema que no passado era sustentado pela crença de que os reis tinham um mandato divino.
PRORROGAÇÃO
Embora os EUA nunca tenham sido uma monarquia, há uma relação estreita com o Reino Unido, que assim como a nação estadunidense está inserido no conceito geopolítico de centro, diferente de Gana que está na periferia. Isto possivelmente explica porque, para a adolescente americana, a reverência ao cacique africano era algo descabido. E explica porque algumas jovens cariocas aspiram serem vistas e notadas pelo Príncipe Harry e quem sabe, viverem um conto de fadas, tal como Kate Middleton, a Duquesa de Cambridge.