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“Muitas coisas se perderam apenas com a transmissão oral”, diz Mãe Stella sobre a transmissão da cultura

“É uma coisa que me dói no coração. Porque quando se fala em religião, é sobre uma coisa pura. E querer castigar quem pratica uma religião que não é minha, não está certo”. Esse foi o breve comentário de Mãe Stella de Oxossi sobre os recentes casos de agressão motivada por intolerância religiosa que aconteceram no país. Sem se alongar muito, a yalorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, abordou o assunto na exibição do documentário Folhas EnCantadas, na manhã desta quinta-feira, 18/06, no lotado auditório do PAF III, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Um filme da professora de Letras da Ufba, Alessandra Caramori, juntamente com o fotógrafo Antonello Veneri e o cinegrafista Stefano Barbi Cinti, presentes no evento de lançamento.

A narrativa do documentário de 25 minutos, que intercala fotografias e cânticos da líder religiosa, acompanhada de três anciãs do Ilê Axé Opô Afonjá, é a continuidade de um ciclo que começou no lançamento do livro “O Que as Folhas Cantam (Para Quem Canta Folha)”, de Mãe Stella e Graziela Domini. Em português, a obra conta a sabedoria contida em cerca de 60 cânticos yorubás, ao som das vozes em coro das senhoras, ritmado pela palma da mão. Para Alessandra Caramori, emocionada ao falar dos resultados do projeto, levar os ensinamentos para dentro da universidade é aproximar a comunidade da academia e também agregar a escrita como transmissão de conhecimento para uma religião que sobrevive através da oralidade. “Eu acredito na universidade fora dos muros. E trazer parte do fruto desses encontros para dentro da universidade, meu espaço de vida e trabalho, é motivo de grande alegria para mim”, celebra a professora.

A possibilidade da expansão do conhecimento pela oralidade em religiões de matriz africana não é novidade para Mãe Stella, autora de nove livros e integrante da Academia de Letras da Bahia (ALB), que faz questão de valorizar o letramento e a construção do conhecimento. “Muitas coisas se perderam apenas com a tradução oral. O que a gente não registra o vento leva”, completa a yalorixá.

O fotógrafo, Antonello Veneri, classificou o terreiro como um lugar de preservação da cultura, de acordo com as suas impressões, obtidas durante a produção do documentário. “Essa é a Bahia que eu mais gosto, um encontro entre diferentes culturas. Quando, por exemplo, vi na escola [Escola Municipal Eugênia Anna do Santos] que funciona dentro do terreiro, uma professora pertencente a religião muçulmana dando aula às criancinhas”, diz.
Na mesma linha de pensamento, o cinegrafista Stefano Barbi Cinti considera que o seu trabalho é instrumento para causas como essas. Experiente na produção de conteúdo sobre o Candomblé, por ter produzido o documentário Oxalá vai à Guerra (2008), Cinti declara seu respeito pela religiosidade. “Não conhecia e deixei me levar. Sempre com receio de invadir o espaço de artefatos sagrados. Mas me coloco como um servo de questões que falam sobre cultura, ou preconceito”, comenta.

Uma plateia lotada, formada em sua maioria por estudantes e religiosos do candomblé, pôde usufruir, além da experiência diante da obra audiovisual, de relatos das descobertas dos realizadores no contato com a religião e, sobretudo, da sabedoria de Mãe Stella, transmitida ao público por vezes em tom de brincadeira, o que conquistou os presentes, motivando uma enorme fila de admiradores interessados nas bênçãos da yalorixá.

Da Redação do Correio Nagô
Texto: Fabiana Guia / Fotos: Antonello Veneri

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