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Mulheres marcham contra a violência policial, o cárcere e o racismo no Brasil

Mães da Maré, travestis, mulheres com deficiência e outros grupos levaram suas pautas e histórias para a Esplanada, em Brasília.

Por Jane Fernandes | AzMina

Milhares de mulheres negras meteram marcha na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na última terça-feira (25), na luta por reparação e bem viver. Vindas de diferentes partes do país, elas trouxeram suas histórias para a caminhada e contaram um pouco sobre elas para a revista AzMina. Seus relatos evidenciam que as mais de 60 milhões de mulheres negras brasileiras (Censo 2022) vivem realidades diversas, mesmo que todas sejam marcadas pelo racismo.

Sônia Bonfim Vicente, 40 anos, caminhou com outras mulheres de comunidades do Rio de Janeiro, representando o movimento Mães da Maré. Ela fez uma bandeira com fotos de 178 jovens vítimas da violência policial, um deles era o seu filho Samuel, aluno do Colégio Militar, morto aos 17 anos, em 2021. O marido de Sônia foi morto no mesmo dia, nas mesmas circunstâncias. Segurando a faixa com outras mães, atrás do trio da região Sudeste, ela desabafou: “a gente não aguenta mais, no Complexo do Chapadão (onde vive) tem operação todo dia, nossas crianças não conseguem estudar.”

Mulheres da Mães da Maré seguram bandeira com fotos de 178 jovens vítimas da violência policial durante Marcha das Mulheres Negras. Crédito: Jane Fernandes

A bandeira foi levada a Brasília no mês passado e apresentada a autoridades políticas. A ideia de Sônia era alertar para a urgência de adotar medidas para evitar novas mortes, o que acabou acontecendo pouco depois. No dia 28 de outubro, 121 pessoas morreram nos complexos do Alemão e da Penha, durante a ‘operação policial’ mais letal já registrada no Rio de Janeiro. “Espero que o governo tome alguma providência com essa chacina que está acontecendo.”

As mortes no Alemão e na Penha foram temas recorrentes nos discursos de lideranças políticas e de movimentos sociais sobre os quatro trios que guiaram a Marcha, não só da região Sudeste. Os demais representaram a região Centro-Oeste e Sul; Nordeste e Comitê Global; e Amazônia.

A violência também atinge corpos como o de Natasha Constantino, de 31 anos, mulher travesti que saiu de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, para mostrar uma narrativa de potência na 2ª Marcha das Mulheres Negras. Primeira mulher travesti empreendedora de moda autoral no seu estado, quilombola e de religião de matriz africana, ela vestia uma roupa da própria marca. “Estou aqui para dizer que nós mulheres trans e travestis, assim como todas as mulheres, podemos estar juntas, unidas, e também que as mulheres negras travestis podem ser empresárias, assim como eu sou.”

Natasha Constantino, de 31 anos, mulher travesti que saiu de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, para mostrar uma narrativa de potência na 2ª Marcha das Mulheres Negras. Crédito: Jane Fernandes

ACESSIBILIDADE PARA LUTAR

Integrante de diversos coletivos em Maceió, capital de Alagoas, Maria Edna Bezerra, 55 anos, foi à Marcha “para que a sociedade brasileira veja que o povo preto, a mulher negra, luta por direitos, luta para não ser assassinada, luta para ter melhores empregos, luta por paridade dentro dos cargos políticos, luta para criar seus filhos e viver com dignidade.”

Maria Edna, de 55 anos, esteve na Marcha das Mulheres Negras ao lado de várias outras mulheres PcDs que buscam enfrentamento ao capacitismo e reforçam a importância de garantir acessibilidade. Crédito: Jane Fernandes

A presença de Maria Edna e de várias outras mulheres PCDs que estiveram na Esplanada no dia 25 também simbolizavam o enfrentamento ao capacitismo e a importância de garantir acessibilidade. Para ela, a Marcha ofereceu condições adequadas para a participação de todas, com orientação e oferta de suporte a quem precisasse. Ao circular no espaço era possível ver pessoas se deslocando em cadeiras de rodas oferecidas pelo evento.

Enquanto Edna fez questão de acompanhar todo o trajeto, algumas participantes montaram pontos de apoio para dar visibilidade às suas causas. Foi o caso de Célia Teixeira, 59 anos, da Frente Estadual de Desencarceramento do Piauí. Ela ressaltou que as mulheres pretas são a maioria da população carcerária feminina do Brasil – a terceira maior do mundo, superada apenas por EUA e China – e por isso era fundamental levar o tema para a Marcha.

As pessoas negras correspondem a 69% da população de rua do Brasil, que soma mais de 300 mil homens e mulheres de diferentes raças e etnias (conforme estudo da UFMG). E, entre as pessoas negras sem um teto para viver, cerca de 40% são mulheres. Elas estavam representadas por movimentos de população em situação de rua e também pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), do qual Eliana Rosa Barbosa, 50 anos, faz parte.

Eliana integra a equipe da Cozinha Solidária do MTST de Santo André, que distribui de 300 a 400 marmitas por semana para a população em vulnerabilidade. Na Marcha, seu grito era sobretudo por moradia e – enquanto esse direito não se torna universal – a abertura de mais cozinhas solidárias. Mas também deseja que as mulheres negras ocupem cada vez mais lugares, como a presidência da República. “A gente tem que mudar isso, então vamos para a luta.”

CARTA AO STF ENCERRA ATO POLÍTICO

Enquanto artistas negras animavam o pós-caminhada, 12 representantes da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver foram ao encontro do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin. Conforme divulgado pela comunicação da Marcha, a responsabilização do Estado pelas violências que atravessam a vida das mulheres negras e a necessidade urgente de justiça para as vítimas de operações policiais foram os pontos centrais da conversa.

Integrantes da Marcha das Mulheres Negras encontram o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Crédito: Lissandra Pedreira

Tauã Brito, moradora do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, relatou a execução de seu filho no final de outubro, durante “operação policial”. “Meu filho tentou se entregar, mas os policiais não deixaram nem que eu chegasse perto. Ele estava amarrado, esfaqueado e com um tiro na cabeça. Eu pedi que levassem preso, que dessem uma chance. Ele tinha 20 anos”. Para ela “a favela só recebe morte. Não entra educação, política pública, oportunidade.”

Ainda segundo a comunicação da Marcha, Fachin reconheceu a legitimidade das pautas apresentadas pela Marcha e afirmou que o país não pode adiar mais a presença de mulheres negras nos espaços de maior poder da República. “Eu espero não sair enquanto não tenha pelo menos uma juíza negra. E isso que eu estou dizendo agora eu já disse. O Brasil precisa enfrentar essa dívida.”

SHOWS MARCAM LEMA DO BEM VIVER

Coerente com o lema do bem viver, a Marcha encerrou a programação com o show de Larissa Luz, que gravou o tema musical desta edição. A cantora baiana animou o público presente no pátio do Museu Nacional, que cantou junto “mete marcha, negona, rumo ao infinito. Bote a base, solte o grito, solte o grito”. Antes da Larissa, Ebony, Célia Sampaio & Núbia, Prethaís e Luana Hansen – que cantou o tema da 1ª Marcha, realizada em 2015.

Marcha encerrou a programação com o show de Larissa Luz, que gravou o tema musical desta edição. Crédito: @oijumkt

Uma das músicas de Luana conta a história de Marielle Franco, nome lembrado ao longo de todo o trajeto da marcha, que contou com a participação de sua irmã, Anielle Franco, ministra da Reparação Racial, no trio do Sudeste. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, da Bahia, esteve no trio do Nordeste.

O ato terminou de forma festiva quase 12 horas após ser iniciado com a subida ao palco de integrantes da Irmandade da Boa Morte, de Cachoeira, na Bahia. Após saudar a todas, todos e todes, elas ressaltaram que estavam ali “reunidas e protegidas pelas energias e as forças das nossas ancestrais”.

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