Somos tudo isso, todas essas e somos muitas! – Dayse Sacramento
O projeto “Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras”, idealizado pela doutoranda em Literatura e Cultura Dayse Sacramento, lotou o Espaço Cultural da Barroquinha nesta terça (11) antes mesmo das 19h, horário marcado para início. Às 18:30 todos os acentos do espaço já estavam ocupados, em sua maioria, por mulheres pretas.
Dentro de um local que é histórico – assim como a luta das mulheres negras – os olhares eram brilhantes e atentos e o sentimento de representação era constante nas falas.
A poetisa Maiara Silva chegou cedo ao evento como forma de garantir um lugar para prestigiar a mesa que, como a mesma disse, “é representatividade e oportuniza mulheres negras a aprender ainda mais com outras pretas”, e acrescenta “a lotação se deve ao sentimento de necessidade desses espaços”.
No dia de abertura do projeto, os diálogos foram comandados pela graduada em Filosofia pela UESC e Mestra em Crítica Cultural pela UNEB, Manoela Barbosa, que se debruçou sobre o conto “Lia Gabriel” e a professora de Literatura da Ufba, Doutora em Crítica e Teoria Literárias, Denise Carrascosa que ficou com o conto “Shirley Paixão” – ambos são textos da escritora Conceição Evaristo.
A mediação ficou por conta da idealizadora que apresentou a proposta dos diálogos que são resultado de um projeto de pesquisa em Literatura, desenvolvido no IFBA, campus Salvador, com o propósito de criar debates e reflexões sobre a violência contra as mulheres negras, aliada à uma ótica das insubmissões destas mulheres que interligam as narrativas dos contos de Conceição Evaristo.
Em sua fala, Dayse citou inúmeras mulheres negras as quais têm como referência e enfatizou que “muitos nomes podem parecer estranhos, então, PROCUREM SABER QUEM SOMOS! Interessem-se pelas mulheres negras e o que elas fazem, respeitem o nosso lugar de fala, afinal, não necessitamos que enunciem por nós”.
ESCREVER RESISTÊNCIA
A violência contra às mulheres negras aumentou 54% em dez anos*, dado este que torna evidente o maior grau de violência física e psicológica sofrida por este grupo e prova “que as mulheres negras são aniquiladas por uma pátria amada nada gentil”, diz Dayse.
“Conceição define sua forma de escrever como uma escrevivência, que a grosso modo vem a ser uma espécie de escrever resistência”, explicou a Mestra Manoela, que disserta a partir do que denominou “Tudo tem conserto”: A insubmissa narrativa de resistência de Lia Gabriel frente à violência doméstica.
A personagem do conto Lia Gabriel foi violentada física e psicologicamente pelo marido que submeteu Gabriel, o filho de ambos, às traumáticas cenas de violência, desencadeando na criança problemas psicológicos e psiquiátricos. Mas, “embora Lia Gabriel tenha vivenciado gestos violentos contra si, elas se mostram empoderadas, resistentes, conscientes dos abusos sofridos e aguerridas no intuito de se desvencilhar daquele cotidiano opressor”, considera Manoela.
Manoela Barbosa conclui com poesia de Conceição Evaristo, e o final deste texto fez ecoar a frase na boca de outras tantas do público que clamaram o “Parem de nos matar”.
GESTOS DE INSUBMISSÃO
A obra de Conceição Evaristo trata sobre violências e gestos de insubmissão e é nestes gestos insubmissos que a doutora Denise Carrascosa focalizou sua fala, direcionando-a não apenas à personagem do conto Shirley Paixão, mas exemplificando a partir de toda a obra “Insubmissas Lágrimas de Mulheres”.
Denise faz referência a artistas negras como Vera Lopes, Cidinha da Silva, Elza Soares, além de citar outras mulheres negras militantes insubmissas, como Angela Davis.
Nesse sentido, inspirada por elas e outras, Denise identifica na obra de Conceição os afetos que paralisam (o medo, a solidão, desamparo, vergonha) e enfatiza que na obra estes afetos encontram a dimensão da representação. A doutora diz ainda que “as personagens encontram um contra dispositivo que chamamos de insubmissão, um contra dispositivo que não é de representação é performático e aciona em nós o direito ao esquecimento”.
“A obra de Conceição Evaristo vai criar para gente um mapa, uma cartografia de gestos de insubmissão, ela é pedagógica nesse sentido, precisa, cortante, ela nos ensina. Então, vemos nos gestos de várias mulheres dos contos reações violentas, mas essas violências não são reativas, mas sim de sobrevivência”. A partir desta fala, Denise exemplifica os gestos que Conceição demonstra como insubmissão das personagens de vários contos.
“EU SINTO A SOLIDÃO DA MULHER PRETA”
Para finalizar a noite, a poetisa vice campeã da Competição Nacional de Poesia Falada (SLAM-BR) Fabiana Lima ocupou o palco com versos fortes e voz firme. Com poesias que priorizam as temáticas raciais e feministas, Fabiana sintetizou em alguns minutos as diversas violências às quais as mulheres negras são submetidas, a exemplo da violência obstétrica.
Mulher, quanto mais melanina tiver maior a sua dor, menos se tem amor – Fabiana Lima
Ecoando como um hino, Fabiana e mulheres que acompanham seu trabalho recitavam “eu sinto a solidão da mulher preta”, assim como, também a acompanharam num dos seus versos cantados “Boi, boi da cara preta pega esse menino com um tiro de escopeta. Boi, boi da cara branca extermina a juventude negra, genocida de criança”.
OS DIÁLOGOS INSUBMISSOS ESTÃO SÓ NO COMEÇO
Na abertura deste projeto, os participantes receberam um KIT havendo dentre outras coisas um certificado de 3 horas e, ao final, o coffee break foi recheado com poesias do Grupo Recital Ágape. Mas, o evento que terminou com horário apertado e aplausos de pé, só está no começo.
“Há muito tempo eu não vejo uma coisa tão bonita, tão potente e tão representativa dos nossos anseios, dos anseios das mulheres negras. E foi construído de forma sensível, delicada, forte e carregado de insubmissão”, assim definiu o evento a mestra em Estudos de Linguagens (Uneb) e ativista, Lindinalva Barbosa.
No próximo sábado (15) às 19h, o segundo Diálogos Insubmissos de Mulheres Negras será no Goethe Institut (Corredor da Vitória) e a dica é chegar cedo para garantir um local confortável para assistir à mesa de debates.
O debate será com a doutoranda em Estudos de Gênero, Mulheres e Feminismo, Carla Akotirene e com a mestranda em Educação e Contemporaneidade (UNEB) Carla Portela. A mediação fica por conta da YouTuber do canal Narrativas Negras, ativista do Coletivo Enegrecer e da Marcha do Empoderamento Crespo, Samira Soares.
*Mapa da Violência (2016)
Joyce Melo é repórter do Portal Correio Nagô.
FOTOS: Lissandra Pedreira