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Mulheres Negras em ação de resistência – Mãe Hilda Jitolu: lições de política no ambiente religioso

Valéria Lima

O papel de líder religiosa de uma religião de matriz africana, como o candomblé, tem um significado muito particular no Brasil e na Bahia. No candomblé a liderança está diretamente associada à figura feminina, em sua maioria. Para Mãe Hilda Jitolu, que foi líder e fundadora do Acé Jitolu, um Terreiro de tradição Jeje Savalu, do bairro Curuzu, em Salvador, este papel se estendeu por toda a comunidade. Ela foi mãe, conselheira e tudo mais que coube a ela durante os mais de 50 anos à frente da casa. 

Ao longo dos seus 86 anos de vida, Mãe Hilda desenvolveu um extenso trabalho de conscientização na comunidade negra. Tanto através de projetos como a Escola Mãe Hilda, idealizada por ela e instalada nas dependências do seu terreiro, quanto através do seu trabalho como Iyalorixá e matriarca do Ilê Aiyê. Através da trajetória e do exemplo de lideranças religiosas de matriz africana, como Mãe Hilda, é possível compreender a participação da mulher negra na história da Bahia e no Brasil. Sobretudo na segunda metade no século XX, período importante para o Movimento Negro como um todo, já que as Instituições na configuração que conhecemos hoje, foram fundadas, à exemplo do Movimento Negro Unificado e os Blocos Afro. De lá pra cá, se tornou conhecida internacionalmente e foi reconhecida por todo o trabalho realizado no Curuzu, principalmente pela contribuição dada na concepção do primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê.

Mãe Hilda se uma liderança sócio-cultural no Curuzu, uma referência para a comunidade negra e religiosa. Sendo o candomblé o núcleo político mais forte de resistência negra, as religiões de origem africana se recriaram no Brasil e se tornaram uma importante ferramenta para movimento político e cultural negro. A religião se recriou e se difundiu entre os movimentos negros. 

Mãe Hilda nasceu em 6 de janeiro de 1923, 35 anos após a abolição da escravatura no Brasil. Neta de africanos, Hilda dos Reias Dias é filha de negros nascidos no Brasil. Seus pais são Benta Maria do Sacramento e Aniceto Manoel Dias. Assim como boa parte da população negra do país, a única filha do casal é mais uma criança pobre e sem perspectivas para o futuro, porém provou que tudo é possível, quando há fé e determinação. Ela nasceu na Quinta das Beatas, atualmente conhecido como Cosme de Farias, porém em 1933, com 10 anos de idade, finalmente Hilda chega ao Curuzu, onde passou o resto da sua vida, como ela mesma relatou em uma entrevista realizada em 2007: “Mamãe comprou a casa, e aí reformou, e a gente veio pra cá. Era de barro e de taipa, tinha que fazer um barro pra botar na parede, enterrava a cumeeira no canto da casa, o que hoje chama pilastra. Eu vim com mamãe, titia, meus primos, nem me lembro de todo mundo.

Enquanto Ruth Landes realizava suas pesquisas na Bahia, para escrever o livro A Cidade das Mulheres, Hilda era uma jovem de 15 anos de idade, e estava se divertindo nos bailes, sem nenhum vínculo com a religião. Enquanto Landes falava sobre uma cidade dominada pelas mulheres, no quesito religiosidade de matriz africana, essa jovem apresentava sinais de que deveria ser feita no santo, algo muito complexo ainda para ela. Apesar de já naquele momento, parte da imprensa escrita da Bahia falar sobre o candomblé, e mostrar detalhes da vida de importantes Ialorixás, como o caso de Mãe Aninha, que abriu as portas de sua casa para Ruth Landes desenvolver suas pesquisas, e dar início a discussões sobre a presença e poder das mulheres na manutenção das religiões afro-brasileiras na Bahia. 

Iniciada no candomblé aos 19 anos por motivos de saúde, na Nação Angola, filha de Obaluaê, pelo Babalorixá Cassiano Manoel Lima, no bairro da Caixa D’Água. Porém, Pai Cassiano veio a falecer no dia 14 de Dezembro de 1944, e a perda prematura desse pai e o fechamento da sua casa, fez com que ela tivesse que buscar uma nova casa, para dar continuidade às suas obrigações religiosas. Passado algum tempo de sua morte, Hilda procurou ajuda, e logo foi acolhida pela nação Jeje Savalu, através de Contança da Rocha Pires, mais conhecida como Mãe Tança. 

Hilda se casou com Waldemar Benvindo dos Santos e com ele teve seis filhos, Antonio Carlos dos Santos, Hildete Valdevina dos Santos Lima, Vivaldo Benvindo dos Santos, em 1954, Hildelita dos Santos, Hildemaria Georgina dos Santos e Hildelice Benta dos Santos, quem assumiu seu lugar à frente do Terreiro. 

Foi em 06 de agosto de 1952, que Mãe Hilda fundou, com a colaboração de Mãe Tança, o Acé Jitolu. Mãe Hilda transformou assim, sua casa em um templo sagrado, e ao dar esse passo, ganhou novas responsabilidades e assumiu o cargo de maior poder na hierarquia do candomblé. A partir de então, foi se envolvendo cada vez mais com a religião e com as questões raciais, o que inspirou seus filhos e os amigos deles a criar o primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê. 

Com a missão cumprida, Mãe Hilda foi para o Orum em 19 de setembro de 2009. Descansou após 86 anos de dedicação e luta pela igualdade racial e social. 

Valéria Lima é Ekedy de Obaluaê do Acé Jitolu, jornalista e mestre em Estudos Étnicos e Africanos

Confira o conteúdo da série “Mulheres Negras em ação de resistência” na Revista digital da Flor de Dendê:

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