Na Mahalaxmi Dhobi Ghat, pelo menos 500 mil roupas são lavadas todos os dias, em 826 pequenos tanques
Homens sem camisa usando sarongues, centenas de tanques de água e milhares de peças de roupa. Esta é a primeira visão que se tem desde uma ponte que dá acesso a Mahalaxmi Dhobi Ghat, a maior lavanderia a céu aberto do planeta. O dia ainda nem amanheceu em Mumbai, a cidade mais populosa da Índia, mas para cinco mil indianos a jornada começou cedo. Alguns estão no local desde as 3 da manhã.
O barulho das gotas que caem das roupas secando, as conversas paralelas e até mesmo o trânsito desta metrópole são abafados pelo ruído das camisas e lençóis sendo literalmente lançados contra as muretas dos tanques de água. É ali que pelo menos 500 mil roupas são lavadas todos os dias, em 826 pequenos tanques que se assemelham a minúsculas piscinas ou caixas d’águas de concreto.
As roupas são lavadas, enxaguadas, amaciadas e até mesmo “centrifugadas” sem a utilização de quase nenhuma máquina. O processo é feito a mão por indianos vindos de diversas partes do país, quase sempre da casta mais baixa da sociedade, os dalits ou intocáveis. Os dalits representam 16% da população na Índia e acredita-se que eles tenham sido criados a partir do pó que cobria os pés de Brahma, o primeiro deus da trindade no hinduísmo.
Em Mahalaxmi, aproximadamente 200 famílias controlam o negócio. Cada uma conta com 20 ou 30 dhobis, como são conhecidos os homens que lavam as roupas neste tipo de espaço. “Aquele ali é o mais rico aqui da lavanderia. Ele tem algumas dúzias de tanques e ganha muito dinheiro”, explica o guia apontando discretamente para um senhor que anda de um lado para o outro controlando o trabalho de seus empregados. Algumas crianças curiosas também se aproximam e posam para as câmeras. “Eles querem se ver na foto, mesmo que seja somente na telinha da sua máquina. Não precisa ficar com medo. São só crianças”, continua o guia.
Depois de uma minuciosa lavagem, as roupas são levadas para o fundo do local, onde são torcidas e estendidas em qualquer superfície, incluindo telhados. Em uma parte mais seca da lavanderia, fica o serviço de passar roupa. Os ferros são de lenha, pesados, e o serviço é feito dentro de galpões pequenos onde as peças também são engomadas. O calor nos galpões é insuportável e em poucos minutos o guia já pede que os visitantes saiam.
O resultado de todo este processo impressiona. A roupa sai de Mahalaxmi como se nunca houvesse sido usada. A qualidade do serviço é reconhecidamente bom e barato e os principais hotéis e hospitais têm as suas roupas de cama e uniformes lavados no local.
Quando o vestuário fica pronto, ele imediatamente recebe um código marcado em uma pequena etiqueta, indicando o bairro e a rua do cliente. Apenas os dhobis conseguem decodificar a marcação. Erros são raros. Trabalho em equipe, organização e divisão do trabalho são essenciais em toda a cadeia.
O ofício passa de geração em geração. “Meu pai e meu avô trabalhavam aqui. E meus dois filhos me ajudam também. Eles frequentam a escola, mas nas horas livres vêm para a lavanderia”, conta Gupta, de 48 anos.
Salários baixos, drogas e mantras
O preço da mão-de-obra está por trás de tanto sucesso. Contratar trabalhadores braçais é mais barato do que utilizar a maquinaria moderna. O cliente paga como preço final 27 rúpias (1 real) para ter uma camisa e uma calça lavadas e passadas. A remuneração dos dhobis gira em torno de 120 rúpias diárias (R$4,47), em extenuantes jornadas de até 14 horas.
Muitos dos trabalhadores utilizam um tipo de ópio chamado Bangui, para que consigam ficar tanto tempo dentro da água. Outros repetem mantras que ajudam a concentrar e a aguentar o cansaço.
A instabilidade sazonal é outro problema que afeta o trabalho dos dhobis. Entre março e maio, verão em Mumbai, poucos turistas visitam a cidade devido às altas temperaturas. Os grandes hotéis, principais utilizadores dos serviços da lavanderia, ficam vazios, diminuindo o trabalho e a renda dos que trabalham com a arte da lavagem.
O mercado de máquinas de lavar, que em 2011 teve um crescimento de 24%, é outro cenário que pode representar uma ameaça ao tradicional ofício. “A gente tem medo de perder clientes, mas acho que a maioria das pessoas ainda prefere que nós façamos este trabalho e entreguemos tudo limpo e passado na casa delas. Mais do que um trabalho, esse é o nosso único meio de subsistência e também parte da nossa cultura. Não podemos deixar que esta tradição morra”, conta Prakash, de 53 anos, que trabalha desde os 13 anos na mesma profissão.
O turista que visita a lavanderia paga um ingresso que é destinado a uma associação de trabalhadores local. A entrada custa 100 rúpias (R$ 3,74), o que representa um pouco menos do salário diário dos lavadores indianos.
Fonte: Opera Mundi