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Não corra do óbvio, reflita sobre!

18/12/2018 | às 21h23

Por Elisia Santos para a Coluna “Tela Branca, crítica negra”

 

Falo de milhões de homens em quem deliberadamente inculcaram o medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a prostração, o desespero, o servilismo. (Aimée Césaire, Discurso sobre o colonialismo).

 

Demorei muito tempo para dissertar sobre outro filme, pois, desejava estudar mais sobre cinema negro e seu poder de interferência direta e indiretamente nas nossas vidas. Acabei me debruçando nas bibliografias tradicionais e a paixão pelo cinema exalou pelos poros.

Quando ainda estava na universidade como estudante de graduação, me perguntaram quais as respostas que a sociologia dava para os problemas raciais e como iríamos acabar com o racismo. Entendi estas perguntas como máximas a serem analisadas. Busquei nos reduzidos livros que tinha na biblioteca da UFBA, mas não conseguia entender como erradicar o que eu não sabia como começou.

Para escrever este texto tive uma grande necessidade de ler o grande intelectual Frantz Omar Fanon, de ascendência francesa e africana com seu clássico: Pele negra máscara branca, que foi sua tese de Doutorado em Psiquiatria. Fanon pretendia compreender este mar ideológico racista no qual navegamos e por muitas vezes fingimos, por uma questão de resiliência, não nadar para assim sobreviver ou não se matar.

Para Fanon, o negro tem duas dimensões comportamentais: uma com seu semelhante e outra com o branco. O homem e a mulher negra comportam-se diferentemente com os brancos/as brancas e com outro irmão/irmã e não há dúvidas de que esta cissiparidade é uma consequência direta da dominação colonial. A comunidade negra nos países americanos colonizados nasce mergulhada num complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural — a comunidade negra toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura europeia. 

Capa do livro de Fanon: Imagem retirada na internet.

Fanon afirma que quanto mais assimilar os valores culturais da Europa, mais o colonizado escapará da sua identidade. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, sua pertença, mais branco será. No Exército colonial e, especialmente, nos regimentos senegaleses de infantaria, os oficiais nativos são, antes de mais nada, intérpretes. Servindo apenas, para transmitir as ordens do senhor aos seus congêneres, desfrutando por isso de uma certa honorabilidade perdendo sua identidade.

A desgraça e a desumanidade do branco colonizador foi organizar racionalmente a desumanização do povo negro. Por conta disso, temos que nos enquadrar em um mundo sem reparações retroativas. Importante salientar que temos um universo a ser conhecido no continente africano e que nos espera ansiosa para desvendá-la e desfrutar de todas as riquezas (não apenas material) que ele possui.

O racismo causa danos psicológicos tão profundos que para muitos negros e negras o crescimento pessoal só acontece ao se tornar branco. Se isso nunca acontecer? Se simplesmente estivermos fantasiando e vestindo capas brancas que não nos pertence? Isso gera dor ou caminhos para sobreviver?

Cena do filme Get Out:Imagem retirada na internet.

Em Get Out, os danos do racismo psicológico são colocados como implantes de pessoas brancas em nossa cabeça, nos levando ao mundo de submissão e letargia. Este longa foi considerado pelos críticos como uma adaptação da frase: “Eu não sou racista, eu até tenho amigos negros”. No Brasil a comunidade branca usaria: “Não sou racista, minha vó era negra”.

A trama está na categoria de terror/suspense e gira em torno de um casal inter-racial formado por Chris (Daniel Kaluuya) e Rose (Allison Williams), um casal tradicional dos filmes hollywoodianos, estilo somos todos miscigenados, amor não tem cor e racismo é coisa de sua cabeça.

No começo do filme temos uma certeza de que é apenas mais um filme clássico do amor café com leite hollywoodiano, exemplificando: O Guarda-Costas (1992), Corina, Uma Babá Perfeita (1995), No balanço do amor (2001) Branco e negro (2008), A família da noiva (2005), entre outros filmes que fazem a linha do amor inter-racial, sem fazer uma discussão qualificada das entrelinhas destes romances.

Este último filme traz uma cena emblemática e muito conhecida, onde o personagem Simon Green (Ashton Kutcher) namora Theresa Jones (Zoe Saldaña), que decide apresentá-lo à família, esta, negra e com um patriarca militante, que não aprovava relacionamentos inter-raciais.

Como forma de se sentir parte da família e quebrar esta situação, Simon decide em pleno jantar, onde todos estavam reunidos, contar piadas racistas sobre negros, para ele era apenas piada e uma forma de interagir, mas, para quem escuta e é negro ou tem sensibilidade com a causa, é uma ofensa. Existe um lugar que o colonizador e seus descendentes desejam nos manter e uma boa parte da comunidade negra não deseja mais pertencer.

Cena do filme A família da noiva: Imagem retirada na internet.

No filme a situação fica bastante tensa e estas vivências acontecem quando o relacionamento é inter-racial. O personagem Chris do filme Get Out questiona a namorada se ela teria avisado aos pais o fato dele ser negro. Para Rose, isso não era necessário, pois seus pais não eram tão racistas, contudo, nunca conhecemos a família que temos quando o assunto é diversidade racial ou de gênero.

E Chris sabe disso, ao chegar no jantar da família “White” há uma constante sensação de estranhamento no ar, aumentada com o fato dos empregados da casa serem todos negros e mesmo assim o patriarca afirmar que votaria em Obama pela terceira vez. Isso deixa as pessoas menos racista?

Get Out uma obra original e bem-sucedida na construção de um clima de suspense e terror. Dirigido por  Jordan Peele, que atualmente está produzindo o longa-metragem: Infiltrado na Klan (2018), filme do grande mestre Spike Lee. Para honrar a população negra, Peele ganhou o merecido Oscar de melhor roteiro original e nossos corações.

Cena do filme Infiltrado na Klan: Imagem retirada na internet.

Get Out é uma mistura de humor com terror, que nasce em cenas absurdas/surpreendentes, mas também há sequências de alívio cômico, a maioria protagonizada por Lil Rel Howery, que vive um amigo que cuida do cachorro de Chris enquanto ele está fora no final de semana.

O final deste longa é extremamente surpreendente e faz com que possamos perceber a importância da irmandade e de se entender com grupo na sociedade. Não existem caminhar sem pedras, não há respostas para a dissolução do racismo, mas, há caminhos para estarmos vitoriosos nesta sociedade tão desigual, e quando o racismo chegar: GET OUT.

Cena do filme Get Out: Imagem retirada na internet.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Minas Gerais: Editora UFJF, 2010.

FANON, Frantz.  Pele negra, máscaras brancas. Bahia: Editora EDUFBA, 2008.

GORDON, Lewis R., “Prefácio. ” In: FANON, Frantz, Pele negra, máscaras brancas. Bahia: Editora EDUFBA, 2008.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio A., “A recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. ” In: Novos Estudos, 8 de julho de 2008.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. São Paulo, Editora Autentica, 2009. SILVEIRA, Renato da “Nota do tradutor. ” In: FANON, Frantz, Pele negra, máscaras brancas. Bahia, Edufba, 200

Este conteúdo é de responsabilidade da autora.

Mestra e graduada em Ciências Sociais, psicopedagoga e com pós graduação em Direito Achado na rua, coordenadora da empresa Black Money e nos momento de maior prazer cabeleireira especializada em dreads e cabelos crespos e maquiadora com especialização em maquiagem artística. Uma apaixonada por filmes e de todas as formas de cinema.

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