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Nas eleições, assim como na noite, todos os gatos são pardos?

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A temática racial promete ter força nos debates das próximas eleições em Salvador. Pelo menos no centro das polêmicas é pauta já garantida. Depois de causar estranheza a ausência de vices negros nas duas principais chapas à prefeitura de Salvador (a do atual prefeito e candidato à reeleição e a da aliança de oposição entre PCdoB / PT), parece que de alguma forma as coligações querem garantir esse espaço. Pelo menos na ficha oficial de inscrição no Tribunal Superior Eleitoral os candidatos a prefeito e vice se declararam pardos. Apesar das distinções feitas em pesquisas demográficas, no campo dos movimentos sociais, pretos e pardos são aglutinados na mesma categoria por conta da semelhança como sofrem os efeitos do racismo e das desigualdades raciais.

Matéria publicada pelo jornal A Tarde, nesta quarta-feira, chamou atenção para o fato. De acordo com a reportagem, quatro (dos sete candidatos) que constam no link Divulgação de Candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a saber: ACM Neto (DEM), Alice Portugal (PCdoB), Pastor Isidório (PDT) e Cláudio Silva (PP), afirmaram que são “pardos”, enquanto  Fábio Nogueira de Oliveira (PSOL) disse que é “preto”. O único que se assumiu como “branco” foi Rogério Tadeu Da Luz (PRTB). A ficha da candidata Célia Sacramento (PPL) não estava postada no TSE até o fechamento da matéria. E os vices seguiram a tendência: Bruno Reis, Maria del Carmen, Luiz Bassuma e Dinamene Meireles se disseram “pardos”. Antônio Neto, vice de Da Luz, declarou cor “parda”, e Iuri Alves (PSOL), “preto”.

“É uma tentativa de fraudar o sistema. É como se só fossem admitidas candidaturas de mulheres e eles colocassem na ficha que são do gênero feminino”, reagiu o presidente do Grupo Cultural Olodum, João Jorge Rodrigues,  advogado, mestre em direito público e ativista do movimento negro.

Em sua página no facebook, a jornalista Maíra Azevedo, a Tia Má, considerou a atitude ridícula. “Seria muito mais bacana assumir a branquitude, reconhecer a série de privilégios que tem e teve ao longo da vida e dizer, por isso mesmo estou na disputa”. Para a jornalista, o combate ao racismo não é uma luta restrita da população negra. “Quem fizesse isso,..teria muito mais meu respeito e até mesmo meu voto. Fiquei assustada com tanta demagogia”, disse.

A discussão sobre uso da negritude na eleição de prefeito de Salvador surgiu na composição das chapas. Os candidatos ACM Neto e Alice Portugal tentaram colocar afrodescendentes na chapa, seguindo estratégia já utilizada em 2012, quando a chapa do DEM teve Célia Sacramento como vice e o candidato derrotado do PT, Nelson Pelegrino, marchou ao lado da vice Olívia Santana. Ainda de acordo com a matéria do Jornal A Tarde, nas tratativas para a composição das chapas deste ano, o peso do PMDB foi mais forte, e Neto colocou o peemedebista Bruno Reis como vice. Alice Portugal tentou compor a chapa com o vereador petista Gilmar Santiago, mas o governador Rui Costa (PT) preferiu o nome da deputada Maria del Carmen, espanhola de nascimento.

O presidente do Grupo Cultural Olodum, João Jorge Rodrigues,  chegou a ser sondado para ser vice na chapa do PCdoB/PT/PSB, mas não aceitou. “Como vai dizer na campanha que é uma coisa que você não tem sido? Não é possível assumir que é pardo ou negro em 2016”.

Ele lamenta que candidatos escondam sua origem étnica só para ganhar votos. “Isso é feito porque o sistema político brasileiro está muito destruído, precisa de uma reforma urgente. É um sistema muito excludente. Normalmente o brasileiro pode votar, mas não pode ser  votado. No passado havia proibição de mulheres e analfabetos votarem. Hoje, nem todos podem ser candidatos porque não têm condições financeiras por um lado e, por outro, em função das estruturas partidárias”, criticou.

Ao jornal A Tarde, o ativista lembrou que esse tipo de fraude étnica vem ocorrendo em outros campos. “Recentemente num concurso no Itamaraty passou um candidato que se declarou afrodescendente sendo judeu, branco, neto de alemães e classe média-alta. Não se sentiu constrangido de dizer que era afrodescendente. O objetivo sempre é a busca pela vaga, pelo poder. Isso impede o Brasil de avançar. Nosso país está muito atrás dos Estados Unidos, da África do Sul, da Austrália, países que tinham regimes muitos duros  baseados na separação de raças”.

Considera que esse tipo de “distorção” é própria de sociedades incivilizadas. “Por isso que eles (os candidatos) estão tentando se aproximar de algo que está longe deles”.

Gatos pardos

O sociólogo Joviniano Neto ironizou lembrando um ditado: “Na noite todos os gatos são pardos. Na eleição de prefeito de Salvador todos os candidatos são pardos”.

Diz que na hora que candidatos brancos se identificam como pardos, objetivam fazer uma ligação “com o que seria a miscigenação brasileira”.

Ele declarou que “o que pode ser verdade na concepção americana, para quem se alguém tiver um ascendente de origem africana ele é negro, não coincide com o modo de classificação no Brasil”.

Os candidatos, para o sociólogo, estão “querendo mostrar que são iguais a todos os brasileiros que seriam miscigenados, mas isso não é o modo que aqui se avalia a pessoa e essa estratégia pode ser um exagero do politicamente correto”.

Com informação do jornal A Tarde

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