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Negros e dinheiro são mesmo inimigos?

23/05/2018 | às 19h00

Negros no Brasil são maioria como empreendedores e como empresários. No entanto, a grande fatia do bolo não fica na comunidade negra, lógica que há séculos afrodescendentes tentam quebrar para romper com a falsa ideia de que negros e dinheiro são inimigos.

Movimento Black Money reúne estratégias para manter a circulação do dinheiro dentro da comunidade negra. FOTO: NAPPY

Alguns movimentos pelo mundo estão ressignificando a participação da população negra na economia. O Movimento Black Money é um deles. Com origem nos Estados Unidos, a iniciativa está chegando ao Brasil de forma tímida, mas com formato próprio.  

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), os negros correspondem à maioria dos empresários do País. Entretanto, possuem o que corresponde à metade do empresário branco. Isto porque os negros geralmente empreendem em setores de menos lucro. 

Maria Alice, 23, mora em Cajazeiras, trabalha na lanchonete da mãe e prefere consumir de empreendedores negros por conta do menor preço e para potencializar a economia do bairro onde mora que, segundo ela, a maioria das produções são realizadas por pessoas negras. 

O publicitário e cofundador da Aceleradora Vale do Dendê, Paulo Rogério, chama a atenção para o caso brasileiro:  “O black money está chegando no Brasil para pensar essa economia negra, que surge das comunidades e que tem a ver com um novo olhar sobre a participação econômica dessa comunidade”.

“A comunidade negra não foi protagonista de nenhum ciclo econômico no Brasil” – Paulo Rogério (Vale do Dendê)

Ouça o podcast com Paulo Rogério:

FAÇA SUA HISTÓRIA NEGRA AGORA

Articulando estratégias mais diretas de inserção da comunidade negra na economia, afro-americanos criaram, entre si, um movimento de incentivo para migrar investimentos de bancos brancos para bancos negros, que ficou conhecido como o Bank Black Challenge – ou Desafio do Banco Negro.

Sim, no Tio Sam há bancos de propriedade negra.  O OneUnited, por exemplo, é atualmente  o maior banco de propriedade de negros e primeiro banco de internet negro dos EUA. 

Print de uma imagem da home do OneUnited Bank.

Quando um dos primeiros bancos, com esse recorte foi fundado, o  Unity Bank, em 1968, já existiam 14.000 bancos comerciais nos Estados Unidos, dos quais apenas 20 eram controlados pelos negros.  “O Banco com um Propósito!”, era o slogan do Unity Bank. 

EMPREENDEDORISMO COM PROPÓSITO

Apesar da falta de bancos comerciais com recorte étnico e da dificuldade de acesso ao crédito, redes de colaboração no Brasil sempre existiram. São dessas fontes que afrobrasileiros bebem, comem, vestem e geram renda.

A Feira Preta, por exemplo, é considerada como o maior evento de empreendedorismo negro da América Latina. Idealizada por Adriana Barbosa, a iniciativa já existe há 16 anos. No início era apenas um espaço, em São Paulo, onde ela e a amiga vendiam roupas que não usavam mais e logo depois ganhou a proposta de feira, onde a ideia era vender produtos feitos por pessoas negras para pessoas negras. De 2002 para cá, a Feira Preta viveu momentos de altos e baixos e resistiu para existir no cenário de São Paulo. Hoje, ganhou escala e já chegou também no Rio de Janeiro, Brasília e São Luís, e já arrecadou cerca de 4,5 milhões para 900 expositores.

Na Bahia, despontou há um ano o Afrobox, primeiro box multimarcas do Brasil focado em moda afro. Idealizada por Yan Ragede, a iniciativa nasceu em Salvador e reúne marcas que trabalham com moda e acessórios. Segundo Yan, ele decidiu criar a Afrobox e convidar afroempreendedores de moda afro em Salvador por conta das barreiras sofridas pelo empreendedor negro, principalmente aqueles que trabalham com moda e acessórios, pois existe ainda a dificuldade de locais adequados para os produtos, além da questão de preço e identidade.

“Logo após decidi dedicar a minha vida a combater o racismo e como forma estratégica vi que a melhor saída seria através do empreendedorismo” – Yan Ragede (Afrobox)

Historicamente, desde a diáspora africana que existem iniciativas e formas de os negros se organizarem e colaborarem entre si. Um grande exemplo, citado por Yan, é a Sociedade Protetora dos Desvalidos, que foi criada por um grupo de homens negros com o objetivo de comprar cartas de alforria para ajudar os escravizados a conseguirem sua liberdade.

Com isso, o empreendedor afirma que não considera a Afrobox como um modelo inédito, segundo ele, o diferencial da marca foi a coragem de colocar a cara na rua e convidar afroempreendedores assumindo critérios pautados em dados estatísticos que comprovam a importância disso. “Todo esse contexto é só para elencar que o Black Money, assim como o empreendedorismo negro, não é algo inédito, e o Afrobox, assim como outros coletivos negros são representações de nossos ancestrais que sempre lutaram pela emancipação”, afirma Yan.

BLACK MONEY DO GUETO

Segundo pesquisa do Data Favela para o Sebrae, de cada 10 moradores das favelas brasileiras, 4 tem vontade de empreender. Ainda de acordo com o estudo, 12,3 milhões de pessoas vivem nas favelas do Brasil e movimentam uma economia de 68,6 bilhões.

Mesmo se dividindo entre o trabalho fixo em um restaurante, Adriano Soares tirou o sonho de ser empreendedor do papel. Morador do bairro Nordeste de Amaralina, em Salvador, criou uma marca de roupas Produto Dugueto, com a proposta de fazer algo da favela, pensando em uma estética que dialogasse com as coisas que esse público quer e não encontra. 

Campanha de divulgação da Produto Dugueto
FOTO: @helesalomao

“É o que eu realmente gosto de fazer, mas me limito por causa do meu trabalho fixo. Tem questões de entrega, tempo para comprar e até participações em eventos grandes que eu precisei recusar por causa do trabalho fixo”, afirma. Mas o jovem negro não desanima, segundo ele, a marca já está em boa parte do Brasil e já lançou uma coleção no Rio que fez muito sucesso e já possui uma porcentagem de seguidores quase chegando aos números de Salvador. “Isso é bom porque favela não é só aqui, favela é em todo lugar”, finaliza ele.

Ashley Malia é repórter-estagiária do Correio Nagô, com a colaboração e supervisão da jornalista Donminique Azevedo

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