Desde que os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, há mais de 500 anos, eles exploraram, inicialmente, a mão de obra indígena. Mas o contato com os homens brancos foi péssimo para a saúde dos indíos. Além disso, os nativos conheciam muito bem o território e fugiam com facilidade.
Por razões econômicas e também em busca de mão de obra qualificada, os portugueses começaram a trazer africanos escravizados para o Brasil. Os negros eram obrigados a vir para um país estranho, numa travessia de barco que levava meses, em condições precárias, para trabalhar forçado.
Mas as regras duras da chibata não foram aceitas sem luta. Os negros escravizados resistiram da forma que puderam. “Falar das lutas negras é falar disso, dos enfrentamentos, dos embates do outro lado do Atlântico, na travessia, do lado de cá do Atlântico. Eu costumo pensar na resistência de uma forma muito ampla”, destaca o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília.
Para ele, o termo que define a retirada dos negros do Continente Africano é sequestro. “Este sequestro realmente foi algo absurdo, inominável. O Brasil foi o país que mais importou população africana. Dentro daquele universo de extrema violência existiam articulações coletivas para, de alguma forma, tentar minar o sistema”, ressaltou.
A resistência sempre foi a palavra de ordem de quem era forçado ao trabalho escravo. Mas não foi fácil. Os negros foram caçados e perseguidos. Por isso, procuravam não ficar sozinhos. Em comunidade, era mais fácil sobreviver.
Os locais de refúgio começaram a se formar logo após a chegada dos primeiros navios negreiros ao Brasil. Nasciam, assim, os chamados quilombos. O mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, data do fim do século XVI. Isso quer dizer que pouco depois do início da escravidão, os primeiros negros já começaram a fugir.
A herança de quem fugiu da escravidão ainda é viva entre os quilombolas. Sirilo Rosa, presidente da Associação Quilombo Kalunga, comunidade no interior de Goiás, conta um pouco da história que já escutou. “Eu ouvia nossos antepassados falarem que tinha um lugar chamado quilombo mas que eles não sabiam onde era. [Diziam] que esse lugar chamado de quilombo era onde o pessoal que foi escravo fugia e ia pra lá”, lembra. “Era um lugar isolado e que não tinha nem estrada pra chegar. Eles saíam das casinhas deles, mas não deixavam trilha. Saíam de um lado e chegavam por outro”.
A jovem quilombola Edmeia Batista Costa, da comunidade Kaonge, em Cachoeira, na Bahia, também conhece a história de quem veio antes. “A gente sabe que os antepassados lutaram muito. Muitos apanharam no chicote. Agora a gente não tem mais isso. Graças a Deus, a escravidão já acabou e eles passaram para gente o trabalho e a luta deles para a gente continuar”, conta.
O Brasil têm mais de duas mil e quatrocentas comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Elas estão espalhadas em 24 estados e se organizam de forma diferente. A maioria vive da agricultura de subsistência. Ou seja, eles produzem na roça praticamente tudo o que precisam. É o caso de dona Leotéria, lavradora Kalunga. Ela planta mandioca, arroz, milho, cana, feijão de corda, além de frutas, hortaliças e ervas medicinais.
Dona Leotéria diz que nem sempre é fácil, mas que já viveu dias mais difíceis no passado. “Já foi sofrida a nossa vida. Uma parte foi boa e outra sofrida mas, graças a Deus, nós sobrevivemos. Não tinha rodagem [estrada] por aqui, não tinha médico. A pessoa adoecia, levava para Cavalcante [um dos municípios que compõem o território Kalunga, distante 30km da comunidade] na rede”, recorda. “Hoje está melhor porque já tem médico, já tem muitas coisas. Hoje já tem até o posto [de saúde] aqui, também. Uma hora tem médico, outra hora não tem. Mas a hora que tem já serve”, resigna-se.
De acordo com a Fundação Cultural Palmares, apenas os estados do Acre e de Roraima e o Distrito Federal não contam com esses remanescentes. Mais de 200 processos de certificação ainda estão sendo analisados e mais de 500 comunidades foram identificadas pela fundação como quilombolas, mas não solicitaram a Certidão de Autodefinição, já que o primeiro passo para ser quilombola, é se reconhecer como tal.
É o famoso sentimento de identidade, como explica Juvani Jovelino, Líder Espiritual da Comunidade Kaonge, na Bahia. “Ser quilombola é você saber [a origem] os 50% do seu sangue. Não é só negro que é quilombola, porque existe branco também que é quilombola porque tem 50% do sangue que ele não procurou saber de onde vem.”
Fonte: Portal EBC