Consideram essa parcela “diversa” da população como potencial consumidor (a), mas não como potencial funcionário (a), gestor (a), conselheiro (a), talentos que podem agregar valor ao quadro de funcionários e líderes da empresa.
O mercado de trabalho, assim como a maioria das outras áreas, mostra-se excludente. O padrão existe: homem, branco e heteronormativo. O que destoa disso não se “enquadra”.
No entanto, diversidade é a palavra do momento. As empresas querem seu nome ligado às ações de promoção da igualdade. Porém, a diversidade posta na propaganda da empresa, muitas vezes, não condiz com o quadro de funcionários.
Trabalhando há 13 anos em grandes empresas, Liliane Rocha já fez carreira dentro destas perpassando por cargos de base até cargos de gestão. Há dois anos fundou a Gestão Kairós – consultoria especializada de Sustentabilidade e Diversidade, passo suficiente para conhecer a cultura de diversas empresas, incluindo Relatórios de Sustentabilidade e ações.
Com base nos estudos, Liliane, em entrevista ao Portal Correio Nagô aprofunda o tema diversidade no mercado de trabalho e explica o termo “Diversitywashing”.
Correio Nagô – Porque o termo “Diversitywashing”, criado por você, se encaixa bem ao contexto do mercado de trabalho do Brasil?
Liliane Rocha – Tenho notado que algumas empresas realizam um trabalho excelente e estruturado de valorização da diversidade e às vezes comunicam suas iniciativas, algo que considero excelente. Mas temos aqueles que deixam de comunicar, pois pensam em fazê-lo só depois das iniciativas estarem mais evoluídas ou maduras, para só quando chegarem nesse momento, divulgarem suas boas práticas. No entanto, há também aquelas empresas com trabalho incipientes de Diversidade e Inclusão da porta para dentro e que começaram a se posicionar no tema, seguindo a “onda” do momento. Consideram essa parcela “diversa” da população como potencial consumidor (a), mas não como potencial funcionário (a), gestor (a), conselheiro (a), talentos que podem agregar valor ao quadro de funcionários e líderes da empresa.
Por isso, o termo “Diversitywashing” em analogia ao termo “Greenwashing” muito utilizado na Sustentabilidade que significa “lavagem verde”, referindo-se a empresas que se posicionam de forma superestimada em relação ao que realmente realizam na Gestão para Diversidade, fazendo com que os diversos sintam conexão com o produto e serviço, sem que venham a – de fato – ter possibilidades reais de ingressar nestas mesmas empresas, ou de nelas ascender profissionalmente.
Temos essa prova quando olhamos “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas brasileiras” do Instituto Ethos referente aos anos de 2007, 2010 e 2016.
Ou seja, os avanços vêm acontecendo, mas passos lentos e de 2010 para 2016 praticamente estagnaram. Quando olhamos para a alta liderança das empresas, hierarquia na qual a tomada de decisão realmente acontece, os diversos somem. E, certamente, continua não refletindo nas empresas a presença dessa população na sociedade.
CN – Você avalia a porcentagem de minorias (negro, mulher e pessoas com deficiência) no quadro funcional e executivo das empresas. Porém, num recorte ainda maior, como você percebe a mulher negra nesse mercado de trabalho?
L.R. – Os estudos apontam, e eu concordo, a mulher negra é a que mais sofre no contexto da ausência da valorização da diversidade e inclusão, pois há uma dupla discriminação. Há um duplo peso identitário: ser mulher e ser negra.
Sabemos, por exemplo, que as mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego. Segundo dados do estudo Retrato das desigualdades de gênero e raça, do Ipea, enquanto o desemprego atinge 5,3% dos homens brancos, 6,6% dos homens negros e 9,2 das mulheres brancas. Entre as mulheres negras, ultrapassa os 12%.
Será, por exemplo, que a população negra compraria produtos de uma empresa que posiciona seu marketing para esse público se soubesse que caso tentasse uma vaga naquela empresa jamais passaria no processo por sua raça; etnia?
CN – Qual sua percepção acerca do uso da diversidade racial e de gênero nas campanhas propagandistas das empresas, mas que não refletem no quadro de funcionários do executivo destas? Seria uma campanha só pelo lucro ou um passo da caminhada até a real valorização da diversidade?
L.R. – Acredito que toda forma de visibilidade positiva para grupos diversos é fundamental. Eu nasci e cresci em um país no qual não vi meu reflexo na mídia ao longo da minha infância e juventude. Ou seja, sim, sempre celebro quando vejo diversos em propagandas.
O ponto de atenção, no entanto, é que se o único, ou o principal, motivo para as empresas passarem a reconhecer os diversos no marketing e na comunicação, for aumentar a sua parcela de consumidores, a legitimidade da ação para mim é questionável.
A empresa tem que realmente acreditar na diversidade como valor para a gestão empresarial devido a questões de direitos humanos e vantagem competitiva. Tendo negros, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTs, entre outros, tanto em seu quadro funcional, como na alta liderança. Comunicação, neste caso, é consequência do processo de valorização da diversidade.
Será, por exemplo, que a população negra compraria produtos de uma empresa que posiciona seu marketing para esse público se soubesse que caso tentasse uma vaga naquela empresa jamais passaria no processo por sua raça; etnia? Ou se caso nela entrasse, jamais teria oportunidade de ascensão?
Por isso, quando atuo junto às empresas como consultora, sempre viabilizo um plano de ação no qual recomendo que a primeira ação que tem de tomar é sensibilizar e engajar o público interno, junto com a viabilização de ações contratação, retenção e desenvolvimento de diversos, para aí sim, partir para a comunicação/divulgação para o público externo, com propriedade e legitimidade.
CN – Num breve resumo qual sua avaliação sobre a diversidade do mercado e seus meios de marketing?
L.R. – O próprio mercado do Marketing não é composto por profissionais diversos, basta pensar em quais pessoas vêm em nossa mente quando pensamos em profissionais dessa área. Dito isso, idealizei e ministro aulas, na ESPM SP, no curso Diversidade e Marketing: Sendo Inclusivo e não Preconceituoso. Neste curso, demonstro para profissionais de áreas diversas a importância e o poder da comunicação consciente em prol da Valorização da Diversidade. Falamos sobre a importância de incluir grupos diversos no marketing, por quais motivos e como, sempre pautando o processo na mudança cultural e consistente da empresa que idealmente deve ser respaldada pela comunicação interna e do endomarketing envolvendo funcionários como um primeiro público que faz a mudança acontecer na empresa.
Garantindo que as empresas não reproduzam preconceitos em sua publicidade, ou que não reproduza estereótipos mesmo ao falar de diversidade. Por exemplo: pessoas homossexuais são sempre brancas? Negros só podem estar em evidência até um certo tom de pele, cadê a Viola Davis do Brasil? Ou por nicho, negros aparecem em comerciais de varejo e moda, mas não na publicidade da linha alto padrão de um banco? LBGTs sempre que os produtos forem de tecnologia? Pode ser pessoa com deficiência e homossexual, judeu e afins? Ou seja, mesmo quando as empresas tentam falar de diversidade reproduzem conceitos e pré-conceitos e isso precisa mudar. A riqueza do ser humano é que cada um de nós é um pouco de tudo, com as mais diversas singularidades.
CN – Poderia explicar um pouco sobre o curso que está organizando na ESPM e dizer porque este curso se faz necessário?
L.R. – Quando resolvemos fazer esse curso a ESPM nos abriu as portas para refletirmos diversidade em uma Faculdade renomada e tradicional, que certamente forma muitas das futuras lideranças do mercado, isto em um contexto acadêmico no qual a valorização da diversidade está em processo de construção.
Assim, o nosso objetivo é expandir a compreensão sobre questões teóricas e práticas relacionadas à Diversidade na estratégia de comunicação, marketing e publicidade e propaganda das empresas, bem como no desenvolvimento de produtos e serviços de forma a assegurar a criação de valor e satisfação junto a públicos diversos (gênero, etnia, orientação sexual, pessoas com deficiência, diferentes idades, religiões). Sempre de forma coerente e sinérgica às práticas internas da empresa. Além de assegurar a abrangência da população e a geração de valor.
Joyce Melo é repórter do Portal Correio Nagô.