Home » Blog » “Negros só podem estar em evidência até um certo tom de pele, cadê a Viola Davis do Brasil?”

“Negros só podem estar em evidência até um certo tom de pele, cadê a Viola Davis do Brasil?”

Consideram essa parcela “diversa” da população como potencial consumidor (a), mas não como potencial funcionário (a), gestor (a), conselheiro (a), talentos que podem agregar valor ao quadro de funcionários e líderes da empresa.

O mercado de trabalho, assim como a maioria das outras áreas, mostra-se excludente. O padrão existe: homem, branco e heteronormativo. O que destoa disso não se “enquadra”.

No entanto, diversidade é a palavra do momento. As empresas querem seu nome ligado às ações de promoção da igualdade. Porém, a diversidade posta na propaganda da empresa, muitas vezes, não condiz com o quadro de funcionários.

Trabalhando há 13 anos em grandes empresas, Liliane Rocha já fez carreira dentro destas perpassando por cargos de base até cargos de gestão. Há dois anos fundou a Gestão Kairós – consultoria especializada de Sustentabilidade e Diversidade, passo suficiente para conhecer a cultura de diversas empresas, incluindo Relatórios de Sustentabilidade e ações.

Liliane Rocha é fundadora da  Gestão Kairó. É mestranda em Politicas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV com a Tese Diversidade na Sustentabilidade, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, MBA em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada em Relações Públicas

Liliane Rocha é fundadora da Gestão Kairó. É mestranda em Politicas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV com a Tese Diversidade na Sustentabilidade, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, MBA em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada em Relações Públicas

Com base nos estudos, Liliane, em entrevista ao Portal Correio Nagô aprofunda o tema diversidade no mercado de trabalho e explica o termo “Diversitywashing”.

Correio Nagô –  Porque o termo “Diversitywashing”, criado por você, se encaixa bem ao contexto do mercado de trabalho do Brasil?

Liliane Rocha – Tenho notado que algumas empresas realizam um trabalho excelente e estruturado de valorização da diversidade e às vezes comunicam suas iniciativas, algo que considero excelente. Mas temos aqueles que deixam de comunicar, pois pensam em fazê-lo só depois das iniciativas estarem mais evoluídas ou maduras, para só quando chegarem nesse momento, divulgarem suas boas práticas. No entanto, há também aquelas empresas com trabalho incipientes de Diversidade e Inclusão da porta para dentro e que começaram a se posicionar no tema, seguindo a “onda” do momento. Consideram essa parcela “diversa” da população como potencial consumidor (a), mas não como potencial funcionário (a), gestor (a), conselheiro (a), talentos que podem agregar valor ao quadro de funcionários e líderes da empresa.

Por isso, o termo “Diversitywashing” em analogia ao termo “Greenwashing” muito utilizado na Sustentabilidade que significa “lavagem verde”, referindo-se a empresas que se posicionam de forma superestimada em relação ao que realmente realizam na Gestão para Diversidade, fazendo com que os diversos sintam conexão com o produto e serviço, sem que venham a – de fato – ter possibilidades reais de ingressar nestas mesmas empresas, ou de nelas ascender profissionalmente.

Temos essa prova quando olhamos “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas brasileiras” do Instituto Ethos referente aos anos de 2007, 2010 e 2016.   

[INFO] Quadros-01

FONTE: instituto ETHOS

Ou seja, os avanços vêm acontecendo, mas passos lentos e de 2010 para 2016 praticamente estagnaram. Quando olhamos para a alta liderança das empresas, hierarquia na qual a tomada de decisão realmente acontece, os diversos somem. E, certamente, continua não refletindo nas empresas a presença dessa população na sociedade.

CN – Você avalia a porcentagem de minorias (negro, mulher e pessoas com deficiência) no quadro funcional e executivo das empresas. Porém, num recorte ainda maior, como você percebe a mulher negra nesse mercado de trabalho? 

L.R. – Os estudos apontam, e eu concordo, a mulher negra é a que mais sofre no contexto da ausência da valorização da diversidade e inclusão, pois há uma dupla discriminação. Há um duplo peso identitário: ser mulher e ser negra.

Sabemos, por exemplo, que as mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego. Segundo dados do estudo Retrato das desigualdades de gênero e raça, do Ipea, enquanto o desemprego atinge 5,3% dos homens brancos, 6,6% dos homens negros e 9,2 das mulheres brancas. Entre as mulheres negras, ultrapassa os 12%.

Será, por exemplo, que a população negra compraria produtos de uma empresa que posiciona seu marketing para esse público se soubesse que caso tentasse uma vaga naquela empresa jamais passaria no processo por sua raça; etnia?

CN – Qual sua percepção acerca do uso da diversidade racial e de gênero nas campanhas propagandistas das empresas, mas que não refletem no quadro de funcionários do executivo destas? Seria uma campanha só pelo lucro ou um passo da caminhada até a real valorização da diversidade? 

L.R. – Acredito que toda forma de visibilidade positiva para grupos diversos é fundamental. Eu nasci e cresci em um país no qual não vi meu reflexo na mídia ao longo da minha infância e juventude. Ou seja, sim, sempre celebro quando vejo diversos em propagandas.

O ponto de atenção, no entanto, é que se o único, ou o principal, motivo para as empresas passarem a reconhecer os diversos no marketing e na comunicação, for aumentar a sua parcela de consumidores, a legitimidade da ação para mim é questionável.

A empresa tem que realmente acreditar na diversidade como valor para a gestão empresarial devido a questões de direitos humanos e vantagem competitiva. Tendo negros, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTs, entre outros, tanto em seu quadro funcional, como na alta liderança. Comunicação, neste caso, é consequência do processo de valorização da diversidade.

Será, por exemplo, que a população negra compraria produtos de uma empresa que posiciona seu marketing para esse público se soubesse que caso tentasse uma vaga naquela empresa jamais passaria no processo por sua raça; etnia? Ou se caso nela entrasse, jamais teria oportunidade de ascensão?

Por isso, quando atuo junto às empresas como consultora, sempre viabilizo um plano de ação no qual recomendo que a primeira ação que tem de tomar é sensibilizar e engajar o público interno, junto com a viabilização de ações contratação, retenção e desenvolvimento de diversos, para aí sim, partir para a comunicação/divulgação para o público externo, com propriedade e legitimidade.

CN – Num breve resumo qual sua avaliação sobre a diversidade do mercado e seus meios de marketing?

L.R. – O próprio mercado do Marketing não é composto por profissionais diversos, basta pensar em quais pessoas vêm em nossa mente quando pensamos em profissionais dessa área. Dito isso, idealizei e ministro aulas, na ESPM SP, no curso Diversidade e Marketing: Sendo Inclusivo e não Preconceituoso. Neste curso, demonstro para profissionais de áreas diversas a importância e o poder da comunicação consciente em prol da Valorização da Diversidade. Falamos sobre a importância de incluir grupos diversos no marketing, por quais motivos e como, sempre pautando o processo na mudança cultural e consistente da empresa que idealmente deve ser respaldada pela comunicação interna e do endomarketing envolvendo funcionários como um primeiro público que faz a mudança acontecer na empresa.

Photo: Jeff Kravitz/FilmMagic

Photo: Jeff Kravitz/FilmMagic

Garantindo que as empresas não reproduzam preconceitos em sua publicidade, ou que não reproduza estereótipos mesmo ao falar de diversidade. Por exemplo: pessoas homossexuais são sempre brancas? Negros só podem estar em evidência até um certo tom de pele, cadê a Viola Davis do Brasil? Ou por nicho, negros aparecem em comerciais de varejo e moda, mas não na publicidade da linha alto padrão de um banco? LBGTs sempre que os produtos forem de tecnologia? Pode ser pessoa com deficiência e homossexual, judeu e afins? Ou seja, mesmo quando as empresas tentam falar de diversidade reproduzem conceitos e pré-conceitos e isso precisa mudar. A riqueza do ser humano é que cada um de nós é um pouco de tudo, com as mais diversas singularidades.

CN – Poderia explicar um pouco sobre o curso que está organizando na ESPM e dizer porque este curso se faz necessário? 

L.R. – Quando resolvemos fazer esse curso a ESPM nos abriu as portas para refletirmos diversidade em uma Faculdade renomada e tradicional, que certamente forma muitas das futuras lideranças do mercado, isto em um contexto acadêmico no qual a valorização da diversidade está em processo de construção.

Assim, o nosso objetivo é expandir a compreensão sobre questões teóricas e práticas relacionadas à Diversidade na estratégia de comunicação, marketing e publicidade e propaganda das empresas, bem como no desenvolvimento de produtos e serviços de forma a assegurar a criação de valor e satisfação junto a públicos diversos (gênero, etnia, orientação sexual, pessoas com deficiência, diferentes idades, religiões). Sempre de forma coerente e sinérgica às práticas internas da empresa. Além de assegurar a abrangência da população e a geração de valor.

Joyce Melo é repórter do Portal Correio Nagô.

 

scroll to top