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No ar, a diversidade racial brasileira

No artigo “Nossa elite é mais gringa do que parece”, o comunicólogo Paulo Rogério retrata a chegada ao Brasil de judeus, libaneses, japoneses e outros povos de pele branca de fora da Europa. Aqui, porém, obtiveram status semelhante a “italianos”, “espanhóis” e “alemães” imigrantes na I Guerra Mundial. Sem qualificação profissional, receberam todo o incentivo econômico para se tornarem empresários e políticos de sucesso e implementar o projeto de branqueamento da sociedade brasileira. Não é à toa, lembra o autor, que os sobrenomes europeus, japoneses e de algumas regiões do Oriente Médio sejam tão famosos no Brasil de hoje.

A família Khouri, de origem libanesa, na novela “Amor à Vida”

O texto foi escrito em 2010, mas se vê reforçado agora na novela “Amor à Vida”, onde o ideal de branquidade é tão perverso que não há personagens negros. Para tergiversar sobre a homogeneidade racial da novela e da própria Globo, utiliza-se o recurso do pertencimento nacional original como comprovante de diversidade nacional. Isso só é possível porque, no Brasil, os brancos preferem se intitular “judeus”, “filhos de libaneses”, “nascidos em família italiana”.

Poucos se afirmam como brancos e alguns até dizem que “não existe branco” por aqui. Essa cultura está relacionada ao mito da miscigenação racial, que confunde a miscigenação genética (e à base de estupros e outras formas de subjugação) com mistura de raças. Ao contrário, o Brasil levou as últimas consequências a associação entre cor e raça, de modo a garantir do reconhecimento dos sujeitos negros e manter intactos os privilégios e exclusões. Nessa conjuntura, afirmar a descendência estrangeira tornou-se uma forma de reivindicar a ascendência que importa.

Se os portugueses, em geral, não podem se diferenciar de africanos e indígenas devido aos séculos de mistura genética, os demais europeus têm esse privilégio garantido, pois sua árvore genealógica pode ser completamente retomada. Esse é o signicado da reivindicação tão comum no Brasil, de políticos como Eduardo Matarazzo Suplicy a renomados da imprensa como Mino Carta (origem italiana), de empresários como Roberto Civita a personalidades como Roberto Justus (judeus), de modelos como Ana Hickman a atrizes como Sophie Charlotte (teuto-descendentes).

É por isso que a Globo usa esse truque na novela Amor à Vida. O núcleo principal reúne uma família rica de origem libanesa com uma “típica pobre” família paulistana, mas ambas poderiam ser interpretadas por quaisquer atores e atrizes brancas, como manda a lógica do pertencimento racial brasileiro. A afirmação da descendência libanesa, portanto, não é válida para tergiversar a ausência de diversidade racial da novela. Tampouco derruba a dualidade racial brasileira, demarcada entre brancos versus negros e indígenas. Ao contrário até: denuncia a eficiência da política de branqueamento via imigração.

O que deve ficar nítido é que o sucesso dos descendentes europeus não apenas foi comprado com sangue e suor negros. Ele também teve pesado investimento do Estado, que financiou os estudos e os principais empreendimentos do imigrantes brancos e seus descendentes. E não parou de fazê-lo desde então. Há enorme transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos pelo Estado. Os impostos são distribuídos desigualmente: os mais pobres pagam mais, os mais ricos pagam menos. Já os investimentos em programas sociais e seguridade social são efêmeros diante dos gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. E as grandes iniciativas das empresas nacionais, no Brasil e no exterior, são financiados pelos bancos públicos.

É irônico, portanto, que os descendentes de europeus, judeus, libaneses e japoneses hoje reclamem de programas sociais como o Bolsa Família ou de medidas anti-ciclícas contra a desigualdade racial, como as cotas, a beneficiar os afrodescendentes.

Tais reflexões também demonstram a importância de conhecer a ancestralidade negra, cuja diversidade de nações sequestradas e trazidas para este continente permite reconstruir uma identidade negra de matriz africana. Como dizia Marcus Garvey, precursor do movimento panafricanista, “o povo que desconhece a sua história, sua origem e sua cultura, é como uma árvore sem raízes”. É preciso redescobrir a ciência, a história e os feitos dos nossos antepassados para perceber que um “Silva” ou um “Santos” jamais foi um “qualquer”.

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