Home » Revista » No Brasil, a cada três pessoas assassinadas, duas são negras.

No Brasil, a cada três pessoas assassinadas, duas são negras.

 

Epidemia é um termo popularmente conhecido para identificar doenças que se espalham sem controle. No caso da violência, a metáfora epidêmica é utilizada quando os efeitos são alastrados por diversos setores da sociedade, criando zonas de exclusão, e cooptando segmentos do poder público, que passam a responder mais às forças da criminalidade do que a população. No Brasil, a principal vítima dessa “doença” é a população negra, os locais de exclusão as favelas, e a referência dessa cooptação são as milícias e a falta de punição dos grupos de extermínio.

 

Essa é a avaliação do sociólogo Júlio Jacobo Waiselfiz, organizador do Mapa da Violência, responsável por sistematizar que o índice de vitimização da população negra é 139% superior aos brancos em 2010, enquanto em 2002 a taxa era de 45%. Nesse intervalo, aumentou em 23,4% o assassinato de negros. Enquanto isso, o tombo de brancos diminuiu: 27,5%. Em termos absolutos, em 2010 foram registrados 33 mil negros tombados, contra 14 mil brancos. Ou seja, a cada três vítimas, duas são negras.

 

Júlio Jacobo credita essa disparidade a dois fenômenos. O primeiro é que os investimentos em segurança pública foram para os bairros com poder de impacto na mídia: brancos e abastados. Outro fenômeno, considerado por ele mais grave, é a terceirização da segurança pública. Empresas privadas passaram a atuar no país nos últimos 15 anos, e promover a segurança da população branca e abastada. O sociólogo lembra que uma epidemia só é combatida ao isolar os setores afetados, e quanto aos recentes programas de combate à violência nos estados, como as UPP´s no Rio de Janeiro e o Pacto pela Vida, em Pernambuco e na Bahia, o pesquisador alega que ainda não é possível chegar à conclusão sobre a eficácia por terem sido implementados há pouco tempo.

Enquanto espera-se uma avaliação objetiva sobre essas ações, setores do movimento negro se posicionaram de forma contrária às medidas até então adotadas pelos governos. Em carta pública no último dia 24 de agosto, a Campanha Reaja ou será morto(a)! classifica o programa baiano Pacto pela Vida como práticas de militarização que “remontam ao processo de escravidão ao qual foi submetida a população negra”, e que a maioria dos territórios ocupados têm relação estreita com a especulação imobiliária. A campanha reivindica a Federalização dos casos que envolvem crimes de policiais e grupos de extermínio, e o fortalecimento do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita).

violencia infancia

Juventude

Três outros recortes do Mapa da Violência cruzam-se de forma mais intensa com a questão racial na pesquisa relativa a 2010. O primeiro deles é de gênero: a maioria dos assassinatos atinge os homens (91,4%). O segundo é regional: o Nordeste é onde se encontram as maiores disparidades raciais nos homicídios. Na região, a taxa de vitimização da população negra é 395% maior que a branca. O terceiro recorte é de faixa etária: o índice de vitimização de jovens negros é 134,2% superior aos brancos, conforme dados de 2008, quando foi feito esse cruzamento.

 

O governo “herdeiro” de Lula, Dilma Rousseff, começa a ficar ciente que esses números podem causar estragos significativos na imagem internacional e nacional, caso sejam solidificados como pauta prioritária na sociedade. Atualmente o Governo Federal tem articulado um Plano para o enfrentamento à violência da juventude negra. A iniciativa envolve 13 ministérios, e precisa da assinatura da presidenta para ser de fato implementado. Fernanda Papa, assessora da Secretaria Nacional de Juventude, explica que essa é a prioridade da pasta: “O Plano vai focar nos municípios com os maiores índices. A ideia é onde já existam políticas [como Pacto pela Vida na Bahia e Pernambuco] possam ser quantificadas a partir de diagnóstico e metas a serem perseguidas”. Fernanda também ressalta que é um Plano de prevenção ao envolver um pacote de direitos, mas também de repressão às milícias e tráfico de drogas.

 

Hamilton Oliveira, o DJ Branco, integrante do CMA Hip Hop, tem participado da montagem do Plano e explica o caráter de pactuação política. Ele ressalta que Encontro da Juventude Negra (Enjune), em 2007, tirou o combate à violência como meta, o que reverberou como prioridade na última Conferência Nacional de Juventude, e agora na Secretaria Nacional de Juventude. Branco reside no Bairro da Paz, em Salvador. A comunidade é o próximo alvo do programa do governo do estado, o Pacto pela Vida, uma junção entre estratégias já adotadas pelos governos do Rio de Janeiro e de Pernambuco para conter a violência.

 

scroll to top