Desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón assumiu o poder e cedeu aos militares a segurança interna do país, nos moldes ditados por Washington, foram assassinados 67 jornalistas. Essa cifra chega a 95 assassinatos caso a contagem inicie em 2000. “Policiais e militares frequentemente operam como informantes, quando não como matadores, a serviço dos cartéis. Por isso, a última coisa que fazemos quando recebemos uma ameaça é avisar as autoridades; fazer isso seria dar um aviso aos narcos”, relata jornalista. O artigo é de Dario Pignotti.
Cidade Juarez – A noticia da semana passada na Província de Chihuahua, fronteira com os Estados Unidos, foi o assassinato do jornalista local Abel López. Poucos dias antes, o fato que dominou as manchetes locais tinha sido a morte “num tiroteio com militares da Marinha” de El Lazca, chefe dos Zetas, o cartel formado por desertores do exército e provavelmente o mais temido pelos repórteres.
“Desde que começou o confronto aberto entre militares e narcotraficantes, e dos narcotraficantes entre si, há 6 anos, a guerra é nosso tema central, temos um quadro onde anotamos quantos mortos há por semana; é a estatística da ignomínia”, relata Rocio Gallego Rodríguez, jornalista do El Diario, de Cidade Juárez, o epicentro da violência em Chihuahua. “Os jornalistas foram acostumados a conviver com o risco, porque informar pode implicar a vida. E isso não ocorre somente nesta cidade, particularmente insegura, e em nosso estado, estou para te dizer que o pior é o quadro (no estado de) Tamaulipas, para fazer jornalismo sério, veraz, sem ceder à pressão dos traficantes, da política e dos militares; é uma profissão perigosa em todo o norte mexicano”.
“E a população vive uma situação ambígua: por um lado as pessoas estão aterrorizadas e, por outro, foram se acostumando a sair de suas casas aceitando que podem morrer num tiroteio quando levam seus filhos para a escola ou vão ao supermercado”.
Rocio Gallego Rodríguez me recebe em seu escritório da editoria do El Diario, um dos veículos mais assediados pelas máfias que dominam Chihuahua, por onde se envia boa parte da cocaína consumida no mercado estadunidense e por onde ingressam, via contrabando, fuzis e armas antiaéreas procedentes do Texas ou da Califórnia.
Os Zetas e o Cartel de Sinaloa “estão combatendo pelo controle deste lugar estratégico que é Cidade Juárez. Na linha de frente há sicários terríveis, eles matam até por gosto de se exibirem e serem temidos, andam em suas super caminhonetes, vestindo roupas caras, escutam seus “narcocorridos”. Ao redor de tudo isso há uma cultura com códigos. Você os vê e diz ‘aqui está um atirador’ ou atiradora, que também existem”.
É certo que a presença do tráfico pode se sentir em cada canto de Cidade Juárez, onde brotam ilhas de prosperidade kitsch financiadas por narcodólares. A uma quadra da sede do El Diario, na Avenida Paseo del Triunfo de la Republica, encontra-se o Hospital público de vários andares que anos atrás era uma das tantas propriedades de um traficante ‘e as autoridades depois de expropriarem-na, optaram por instalar ali um centro médico para que o capo não pudesse recuperá-lo”, conta Adolfo Castro Giménez, da Comissão de Direitos Humanos de Chihuahua.
No pequeno aeroporto de Cidade Juárez, cercado de colinas desérticas e sob custódia militar, as estantes de sua única loja de conveniência exibem livros como “México Narco”, “Cartel dos Sapos”, “Os Senhores do Narco”.
Diego Osorio é oriundo de Monterrey, outra das capitais do norte devoradas pela barbárie, e autor de “A guerra dos Zetas”, um livro que, segundo revelou numa entrevista publicada ontem (20/10) “escrevi porque tinha muito medo e minha forma de controlar o meu medo é fazer jornalismo. A gente vive coisas espantosas…depois d uma matança que deixa 49 torsos humanos nos arredores de Monterrey eu não posso viver minha vida de maneira normal”.
“O jornalismo é um jogo, mas nesta região é um jogo de vida ou morte, e a morte vem ganhando…creio que o jornalismo dessa região (norte) é mais nobre, porque não se rendeu”, sustenta Osorio.
Rocio Gallego Rodríguez vai na mesma linha, quando observa que “aqui, seguimos lutando para poder escrever notícias da guerra, sabendo que não podemos nos expor em demasia: algumas histórias não são assinadas, algumas fotos tampouco publicam o nome do fotojornalista”. “Aprendemos que, quando te é feita uma ameaça, é coisa séria. Nesta redação temos dois companheiros assassinados: Armando Rodriguez, em novembro de 2008 e Luis Carlos Santiago Orozco, em setembro de 2010. Até agora os dois assassinatos seguem impunes. E outro companheiro, Carlos Sánchez, sobreviveu depois que o carro em que estava foi alvejado por dezenas de tiros”.
Desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón, um conservador extremista, assumiu o poder, cedeu aos militares a segurança interna do país, nos moldes ditados por Washington. Foram assassinados, desde então, 67 jornalistas. Essa cifra chega a 95 assassinatos e 15 desaparecimentos, caso a contagem comece no ano 2000. Chihuahua e Tamaulipas com 13 mortos, cada uma em 12, são as províncias mais violentas.
Rocio acaba de voltar de Chiapas, a província sulina que foi cenário do levante zapatista em 1994, onde participou de um encontro com outros jornalistas com experiência de cobertura de guerras.
“Um dos temas que sempre analisamos com os colegas é como se deforma a informação, os enfrentamentos que não se publicam, as desaparições que ninguém registra, porque não são denunciadas. Há que se receber as estatísticas de vítimas desse conflito com desconfiança, porque as autoridades te ocultam e mentem, e este governo não é uma fonte confiável”.
Mais: polícias e militares, cada vez mais corrompidos, frequentemente operam como informantes, quando não como matadores, a serviço dos cartéis. Por isso, “a última coisa que fazemos quando recebemos uma ameaça é dar parte às autoridades; fazer isso seria como dar um aviso aos narcos. Nossa forma de nos proteger é armando uma rede telefônica entre nós, e cuidarmos uns dos outros. Os narcos e, muitas vezes, a polícia, são nossa ameaça”.
Dario Pignotti, de Cidade Juárez
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior