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No peito e na raça: mulheres negras no poder em Salvador – Vereadora Marta Rodrigues (PT)

*Cláudia Correia

Foto: Will Vieira

Neste “Julho das Pretas” a Jornalista Cláudia Correia preparou, especialmente para o Correio Nagô, a série “No peito e na raça: mulheres negras no poder em Salvador”.E dando início à série de entrevistas, conheçam um pouco mais da Vereadora é Marta Rodrigues, do Partido dos Trabalhadores: 

Mulher negra, mãe, feminista, antirracista, professora, exerce o terceiro mandato como Vereadora de Salvador (PT). Foi reeleita no dia 15 de novembro de 2020, sendo a edil mais votada da sigla. Graduada em Letras pela UCSAL, especialista em Direitos Humanos pela UNEB e em Politicas Públicas pela UNICAMP. Atualmente é presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Democracia Makota Valdina, e diretora da Escola do Legislativo Péricles Gusmão Regis, e líder da bancada de oposição da Câmara Municipal de Salvador.


Como a senhora analisa o racismo no Brasil? Há avanços obtidos pela sociedade no combate  a esse crime?

Convivemos com o racismo no Brasil todos os dias, consequência de uma sociedade escravocrata que até hoje não consegue aceitar  a ascensão da população negra. 

Embora vivamos num país onde 80% da população se autodeclare negra, o racismo está todo dia nos matando, seja por meio do Estado, com uma polícia que tem em sua história a visão de que o negro é sempre criminoso, como por meio da falta de políticas públicas para permitir que o negro ocupe seu lugar no mercado de trabalho e tenha seus direitos garantidos. Infelizmente, o Brasil é um país extremamente racista e esta realidade só vai mudar quando conseguirmos fazer valer a lei, os direitos humanos e, principalmente, fazer valer em todas as jurisdições que o racismo é crime. Ao longo dos anos, tivemos avanços, mas ainda poucos, a exemplo do Estatuto Nacional da Igualdade Racial e Contra a Intolerância Religiosa, criado em 2010, conquista dos movimentos sociais ao lado do governo do PT.  Este estatuto foi um marco para o país, pois conseguiu nortear e reunir num estatuto uma gama de lutas do movimento negro. 

O racismo no Brasil, volto a dizer, é algo que para acabar será preciso não só a união dos movimentos e dos parlamentos, mas também de toda a sociedade.  Ainda vivemos sob o autoritarismo do atual governo, que retira todas as políticas públicas voltadas para nosso povo.  Temos exemplos constantes de que continuamos escravos da opressão, dos resquícios da colonização. 

Como a senhora vê a presença da mulher negra na política no Brasil e os desafios que se colocam para essa participação?

Ainda é muito baixa a presença da mulher na política brasileira, que dirá das mulheres negras. Temos no Congresso apenas 15% de representantes mulheres, sendo que somos a maioria populacional e a maioria de eleitoras. Então, é um número muito pequeno. 

A ocupação de mais mulheres na política enfrenta diversos desafios, e um deles é o machismo inerente à nossa sociedade. A mulher é sempre colocada em segundo plano, em posição de subalternidade dentro dos espaços familiares, e isso impede até mesmo de que elas se sintam capazes de estar em espaços de poder. Mas esta realidade está sendo aos poucos quebrada à medida em que nos movimentamos, nos reunimos, seja nas associações, nos movimentos sociais ou em diversos outros espaços. 

Uma das formas de combater essa baixa ocupação de mulheres é permitindo-lhes o direito de estudar, de obter conquistas. E o Estado é fundamental nesse processo. Aqui em Salvador, por exemplo, conseguimos aprovar uma lei que cria o espaço de acolhimento noturno em creches, uma forma de permitir que as mulheres trabalhem e estudem, tendo onde deixar seus filhos. Mas esta lei foi vetada pelo prefeito anterior, o que é um grande retrocesso. São políticas públicas como estas que nos empoderam. As mulheres no Brasil, além de maioria populacional, são responsáveis em chefiar os lares. Então, por mais que tentem nos subjugar, estamos sempre à frente na luta.  São muitos os desafios, a começar por fazer valer políticas públicas de inclusão, de paridade de gênero e de luta contra a violência contra a mulher. 

Como o seu mandato tem atuado especificamente para defender e assegurar os direitos das mulheres e em particular das mulheres negras?

De várias formas, sempre buscando criar políticas públicas de empoderamento e de inclusão no mercado de trabalho. O projeto que cria o acolhimento noturno e que, infelizmente, foi vetado, é de autoria do nosso mandato. Mas temos vários outros projetos, todos construídos a partir de demandas dos movimentos de mulheres. 

Enfrentar o machismo e o racismo estrutural de forma sistêmica é um desafio, tanto na política quanto na sociedade. Para se ter uma ideia, aqui na Bahia o Instituto AzMina apontou que as mulheres negras foram o principal alvo de violência política na internet durante as eleições: todos os tipos de insultos, ameaças a familiares, intimidações pessoais, invasões virtuais. Mas isso significa que nossas vozes ecoaram e incomodaram tanto a estrutura machista, que parte dela se voltou contra  candidatas, ativistas comunitárias e lideranças com ataques, agressões, física e moral, ameaças e até morte.

Continuando neste debate de participação nos espaços, um projeto de minha autoria, que virou lei (Lei 9246/2017), obriga a composição mínima de 50% de mulheres nos Conselhos Municipais. Ou seja, estes espaços são de fundamental importância porque colocam as mulheres nas pautas de discussão que vão permear as políticas públicas municipais. Precisamos ser ouvidas, para ter nossos direitos garantidos. Atualmente, estamos fazendo um levantamento para analisar o cumprimento desta lei. Outro projeto que garante esse empoderamento, direitos ao espaço, é a Lei de Respeito do Nome Social para Trans e Travestis, que completou dez anos em 2018.

Temos também que criar políticas públicas para movimentar a economia de Salvador, cuja maior parte da renda vem da informalidade, de vendedoras ambulantes, quituteiras, e empreendedoras. 

Em Salvador, apresentei um projeto de lei para criação do Programa Municipal de Qualificação da Mulher no Mercado de Trabalho. Valorizando seus potenciais, suas atividades que mais tem vontade e disponibilidade, para atuarem melhor tanto como empreendedoras, como na informalidade. Também pensamos em criar o projeto de incentivo às afroempreendedoras, que são essas mulheres negras de baixa renda, que encontram dificuldades para conseguir um MEI, esbarram na burocracia de ter empresa e registro de empresa, quando só tem a casa onde moram para servir de trabalho. 

Outro Projeto de Lei foi o Programa Municipal de Igualdade de Gênero nas relações salariais e de trabalho. Este projeto propõe o selo Loreta Valadares para empresas que adotarem a medida, com incentivos fiscais da prefeitura.

*Cláudia Correia é Jornalista, Assistente Social e colaboradora do Portal Correio Nagô

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