Hoje a alma musical do Brasil badala alegria. Toma forma a força etérea de uma presença que se marcou em palavras e sons, atitudes e silêncio, sobrevoando descaminhos, para chegar com vigor de menina aos 70 anos de vida, inteira no cenário difícil da cultura brasileira.
Hoje muitas falas calando no peito o gosto da palavra poesia: a voz vitoriosa da mulher orquestrando dias melhores… O sentido trabalhado, melhorado, simplificado de ser brasileiro no desenho esculpido naquele canto: o da voz vitoriosa.
Hoje eu sei que é junho – e me misturo ao frio e ao calor – na inconstância dos elementos atmosféricos que configuram os trópicos. E revejo a dança da menina toda sã ensinando um país a sonhar.
Hoje todos os seres se feminilizam a celebrar a marca de um nascimento… Eu olho pela janela, mergulho a cabeça nas águas da Vitória, ando pelos trilhos desertos na cidade além, consulto os búzios, exalto os caboclos, rezo preces em cânticos, perco o medo de amar, irrito os outros ao mesmo tempo em que os encanto, e sigo nas asas que a arte me ofertou… Neste dia, a empatia de ter instantes feito ela.
Metade da minha alma é feita de maresia. Olha pra mim e me ama. Eu te olharei com os teus olhos. Não mexe comigo. É um show em tecnicolor para ter algum luxo por Deus, que eu também preciso. Eu te delato. E vê que ele mesmo era a princesa que dormia. Ele me adora e eu gratifico. Quando quis tirar a máscara estava pegada à cara. Os deuses são deuses porque não se pensam. Sem ela não se anda, ela é a menina dos olhos de Oxum, Oyá de mim.
Hoje é a farra do sorriso. Da beleza maior que os padrões. Do intraduzível. O exato pouso do sim. O que canta para fora suavizando por dentro. Hoje é a cara da alegria na boca humana que sacraliza a vida e nos arrebata.
70 anos de uma vida-poema, inteira arte cotidiana, a mulher do meu orgulho, o nosso sorriso Maria Bethânia.
Marlon Marcos é poeta, jornalista e antropólogo. Autor de Oyá-Bethânia: os mitos de um orixá nos ritos de uma estrela (Edufba, 2016)
Especial para o Correio Nagô