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O amor venceu o medo…

…mas é preciso transformar a vitória no campo das ideias em votos

É preciso analisar as mobilizações contra Marco Feliciano por uma lógica mais ampla do que o objetivo central de destituir o deputado da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM). Feliciano não saiu, mas ficou praticamente um mês sendo alvo da mais intensa rejeição social a um indivíduo na história recente do Brasil. Novos lutadores sociais emergiram, a agenda das liberdades sexuais ganharam o primeiro plano da pauta política do país, nunca antes tantos artistas protestaram tanto por uma causa e o amor entrou na guerra via Instagram. Pode-se dizer que as mobilizações foram vitoriosas na disputa das ideias sociais, ampliando o leque de pessoas que se posicionam ativamente na defesa das liberdades sexuais. Mas é claro que é preciso disputar a política institucional para a conquista efetiva de direitos. E a boa notícia é que estamos bem melhor posicionados para fazer essa disputa.

Se o movimento mantiver a guarda, dados a capacidade de polemização de Feliciano e os prováveis ataques aos direitos humanos numa CDHM evangélica, podemos levar a indignação social até as eleições de 2014. Os candidatos a cargos majoritários precisarão dizer o que pensam sobre as liberdades sexuais, e testaremos nas urnas a velha máxima de que LGBT tira voto. O peso eleitoral dos evangélicos não deve diminuir e pode até aumentar, mas poderá ser contido pelo aumento de candidaturas defensoras dos direitos humanos e mesmo de lésbicas, gays e travestis, que já vinha crescendo nas campanhas anteriores.

Não se deve descartar o potencial de rejeição popular ao fundamentalismo religioso. Nas eleições municipais de 2012, enquanto aumentava o número de vereadores evangélicos, candidatos à prefeitura que abraçaram o obscurantismo foram rejeitados nas urnas. Na maior cidade do país, a queda de José Serra foi creditada, dentre outros motivos, à aliança com o homofóbico pastor Silas Malafaia. Em 2014, o movimento LGBT pode usar seu dinamismo nas redes sociais para divulgar campanhas de rejeição a candidatos homofóbicos. Com o Congresso maculado por constantes escândalos, uma campanha pela renovação na Câmara e no Senado poderá ter bons resultados. E os políticos evangélicos costumam sofrer com as renovações, já que não produzem quadros com facilidade devido à estrutura estamental das igrejas.

Vale citar mais duas mudanças importantes. Ao defender a “liberdade de oprimir”, os fundamentalistas e outros conservadores se expuseram à luz do dia. De onde estão reposicionados, torna-se mais fácil o combate. E os setores progressistas agora têm mais motivos para produzir alianças, mesmo que estratégicas. Para isso, lideranças precisarão emergir com um discurso necessariamente amplo e grande capacidade representativa das diversidades de raça, classe, gênero, religiosidade, sexualidade.

Superar a subrepresentação LGBT no Parlamento parece ser um objetivo ainda mais importante após o escândalo Feliciano. A primeira vitória das mobilizações foi ampliar o raio de compreensão da ameaça fundamentalista mais além do movimento LGBT. Importante destacar: a ameaça já existia. O que foi alterado foi a percepção do peso político conservador pela parcela progressista da sociedade .

Por isso, a destituição de Feliciano é menos importante do que parece. Teria grande peso simbólico, desincentivando as manifestações de ódio que ele representa e que impulsionam as mobilizações. Por isso mesmo, desmobilizaria muitos apoiadores das agendas de direitos humanos com a falsa sensação de vitória, sem alterar o cenário na Congresso. A CDHM continuaria presidida por uma indicação da bancada evangélica, com composição majoritária de membros ligados ao fundamentalismo, além das demais comissões onde detém representação e, aliada a outros lobbies, garante maioria. Com Feliciano, a CDHM foi politicamente esvaziada pelos parlamentares defensores dos direitos humanos, que criaram uma frente alternativa.

O fundamentalismo também mostrou seus limites. Quanto mais apela para um discurso retrógrado, moralista e afastado dos problemas que atingem a maioria das pessoas, menos capaz de representar os não-evangélicos. Esse é o motivo pelo qual é tão poderoso no Parlamento, mas pouco avança nos cargos majoritários (prefeituras, governos de estados, Senado e Presidência da República). Os eleitores não estão dispostos a votar em candidatos que defendem pontos de vista excessivamente particulares em relação à opinião social média.

O fundamentalismo tampouco tem força suficiente para forçar um retrocesso (ainda). Eles usam o poder político e econômico para combater as mudanças culturais que já ocorrem na estrutura social, sem pedir permissão às instituições representativas, impedindo a reprodução do modelo de sociedade conservadora que os evangélicos sonham. O retrocesso é possível, mas não é provável. As religiões cristãs podem até retardar, mas dificilmente impedirão o avanço das liberdades e dos direitos sexuais.

Mais jeans, menos felicianos

Quando Daniela Mercury transformou em ato político sua declaração de amor, ela representou toda a luta como contrapeso à emergência do discurso de ódio. E, pelas regras de uma sociedade moralista-burguesa, romântica e maniqueísta, o bem sempre vence o mal e o amor supera medo. Não foi à toa, portanto, que Daniela ofuscou Felicianos e Joelmas por uma semana. O desafio agora é transformar as conquistas do campo das ideias em força política com contrapartida eleitoral, tarefa bem mais difícil. A palavra de ordem “mais danielas, menos joelmas” deve ser transferida para o cenário político e tornar-se “mais jeans, menos felicianos”.

 

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