“Quando os suspeitos ou réus são jovens negros atropela-se a legislação, ferem-se os direitos constitucionais e mesmo sem provas consistentes, prevalece a vontade e os preconceitos das autoridades policiais e judiciárias”, afirma o advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia Samuel Vida.
Ser preto, pobre e periférico é um perigo, em um País que, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), dois em cada três presos no Brasil são negros (67% do total). O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que o rigor da Justiça Criminal com os negros é maior que com os brancos, que têm mais direito a penas alternativas.
Na última quinta (20), mais um negro foi condenado. Desta vez, com a sentença publicada no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O catador de material reciclável, Rafael Braga – inicialmente preso por portar água sanitária e pinho sol – foi julgado por associação ao tráfico de drogas.
No período das intensas manifestações de junho de 2013, Rafael Braga foi preso após deixar o material reciclável recolhido durante o dia no local onde dormia e os armazenava.
O catador foi abordado por dois policiais civis que o detiveram porque ele carregava consigo dois frascos de produtos de limpeza – água sanitária e desinfetante (Pinho Sol), ambos lacrados.
Mesmo sem indícios de envolvimento nos protestos, Rafael foi conduzido à delegacia sob alegação de que os materiais que levava seriam usados como coquetel molotov (arma química incendiária).
Rafael estava em regime aberto com uso de tornozeleira eletrônica há pouco mais de um mês, quando foi preso novamente por portar, segundo os policiais, 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão.
A prisão ocorreu ao caminhar da casa da mãe para a padaria na Vila Cruzeiro, em 12 de janeiro do ano passado – apesar de Rafael alegar, desde o primeiro depoimento, ainda na 22ª Delegacia de Polícia (Penha), que aquele material não lhe pertencia.
CONDENADO PELA COR DA PELE
Samuel Vida considera a prisão e a condenação de Rafael abusiva. Pois, “viola expressamente a legislação processual penal e evidencia o caráter do racismo institucional que impregna o Poder Judiciário brasileiro”.
Enquanto Rafael Braga foi privado de liberdade desde 2013, Marcelo Penha em novembro de 2015 ameaçou com armas manifestantes em ato na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Uma semana depois, na marcha das mulheres negras foi detido por disparo de arma de fogo, encaminhado para a 5ª DP, na Asa Norte, e liberado em seguida, após pagar fiança de R$ 790.
Outro caso que aponta para a seletividade da Justiça é o do deputado estadual Gustavo Perrella (SD-MG), dono de helicóptero apreendido com 450 kg de Cocaína, que foi nomeado no governo Temer para o Ministério do Esporte. Ninguém foi preso.
#LibertemRafaelBraga
Nas redes sociais é possível perceber a mobilização de inúmeras pessoas que estão se engajando no caso e disseminando hashtags como: #LiberdadeparaRafaelBraga, #Vidasnegrasimportam, #RafaelBragaLivre e #SomosTodosRafaelBraga. O avatar do facebook de nomes conhecidos da militância negra passaram a estampar a arte da campanha pela liberdade de Rafael.
Vestidos de preto e carregando velas, na segunda-feira (24), manifestantes ocuparam parte da Avenida Paulista, na região central de São Paulo, pela soltura imediata de Rafael Braga.
Samira Soares ativista do Coletivo Enegrecer e da Marcha do Empoderamento Crespo está mobilizando sua rede. Para a militante, o jovem negro Rafael “é mais uma vítima de um Estado racista e excludente que constrói para nós uma estética marginal. Essa condenação reflete o quanto é estrutural esse racismo existente no Brasil que encarcera o povo negro em massa refletindo em hiper lotação penitenciária e desumanização de negros na sociedade”, considera.
A ativista lembra que Rafael Braga foi preso por portar produtos de limpeza lacrados na época das manifestações de Junho de 2013, e, dentre todas as série de prisões, foi o único condenado naquelas manifestações. “Ainda sofremos as consequências de uma escravidão que não nos libertou”, relembra.
Desejo que as redes se mobilizem, as ruas sejam paradas e que a gente denuncie todas as formas de racismo, porque assim como Rafael, milhares de outros negros serão condenados pela sua condição social, sua cor. Quero a liberdade de Rafael Braga, quero o fim do racismo no Brasil. – Samira Soares
Samuel Vida entende que esta é uma oportunidade para lutar não apenas pela liberdade de Rafael Braga, mas “pela mudança estrutural das instituições e práticas processuais penais que funcionam como uma indústria de criminalização de homens e mulheres negros”.
Joyce Melo é repórter do Portal Correio Nagõ.