O ENEM E A (IN)JUSTIÇA SOCIAL
Por George Oliveira*
As últimas declarações do ministro da educação, Abraham Weintraub, sobre o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio tem demonstrado um grande despreparo e irresponsabilidade para assumir esse importante cargo. Em reunião com líderes partidários do senado, no início deste mês, o ministro defendeu a manutenção das provas presenciais previstas para ocorrerem em novembro deste ano. Arguiu que as provas não devem ser adiadas por seis meses, pois a atual pandemia não durará por muito tempo e não vê desvantagens para os concluintes do ensino médio em escolas públicas e/ou candidatos/as que não têm acesso a internet para darem continuidade à preparação para o exame.
Ainda no primeiro mês do seu mandato, o atual ministro do MEC chegou “colocando as asinhas de fora” ao afirmar que haveria um corte, do já escasso recurso das universidades federais. Ele considerou como “Universidades da Balbúrdia” e atacou diretamente e as universidades punidas foram a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), esta última conheço o suficiente para discordar veemente de tal afirmação. Ele avaliou que estas e outras universidades não apresentarem desempenho acadêmico esperado, sem apresentar maiores justificativas.
Um ano após assumir a pasta, o ministro vem acumulando uma série de incongruências para a sua manutenção no cargo. Se, do ponto de vista moral, tratam-se de declarações e posturas inaceitáveis, do ponto de vista do governo que o nomeou, parece-nos bastante coerente e alinhado. Estamos diante de um projeto que vai do sucateamento, passando pela privatização e não podemos esquecer das ações e ameaças em relação aos retrocesso das políticas públicas no campo da educação, em especial no ensino superior.
Duas idéias destoam do que considero normalidade e bom senso, elementos bastante raros neste governo. A primeira delas, ainda segundo o mesmo ministro, é que esses alunos das escolas públicas já são historicamente atendimento pelo sistema de cotas. Ele deve ter esquecido que há uma concorrência entre as pessoas que se candidatam via reserva de vagas. A segunda, e mais leviana declaração, consiste na afirmação de que o Enem não foi feito para corrigir ou fazer justiça social. Vale lembrar que o ENEM é a porta de entrada para três importantes políticas públicas para acesso e permanência ao ensino superior: Sistema de Seleção Unificado – SISU, o Programa Universidade para Todos – PROUNI e o Fundo de Financiamento Estudantil – FIES.
Atrelado ao SISU, que consiste num sistema integrado para acesso às universidades públicas, temos a lei 12.711/2012 que reserva 50% das vagas para estudantes de escolas públicas, dentre estes, com uma recorte de renda e etnia. Já o PROUNI garante a gratuidade parcial (50%) ou total (100%) nas mensalidades em universidades públicas para egressos de escolas públicas durante todo o curso. E, por fim, temos o FIES que trata-se de um financiamento das mensalidades com pequenas parcelas ao longo do curso e uma prazo estendido para quitação do valor referente as mensalidades. Imaginamos que a maioria desses estudantes também são oriundos das escolas públicas.
É muito provável que o ENEM não tenha sido criado com a finalidade de corrigir injustiças, mas, ao longo dos anos, este exame foi transformado num importante instrumento para corrigir injustiças históricas do ponto de vista educacional, social e econômico. Tendo em vista que o isolamento social é uma necessidade e, com isso, estudantes de todo país tiveram suas aulas suspensas e maiores dificuldades para manter os estudos de forma remota, a manutenção das datas das provas deve ser encarada como uma forma de manutenção de privilégios de grupos sociais.
O mesmo MEC que anuncia a prorrogação da suspensão das aulas, em todo o Brasil, até 16 de junho, deve repensar a aplicação das provas para acesso ao ensino superior. O ENEM deve ser adiado e não iremos nos calaremos frente à esta injustiça anunciada já nas inscrições para a prova que iniciaram no último dia onze. Estamos travando uma grande disputa para ter o mínimo de igualdade na prova que determina o futuro de estudantes ignorados por um ministério que deveria estar preocupados com o futuro daqueles e daquelas que encontram-se impedidos de competirem de uma forma mais igualitária.
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*George Oliveira é doutorando em Educação/ UFBA grbo2003@yahoo.com.br @grbo26
Publicado em 22/05/2020
Nota da Redação, o Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) decidiu adiar a prova, por 30 ou 60 dias do previsto, mas ainda não informou uma nova data. Quanto ao apelo para prorrogação do prazo de inscrição por conta da dificuldade de acesso de muitos estudantes das periferias do Brasil, o Governo Federal manteve a data de 22/05, no endereço: https://enem.inep.gov.br/participante/#!/