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O enquadramento na lei de injúria racial seria uma forma mais branda de punir pessoas racistas?

18/01/2018 | às 16h

Negros sofrem tanto por causa do racismo quanto por injúria racial. Todavia, tratam-se de conceitos jurídicos distintos, inclusive apresentados de maneira diferenciada na legislação brasileira.

A Constituição de 1988 tornou a prática do racismo crime sujeito a pena de prisão, inafiançável e imprescritível.

A LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989 – que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor – prevê reclusão de um a três anos mais multa para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Por outro lado, injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, incide em detenção de um a seis meses, ou multa. Possui prazo legal de seis meses para a sua propositura, após este período ocorre a extinção do direito de punir. É um crime inafiançável e prescreve em oito anos, a partir do momento da injúria.

A injúria racial está prevista no artigo 140 do Código Penal. Termos como “negão”, “africano”, “baiano”, por exemplo, empregados para humilhar ou demonstrar inferioridade do indivíduo em virtude da raça, cor, religião ou etnia, caracterizam-se como crime de injúria qualificada.

Elaine de Melo Lopes dos Santos, na dissertação “Racismo e injúria racial sob a ótica do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, analisou a jurisprudência, ou seja, os acórdãos do TJ-SP no que se refere aos crimes de racismo e injúria racial contra negros de 1988 à 2008 (período seguinte à criminalização do racismo).

A pesquisadora localizou um total de 48 acórdãos tomando por base duas categorias combinadas de racismo e injúria. Desse total, 22 são processos por injúria racial e 26, racismo. 35% destes processos que ingressaram na justiça com uma denúncia de racismo foram desclassificados para a injúria. Elaine explica que “o fundamento em geral encontrado nas argumentações é o que vincula a desclassificação à ofensa pessoal, sem intenção de discriminar ou de fazer apologia ou incitação ao racismo”, diz na dissertação.

De acordo com o Código Penal, a injúria é a ofensa a uma ou mais vítimas, por meio de “elementos referentes à raça, cor, etnia, religião e origem”. Já o racismo, conforme a Lei 7716, trata-se de um crime contra a coletividade e não contra uma pessoa ou grupo específico.

CASO DA DENTISTA: INJÚRIA OU RACISMO?

No último dia 06, a dentista Heloisa Onaga Kawachiya foi flagrada cometendo crime de racismo em uma delicatessen de Salvador (BA). O caso foi tipificado na delegacia de polícia como injúria racial. A acusada teve a liberdade provisória concedida. A defesa alegou que a mulher padece de transtorno mental de natureza incurável.

Para  a presidente da Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA), Dandara Pinho, a dentista deveria responder pelo crime de racismo, não por injúria racial, uma vez que Heloisa se recusou a ser atendida por funcionários negros . “Ao dizer que não quer ser atendida por negros ela generaliza. Generalizando recai sobre prática de racismo, um crime de maior potencial ofensivo, inafiançável e  imprescritível”. 

Dandara explica que ao longo do processo a tipificação inicial poderá ser modificada ou não. “Isto poderá ou não ocorrer, de acordo com as provas conduzidas e com o opinativo do MP e do próprio magistrado que  preside o processo”, adianta.

QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO

Para o advogado, Hédio Silva Jr., quando o Código Penal foi alterado no que diz respeito à injúria qualificada a intenção era boa. “Porém o resultado foi prejudicial, pois acabou sendo uma via alternativa de abrandamento da conduta de racismo. Entendo – e tenho uma jurisprudência que corrobora nesse meu entendimento – que se no contexto você tem só a vítima e o ofensor, ainda é até possível entender/concluir que se trata de um crime contra a honra. Entretanto, se  você tem mais de uma pessoa no contexto, no local do fato, o enquadramento deveria ser crime de racismo, propriamente dito. Isto porque a Lei 7716, a famosa Lei Caó, considera o racismo como qualquer prática que produza desigualdade motivada por discriminação ou que incita ou induza a discriminação ou o preconceito. Então, se há uma terceira pessoa, o ofensor ao praticar ao externar uma opinião está induzido um terceiro a fazer o mesmo. Portanto, o enquadramento deveria ser na lei de racismo.Há uma questão de interpretação das duas leis, mas é preciso que os advogados se atentam à interpretação mais favorável à vítima”, considera o advogado.

 

Donminique Azevedo é repórter do Portal Correio Nagô.

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