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O homem da igualdade, em um país desigual

Brian Ashley 
Da Amandla, para o Canal Ibase

Caros Amigos,

madiba

O que fica para a África do Sul pós Mandela?

Quero compartilhar nossos pensamentos sobre a morte de Mandela. Felizmente, tivemos algum tempo para nos prepararmos para este momento.

Alguns nascem grandes, alguns conseguem grandeza e alguns têm a grandeza imposta sobre eles. Não, a Amandla não acredita em milagres. Mandela não é imortal. Ele viveu a plenitude da vida. Amandla está com sua família, a ANC (a organização pela qual ele viveu e morreu) e com seus companheiros mais próximos, especialmente os sobreviventes à Treason Trial (julgamento que ocasionou a prisão de 156 pessoas, entre elas Mandela) e prisioneiros de Robben Island. A Amandla está também com o povo sul-africano, bem como milhões de pessoas ao redor do mundo para marcar a passagem de um grande homem.

No entanto, Mandela não era um Deus, nem santo. Era um homem do povo. Ele reafirma que as pessoas nascidas de origens humildes podem subir e alcançar feitos extraordinários. A vitória é possível, mesmo contrariando as probabilidades.

É com este sentido que a nação sul- africana, que vive ainda hoje em meio a divisões, polarizações e desigualdades, presta homenagem a um homem que dedicou sua vida à libertação de seu povo. Pessoas que nunca conheceram Mandela despertaram de uma sensação de adormecimento, é só conversar com alguém próximo. Nos sentimos agora como a maioria da população da Venezuela, após a morte de Hugo Chavez.

Estranhamente, nesta nação dividida, uma nação ainda em construção e, por vezes, desconstruída, o lamento pela morte de Mandela é quase um consenso.

Ele era amado por todos os sul-africanos, negros e brancos, ricos e pobres, de esquerda e de direita. Ele era amado por sua honestidade e integridade. Ele era amado porque ele não era nem Mbeki nem Zuma. Era um visionário, tinha um grande projeto. Era político. Tinha um grande senso de oportunidade estratégica. No entanto, não era maquiavélico. Mandela era amado, porque ele não era nem Mugabe nem Blair. Sua visão consumiu sua vida. Ele era gentil. E, como um bom pai, às vezes era cruel.

Mandela tinha dignidade e acima de tudo, tinha um amor imenso para o seu povo e para o projeto de construção de uma África do Sul não-racista e não sexista. Mas, acima de tudo, ele era um homem africano de consciência. Bateu de frente com Bush e Blair sobre a guerra contra o Iraque: “O que eu estou condenando é que um poder, com um presidente que não tem nenhum planejamento e que não pensa de forma muito apropriada, agora esteja querendo mergulhar o mundo num holocausto”

Para Blair, as palavras foram: “Ele é o ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Ele não é mais o primeiro-ministro da Grã-Bretanha.”

É preciso, no entanto, evitar a tomada de um mito. Mandela não estava sozinho. Você só tem que ler um grande poema de Bertolt Brecht para saber.

A luta para libertar a África do Sul foi um esforço coletivo. Além disso, foi o poder dos mais oprimidos, os trabalhadores das fábricas, os pobres na comunidade, as mulheres da classe trabalhadora e da juventude, que colocou o governo do Apartheid, se não completamente de joelhos, pelo menos obrigado a negociar os termos do fim do sistema racista.

Toda luta precisa de um veículo, um movimento com uma liderança que possa dar uma orientação política, tomar as escolhas estratégicas e táticas difíceis. ANC de Mandela predominou . No entanto, Mandela foi o primeiro a reconhecer o papel de uma ampla gama de movimentos que compunham a luta pela libertação nacional e o movimento democrático de massas.

E enquanto Mandela foi o único a iniciar negociações com o governo do Apartheid, ele se uniu à liderança coletiva do ANC. Ele tomou a iniciativa, mas fez isso como parte de um coletivo.

Nas palavras de Fikile Bam , um prisioneiro Robben Island do esquerdista Frente de Libertação Nacional: “Mandela tinha essa qualidade de ser capaz de manter as pessoas unidas. Não importa se você estava na PAC ou ANC. Mesmo os críticos dele – e Mandela os tinha – não possuíam críticas morais.

 

Sim, milhões de palavras serão escritas sobre o legado de Mandela agora, nos próximos meses, no próximo ano e depois. A parte mais difícil será ir além da criação do mito, para capturar o melhor de Mandela e também as contradições.

O presente não pode ser entendido sem a compreensão do passado e nem tudo o que está errado nos dias atuais pode ser colocado na conta de Zuma ou Mbeki.

O acordo negociado que trouxe a democracia eleitoral, com base em uma pessoa um voto será considerado como a maior conquista de Mandela. Ela evitou o derramamento de sangue que vemos agora na Síria.

“Seu objetivo sempre foi a desracialização da sociedade sul-africana e da criação de uma democracia liberal, para esse fim, ele estava disposto a fazer concessões com pessoas de diferentes pontos de vista. Ele foi capaz de se concentrar no seu objetivo com convicção absoluta e lucidez , e ele era um homem de extrema disciplina” .

Mas esses compromissos estão começando a se desfazer. A desigualdade social não resolvida deu origem, nas palavras de Thabo Mbeki, a um país de duas nações: uma branca e relativamente próspera, a outra preta e pobre.

O legado de Mandela também terá que ser pesado pelo fato de que a África do Sul é mais dividida do que nunca, como resultado da desigualdade e da exclusão social. Os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. O grande unificador poderia realizar grandes atos simbólicos de reconciliação para pacificar a nação branca, mas, por definição, este ato sacrifica a redistribuição da riqueza. A reconciliação com os brancos foi feita às custas da grande maioria das pessoas negras.

Mandela era grande, mas não tão grande a ponto de poder superar a divisão social enraizada no capitalismo do século XXI que nos deu a era dos centros por um. É o momento infeliz da transição da África do Sul ocorrendo como o faz no período em que o poder global tornou-se enraizado na corporação global, autorizada pelas regras da globalização neoliberal. A reconciliação abandonou a política da ANC como articulada por Mandela em sua libertação da prisão: “A nacionalização das minas, dos bancos e indústria é a política da ANC e a alteração ou modificação de nossos pontos de vista a este respeito é inconcebível”, ele disse.

No entanto, é este abandono da nacionalização, estatização simbolizando a redistribuição da riqueza, que foi ditado pelas necessidades da reconciliação não apenas com o estabelecimento branco, mas com o capitalismo global.

Nas palavras de Mandela em uma entrevista ao jornalista norte-americano Anthony Lewsis: “O desenvolvimento do setor privado continua a ser a força motriz do crescimento e desenvolvimento.” Seus encontros com a elite mundial em Davos, a casa do Fórum Econômico Mundial, o convenceu de que compromissos precisavam ser feitos com os financiadores. Foram também os encontros noturnos com os capitães do capitalismo sul-africano, como Harry Oppenheimer, que reforçaram a sua convicção de que não havia outra alternativa senão a via capitalista.

Nas palavras de Ronnie Kasrils (político sul-africano): “O período de 1991a 1996 foi quando a perda da alma da ANC teve início, Ela se perdeu para o poder corporativo. Esse foi o ponto de viragem fatal. Vou chamá-lo de nosso momento de Fausto quando nos tornamos aprisionados: venderam nossos povos pelo rio.”

É precisamente este caminho capitalista que se revelou um desastre e que pode vir a destruir o trabalho da conquista de uma pessoa em torno de um país não racista e sexista. Para fazer justiça à vida de dedicação e sacrifício de Mandela pela igualdade entre negros e brancos a luta deve continuar.

Ela agora tem de se concentrar em superar a desigualdade e alcançar a justiça social. Nesta luta teremos a grandeza e a sabedoria de muitos (e muitas) Mandela. Vamos precisar de uma organização dedicada à mobilização de todos os negros e brancos sul-africanos para a libertação da riqueza deste país das mãos de uma pequena elite. Vamos precisar de um movimento como o de Mandela, um movimento baseado em uma liderança coletiva com as qualidades combinadas de Walter Sisulu, Govan Mbeki, Ahmed Kathrada, Fatima Meer, Albertina Sisulu , Chris Hani , Ruth First , Joe Slovo, Robert Sobukwe, Steve Biko, IB Tabata, Neville Alexander e os muitos grandes nomes que levaram a nossa luta de libertação nacional. Mas o mais importante, vamos precisar das pessoas que tomam as suas vidas em suas próprias mãos e se tornam seus próprios libertadores.

Não foi por isso que Nelson Mandela lutou?

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