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“O jovem, negro e pobre, é a principal vítima”, destaca senadora ao falar sobre CPI

Senadora  Lídice da Mata (PSB-BA) / Foto: Geraldo Magela

Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) / Foto: Geraldo Magela

Redação Correio Nagô* – A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) coletou assinaturas para criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os homicídios de jovens negros no país. Após divulgação de dados alarmantes como a chance de um adolescente negro ser vítima de homicídio ser 3,7 vezes maior em comparação com os brancos, a senadora apresentou, no final do mês de outubro, a proposta de criação da CPI. Dois dias depois, o presidente do Senado, Renan Calheiros, assumiu o compromisso em Plenário, de instalar a CPI. Em entrevista ao Portal Correio Nagô, a senadora falou sobre os dados que a motivaram a propor a CPI e sobre as estatísticas “terríveis” de mortes de jovens negros no país. Confira:

Portal Correio NagôPor que criar agora uma CPI para investigar índices de homicídios de jovens negros no Brasil?
Senadora Lídice da Mata – As estatísticas sobre o número de mortes de jovens negros em nosso país são terríveis. Pesquisa divulgada pelo IPEA recentemente constata que a cada três homicídios praticados no país, dois são contra negros. De acordo com o estudo, tomando-se a população residente nos 226 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, a chance de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos. A possibilidade de um negro ser assassinado é oito pontos percentuais maior – mesmo quando a comparação envolve indivíduos de mesma escolaridade e de nível socioeconômico semelhante.

Apenas estes dados já seriam suficientes para pedir uma investigação detalhada sobre o crescente número de homicídios de jovens negros em nosso país. Mas, infelizmente, há outros números estarrecedores, como os apontados pelo conceituado estudo do Mapa da Violência: entre 2002 e 2010, a partir dos registros do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, morreram assassinados no país 272.422 cidadãos negros, média de 30.269 assassinatos por ano. Enquanto em 2002 morriam assassinados, proporcionalmente, 65,4% mais negros do que brancos, no ano de 2010 este índice saltou para 132,3%. E as taxas juvenis duplicaram, ou mais, às da população total: em 2010, enquanto as taxas de homicídio da população negra total era de 36 pontos, a dos jovens negros foi de 72 pontos.

Infelizmente, não são apenas estes indicadores que preocupam. Temos outras estatísticas igualmente graves, como o fato de os negros serem ainda os que mais sofrem com o desemprego no Brasil, segundo o Dieese, ou ainda o fato de as mulheres negras serem maioria entre jovens que não trabalham nem estudam, conforme pesquisa da UERJ que apontou que mulheres negras, pardas e indígenas sem estudo ou emprego somam 2,2 milhões (41,5%) entre 5,3 milhões de jovens brasileiros entre 18 e 25 anos nas mesmas condições.

Todas essas estatísticas comprovam as mazelas sociais com as quais a população negra ainda é obrigada a conviver e enfrentar. E são indicadores mais do que suficientes para que não mais se postergue uma investigação profunda sobre o tema. Por isso apresentei o pedido para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar os assassinatos de negros no Brasil, particularmente os jovens. O jovem brasileiro é realmente a principal vítima das mortes violentas em nosso País. E este é nosso foco. Todas as pesquisas demonstram que é o jovem, de sexo masculino, negro e pobre, a principal vítima. Pergunta-se também se não seria o caso de se investigar a morte de jovens pobres. A causa seria, portanto, a pobreza e não a cor. Mas considero que não há coincidência aleatória entre a questão econômica e a racial. Uma é consequência da outra. Por isso é necessário manter o foco na juventude negra. Desta forma, acredito estarmos atingindo a maioria dos casos.

CNDe que forma esta CPI pode ajudar a modificar essa realidade? Qual a sua expectativa?
LM – A CPI tem por função investigar determinado assunto, neste caso a mortalidade de jovens negros por assassinato. Durante uma CPI, podemos ouvir depoimentos, realizar diligências, levantar dados, debater propostas que atendam à causa investigada e, por fim, se for o caso, apresentar projetos de lei visando a coibir os homicídios de jovens negros e punir mais rigorosamente os responsáveis. As propostas sairão do debate e das investigações da CPI.

CNQue tipo de ação concreta a senhora acha que pode ser tomada?
LM – Ao final dos trabalhos da CPI é produzido um relatório (parecer) com propostas de legislação sobre o tema. Uma legislação mais rígida e específica pode ajudar a combater esse tipo de crime no país. E a CPI pode, ainda, convocar os governos estaduais ou os órgãos do governo federal a assumirem um pacto, ou revelar outros problemas como, por exemplo, a necessidade de modificarmos o modelo de segurança pública do país, da “cultura” da polícia brasileira de tornar todo jovem negro um “suspeito”.

CNFoi difícil conseguir coletar as 27 assinaturas? Encontrou algum tipo de resistência?
LM – Não foi difícil. Para a formalização de uma CPI é necessário coletar 1/3 das assinaturas do total de senadores, ou seja, 27. Foi tranquilo. Entregamos o pedido com 31 assinaturas, para acelerar o processo. Mas, com certeza, teríamos até mais assinaturas se esperássemos um pouco mais. A rapidez nas adesões reflete a preocupação dos senadores e do Senado para com este importante tema social.

CNNa sua opinião, o que pode ser apontado como causas para que jovens negros tenham maior chance de serem vítimas de mortes violentas na comparação com jovens brancos?
LM – Principalmente o preconceito, que assume formas e proporções brutais e é, com certeza, a maior mazela social ainda existente no Brasil e no mundo. Precisamos continuar atuando para acabar com todas as formas de discriminação existentes, sejam de gênero, cor de pele, credo religioso, orientação sexual ou qualquer outra que ainda possa existir. As estatísticas apontam para uma verdadeira “pandemia”, resultado do preconceito, como já disse, e de uma “cultura da violência”, institucional e doméstica, além é claro, das dificuldades de apuração dos crimes e da impunidade. Segundo o mesmo Mapa da Violência, em apenas 4% dos casos de homicídios no Brasil os responsáveis vão para a cadeia. Os especialistas já falam em um “racismo institucionalizado” em nosso País, e se tomarmos essa premissa como verdade, mais do que nunca é necessário que o Parlamento ofereça sua contribuição para a mudança desse paradigma.

CNO que a senhora achou da decisão do presidente do Senado Renan Calheiros com relação à CPI? (Calheiros assumiu o compromisso em Plenário de instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar assassinatos de jovens negros no Brasil. Ele também defendeu a indicação do senador Paulo Paim (PT-RS), autor do Estatuto da Igualdade Racial, para presidir os trabalhos, que deverão se estender por 180 dias).
LM – O senador Renan Calheiros apoiou imediatamente a criação da CPI e defendeu sua criação, assim como outros senadores.

 

Em discurso na tribuna do Senado, senadora Lídice da Mata (PSB-BA). / Foto: Lia de Paula

Em discurso na tribuna do Senado, senadora Lídice da Mata (PSB-BA). / Foto: Lia de Paula

CNA senhora já foi prefeita de Salvador. Como vê a realidade dos negros na capital baiana com relação a essa questão da violência?
LM – Infelizmente, os indicadores de Salvador e da Bahia refletem a triste realidade de nosso país. É provável que a alta taxa de homicídios de negros na Bahia esteja relacionada ao fato de termos, no Estado, a maior população negra do País (mais de três milhões de pessoas, ou 17%, segundo o IBGE).

CNHá também muitos casos de auto de resistência na Bahia. Estes casos são alvos de críticas do movimento negro, por conta de muitas vítimas serem negros jovens. Em sua opinião, casos como estes deveriam ser investigados mais a fundo? Como a polícia poderia evitar isto? O que deve fazer o Estado?
LM – As estatísticas e o noticiário têm demonstrado que os jovens negros (não só na Bahia, mas em todo o Brasil) estão na mira dos crimes de assassinato e, o que é pior, em muitos casos, ao invés dessas mortes serem consideradas assassinatos, são taxadas apenas como “decorrentes da abordagem policial”. Isso precisa mudar. Nesse sentido, existe um projeto de lei (PL 4.471/2012), tramitando na Câmara dos Deputados, que determina que todos os estados passem a investigar os casos de auto de resistência, ou seja, quando o emprego da força policial resulta em lesão corporal grave ou morte com alegação de ter sido ocasionada pela resistência do cidadão durante operação policial.

CNPorque se ignorou “por tanto tempo”, como a senhora citou no Senado, esta realidade?
LM – Essa demora é decorrente de um processo. Como já pontuei, a taxa de homicídios de negros cresceu 5,6% em oito anos, enquanto a de brancos caiu 24,8%. O fato de os indicadores de violência contra negros estarem crescendo faz com que seja ainda mais urgente chamar a atenção da sociedade para a questão e, efetivamente, fazer com que os criminosos sejam punidos, bloqueando essa onda de violência contra jovens negros.

Os dados decorrentes da investigação das causas do extermínio de jovens negros e seus principais agentes na CPI serão essenciais para que possamos contribuir com a formulação de políticas públicas que possam ser adotadas para coibir esse tipo de crime. Nesse sentido, considero que educação e segurança são áreas fundamentais. Somente com mais investimentos em educação poderemos, aos poucos, transformar a cultura do preconceito e oferecer melhores condições de qualidade de vida para nossas crianças e jovens, negros ou não. Em relação à segurança, acredito estar mais do que na hora de se mudar a política de segurança do País, para que seja possível “desmilitarizar” nossa polícia de modo que não ocorram exageros como os que vêm sendo divulgados constantemente pela imprensa.

*Por Anderson Sotero

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