O ENEM, as desigualdades na Educação e os privilégios da branquitude
Por George Oliveira*
O ENEM – De novo, não tem nada!
A notícia sobre a decisão, por parte do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, em realizar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, no formato impresso nos dias 17 e 24 de janeiro e da versão digital nos dias 31 de janeiro e 07 de fevereiro de 2021 ocasionou bastante surpresa, indignação e revolta. Mesmo que indiretamente, este órgão ligado ao Ministério da Educação – MEC, tende a colaborar com a manutenção dos privilégios seculares. Trata-se de um absurdo disfarçado através de uma neblina composta por uma enquete (que indicou a data para maio), debates sobre quem, finalmente, ocupará o Ministério Educação e o retorno das aulas presenciais. Estamos diante de uma relação nova e complexa, que revelou a falta de condições que discentes têm para o acesso ao ensino remoto e de preparação para docentes, para alem das questões tecnológicas.
Chamou atenção, Mozart Ramos Neves, educador e escritor, em entrevista à Globonews no dia 09 de julho de 2020, devido a sua análise sobre as desigualdades na educação e as ideias que apresentou sobre a reação dos estados e municípios frente à ausência de um ministro ou ministra que coordene a política da educação brasileira. Embora reconheça que essas disparidades foram alarmadas pela Covid-19, onde as redes particulares montaram suas estratégias de ensino em poucos dias e a rede pública, embora tenhamos algumas experiências exitosas, mas em sua maioria não criou condições para o ensino remoto. Ele apontou a necessidade de uma avaliação diagnostica para implementar um reforço escolar no contra-turno e que o ENEM terá as menores notas dos últimos anos, e ainda vislumbrou que estudantes do último ano do ensino médio devem receber prioridade máxima para colaborar com a preparação através de material e tecnologia para que possam efetivamente ter maiores condições.
E a nossa impotência frente às iniqüidades seguem rio abaixo até a realização das provas.
A cobra que envenena privilégios
Para falar sobre o que penso sobre este caso, poderia simplesmente transcrever o que AD Junior (@adjunior_real) escreveu em sua conta no instagram, o que não seria nada criativo e ético da minha parte. Enquanto acompanhava o desenrolar do caso ocorrido em Brasília-DF, durante a semana foi possível refletir sobre a irresponsabilidade criminosa e os riscos benéficos de ter estereótipos da branquitude no país do falso mito da democracia racial. Para exemplificar, farei uma tentativa de estabelecer um paralelo com o título de algumas matérias dos sites e a brilhante análise de Júnior.
Nós já sabemos da conivência midiática da imprensa brasileira e sabemos quais as vidas que realmente importam para a maioria das pessoas e editoriais destes veículos. Quem lê esse título da matéria vai pensar que uma cobra naja pegou o avião e veio parar aqui no Brasil, ou que ela fugiu do tal criadouro para atacar pessoas inocentes e/ou indefesas (neste caso, até acho que qualquer pessoa é indefesa): “Ataque de naja leva polícia a criadouro em Brasília com 16 cobras exóticas” disse o Diário de Pernambuco: em 09 de julho de 2020 e AD contra-ataca:
“Essa história do rapaz e possível “traficante“ de animais silvestres exóticos, picado pela cobra no DF, me chamou a atenção desde o primeiro dia pelos indícios claros de privilégios da branquitude. De cara eu liguei para minha amiga e falei: observe o que vai ser dessa história! Há muitos anos lendo sobre branquitude no Brasil, ali tinha um forte indício de que o buraco era muito mais embaixo”.
E parece que é mesmo, viu AD, o acidente não foi durante uma trilha e nem durante estágio no Butantan. Aconteceu no próprio apartamento da vítima. Você tem razão ao observar que o rapaz é sempre chamado de “estudante” e não pelo codinome do “possível” crime. Fica aqui o apelo para que essa impressa adote o mesmo tratamento para casos em que a juventude negra é assassinada sem culpa, sem julgamento e até com farda da escola.OG1 (DF), em 09 de julho de 2020, noticiou: “Acidente com cobra naja que deixou estudante em coma revela esquema de tráfico de animais, diz polícia do DF”. Seguindo a mesma linha: “Possível rede de tráfico de animais’, diz delegado sobre jovem picado por cobra naja no DF”, colaborou outra matéria do G1 (Fantástico), em 12 de julho de 2020.
Estamos na torcida para que ele se recupere logo, como revela o Correio Braziliense: “Jovem picado por naja deve receber alta do hospital nesta segunda-feira”, em 12 de julho de 2020, como disse AD Junior:
… eles se protegem na cara e no sobrenome estrangeiro que os elevou a classe média alta, e assim o Brasil vai tratá-lo de forma “diferenciada”. Geralmente essas são credenciais naturais, pra viver acima da lei. Vi como sua família preocupada “mandou“ importar o remédio/soro dos Estados Unidos quando descobriu-se que havia escassez de soro para tratar do moço (ricos).
Seguimos na busca de um antídoto para o veneno exalado pela branquitude.
Um outro fato é que a cobra virou celebridade: “Naja que picou estudante ganha sessão de fotos oficial e vira hit na web”, Uol em 11 de julho de 2020. E para a cobra desejamos sucesso e que siga sua vida num habitat adequado e a carreira artística em paz. Toma-nos o desejo que o veneno não tenha causado nenhum tipo de sequela, principalmente na memória do estudante de veterinária, para que possa nos revelar o rastro da sua exótica coleção. Fica o aprendizado e mais um caso para refletir.
30 anos do ECA e o desgoverno generalizado
No dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e Adolescente completou 30 anos e acordamos com a notícia de um novo ministro da Educação, que ainda não tomou posse, mas já chegou apagando os vídeos em que defende o castigo físico como metodologia para educar crianças. Que suas convicções pessoais ou de “alas” evangélicas, ideológicas e militares não nos permitam perder o “fio da meada” que é a Educação. Neste ponto temos as crianças e adolescentes como público prioritário.
Que seria alguém conservador não tínhamos duvidas, mas esperamos que as questões religiosas não o impeçam de ser um bom articular, que resolva crises e que consiga desempenhar um gestão dessa super estrutura que é o MEC. Em um vídeo de 2018 direcionado à comunidade evangélica durante culto, o novo ministro da Educação, o advogado e pastor presbiteriano Milton Ribeiro, disse que a linha existencialista de pensamento é ensinada nas universidades e incentiva uma prática totalmente sem limites do sexo.
É mais do mesmo? Provavelmente sim. Fica o desejo de que a disposição do ministro seja mais para construir do que destruir, que venha disposto a trabalhar pela educação e frear os retrocessos e marasmo de seus antecessores. E que desconstrua sua visão equivocada sobre as universidades e ajude a aprovar um Fundeb à altura das nossas necessidades e desafios:
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Independentemente da origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na educação básica. Fonte: https://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb
Para onde caminhar….
Mais de 60 dias de um vazio no Ministério da Saúde e, embora bastante sub-notificadas, as múltiplas pandemias manifestadas na política, materializadas na economia e agonizantes na saúde se sobrepõem às questões sanitárias que já ceifaram mais de 70 mil pessoas e, em breve, infelizmente, teremos dois milhões de infectados no Brasil.
Um país que está num colapso e não consegue derrubar as fronteiras que causam os já latentes impactos num abissal e escancarado hiato-social.
Você já deve conhecer os números dessas desigualdades, talvez faça parte ou esteja contrariando as estatísticas. São pessoas e famílias traduzidas e naturalizadas em números que se mantém há mais de um século no mesmo patamar de migalhas e voraz subserviência. Seguimos nos cuidando, esquivando das desvantagens e buscando antídotos aos privilégios contemporâneos.
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*George Oliveira é doutorando em Educação/UFBA
grbo2003@yahoo.com.br @grbo26