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O que a Globo tem contra os dreads?

A novela “Amor à Vida” já foi alvo de muitas críticas do movimento negro por causa da homogeneidade racial do elenco. Quando uma personagem negra (que não consta da lista oficial disponível no site da novela) apareceu, foi obrigada a declarar a seguinte frase em cena exibida no dia 16 de agosto: “Olha pra ser sincera eu não gostei do jeito dele, ele tinha um cabelo esquisito, umas tranças”.

“Ele” é Ninho, antagonista da trama principal interpretado por Juliano Cazarré, comumente chamado de “bandido”. O caráter esteve associado aos dreadlocks (e não tranças) que ostentou até aquele mesmo capítulo, quando foram cortados pela filha. A criança achava “nojento” o cabelo do pai.

Os dreadlocks de Ninho e Luana tiveram o mesmo destino

O detalhe é que Ninho não é o primeiro personagem de uma novela da Globo a ter os dreads associados a um caráter fraco e instável. A prostituta Luana, vivida por Joana Lerner na novela Fina Estampa, de 2011, viveu o mesmo processo de desconfiança e repulsa até sofrer uma drástica mudança na trama. O marco da transformação foi uma cena na qual os dreads deram lugar aos cabelos lisos.

A insistência da Globo em retratar pejorativamente os símbolos da cultura negra é uma manifestação incontestável do racismo. O fato das personagens serem interpretadas por atores brancos não muda a constatação. Ao contrário, reafirma a eficácia do racismo brasileiro, que consegue se reproduzir pela invisibilidade das pessoas negras e, ao mesmo tempo, pela depreciação de elementos dessa cultura.

Não se trata de uma novidade. Desde a abolição da escravatura, o racismo praticado no Brasil é indireto: ao invés de fazer referências aos negros em si, utiliza-se do candomblé ou do funk, por exemplo. Entre os elementos ligados ao corpo, o cabelo sempre teve papel de destaque na composição das personagens negras pela ótica racista.

Os movimentos sociais pouco questionam as novelas, desconsideradas como arte por seu apelo comercial. Essa argumentação é elitista. A novela é, para muitos brasileiros, a única opção de lazer cotidiano. Consequentemente, influencia opiniões sobre os mais diversos assuntos.

Essas reflexões precisam chegar à importância da luta pela democratização de uma das mídias mais racistas do mundo.

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