Aos olhos dos norte-americanos que estudam o país, Brasil promete se tornar potência global, mas falha em necessidades básicas
“Quando o brasileiro se vê representado, isso valida e reproduz a posição dele. Quando o brasileiro quer consumir o que o New York Times diz sobre ele, ele se coloca na posição de objeto do outro e reverencia esses gestos”, disse José Luiz Passos, diretor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, a Daniel Buarque, autor do recém-lançado Brazil – um país do presente (Alameda, 379 págs, R$ 52).
Justamente em busca de entender essa visão do outro sobre o brasileiro, mais especificamente do ponto de vista dos EUA, é que o jornalista e escritor Daniel Buarque entrevistou mais de cem especialistas no Brasil, os chamados brasilianistas, para criar um amplo retrato em seu livro: de economia à Amazônia, de imigração a política.
[O autor Daniel Buarque durante lançamento do seu livro, em São Paulo]A obra do pernambucano traz um título que faz referência ao termo e também nome de livro Brasil, um país do futuro, cunhado pelo escritor austríaco Stefan Zweig em 1941. 70 anos depois, o país do futuro chegou ao presente? De acordo com a pesquisa de Buarque, sim. Respeitado por sua estabilidade financeira durante a crise econômica iniciada em 2008, o Brasil consolidou sua imagem promissora para investidores e olhares internacionais. Ou ao menos é motivo para discussões de grande porte.
“O Brasil é o país mais bem administrado do mundo agora”, disse Jim Cramer, economista e jornalista econômico, para a rede NBC em 2007, defendendo que é um lugar com orçamento equilibrado, autossuficiente em termos de energia, com uma classe média crescente, pessoas ganhando mais dinheiro, passando a ter cartão de crédito “e pagando suas contas, ao contrário do que está acontecendo por aqui”.
A questão é que essa frase partiu de um norte-americano preocupado com a recessão pela qual os EUA passavam e admirado com o “emergente e seguro” país sul-americano. Cramer mostra apenas uma das inúmeras opiniões que Buarque apresenta no livro, as quais incluem visões negativas sobre a alta taxa de juros brasileira, baixo crescimento da produtividade, falta de investimento em educação e dependência do mercado internacional para venda de commodities.
As entrevistas de Buarque se concentram entre 2008 e 2010, mas o cenário global não é o mesmo em 2013. São ainda mais relevante as questões de Werner Baer, analista e autor de The Brazilian Economy, de que “a onda de empolgação com o país nos EUA é passageira” ou ainda de Michael Reid, editor das Américas para a revista The Economist, de que “o ambiente vai ser mais duro a partir da crise financeira global, sem o clima otimista que ajudou o Brasil a se consolidar como economia estável e dificultando o trabalho do Brasil para se desenvolver”.
Em que pé estamos, então? Buarque acredita que “o Brasil precisa mudar muito para entregar a promessa de potência econômica da última década”. Outros países estão cobrando melhoras na infraestrutura brasileira – principalmente com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 – além de desenvolvimento interno. Chega-se a suspeitar do crescimento econômico brasileiro, uma dúvida que praticamente não existia há alguns anos.
Na mídia norte-americana, além dos megaeventos esportivos e das dúvidas econômicas, estão aparecendo também as recentes operações de UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro, e em geral de modo positivo e exemplo de uma queda na violência carioca.
No aspecto político, as entrevistas de Buarque mostram que Lula é majoritariamente visto como aquele que continuou as ações de Fernando Henrique Cardoso e implantou projetos sociais que tiraram milhões da miséria. Agora, Dilma Rousseff é encarada como uma governante muito prática que não aceita a corrupção, vide a “faxina” nos ministérios em 2010. Ainda assim, pesam sobre ela a desconfiança quanto à capacidade brasileira de se sustentar e avançar economicamente.
Na política internacional, o Brasil conseguiu fazer com que sua voz fosse ouvida, a exemplo da intermediação das negociações entre Irã e países ocidentais. O essencial agora é fazer com que essa voz tenha importância. “O país prefere a linha da diplomacia, não imperialista, o que pode ser visto como uma posição idealista demais por norte-americanos”, explica Buarque.
Mesmo assim, a frase “país decorativo, mas não exatamente útil”, do pesquisador Simon Anholt, não seria necessariamente ruim para Buarque. “Na verdade, ficaria feliz se o Brasil se aproximasse da Austrália: alto desenvolvimento interno e baixa participação na segurança global”, diz.
O mercado consumidor brasileiro continua interessante para olhares norte-americanos, apesar das disputas comerciais na OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre preços de suco de laranja ou etanol. Isso porque existe uma elasticidade nas relações geralmente amigáveis entre os dois países, ainda mais com uma liderança democrata no governo dos EUA, segundo Buarque.
“A flutuação da imagem brasileira para os norte-americanos é fruto do olhar comparado para com eles mesmos”, sejam eles brasilianistas ou não, afirma Buarque. O que permanece, paralelo a isso, é o interesse do brasileiro de se ouvir na boca do outro e de, enfim, construir junto a isso sua própria imagem.
Fonte: Opera Mundi