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O que você diria a Zumbi sobre a atual Fundação Palmares?

“Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver

Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
É senhor das demandas
Quando Zumbi chega é Zumbi
É quem manda
Eu quero ver
Eu quero ver
Eu quero ver

(Zumbi – Jorge Benjor)

*George Oliveira

Monumento a Zumbi dos Palmares, Praça da Sé, Salvador.
Foto: Gonzalo Rivero / Wikicommons CC 3.0

Os protestos antirracistas nos EUA, cujo estopim foi o assassinato de um homem negro na semana passada, tem demonstrado o quanto ainda temos de lutar, resistir e conquistar. Os debates sobre a forma particular de combater o racismo brasileiro continuam nas redes sociais e, em breve, quero falar sobre isso. Mas adianto que é preciso que a análise leve em consideração o “falso” mito da democracia racial, que tem sido bastante difundido em nosso país há cerca de um século.  

Permita-me, agora, falar de um outro tipo de violência que é materializada de forma simbólica, porém tão danosa quanto a violência física. Para ilustrar, tomemos como base a desastrosa, maléfica e nociva tentativa de atuação do atual presidente da Fundação Cultural Palmares. Nós, que lutamos tanto por representatividade, chegamos ao ponto de pensar se vale realmente a pena mantê-la da forma como está. Parece que é uma estratégia institucionalizada do atual governo para nos levar a (re)pensar as políticas públicas pela lógica do “ruim com ele(a), pior sem ele(a)”.

Hilton Cobra, durante uma aula online do projeto Estudos em Teatro Negro, realizada no último dia dois de junho, chegou a sugerir a extinção do órgão. Como ex-presidente da Fundação Palmares (atuou por dois anos e meio, durante o Governo Dilma), ele afirma que a Fundação é uma conquista do povo negro e que quem nega a sua importância não entende os motivos da criação desse órgão. Além dessa postura equivocada por parte da gestão atual, de que falaremos a seguir, em sua aula, Cobrinha aborda a atual falta de verbas, estrutura precária e apoio governamental como motivos suficientes para iniciarmos um diálogo sobre a existência da Palmares nesses moldes, ou não. É um bom debate!

 Em 28 de novembro de 2019, Zulu Araújo concedeu entrevista ao Bahia Notícias e comentou sobre os rumos da Palmares. Ele, que presidiu a fundação entre 2007 e 2011, fez uma crítica às falas do novo dirigente ao dizer que é “lamentável” e reclama sobre a destruição de vários setores da cultura e sobre o preeminente risco das políticas públicas da cultura. Reconhece a contribuição do movimento negro brasileiro para a democratização e igualdade racial num país onde a herança escravocrata ainda é muito presente. Essa entrevista foi publicada dois dias após Camargo assumir a presidência pela primeira vez. Zulu defendeu a importância do legado de Zumbi como um símbolo de luta, de desejo, que deu uma grande contribuição para a humanidade.

Quando Zumbi chegar, não será necessário dizer nada para ele, pois logo verá que o nosso exército se multiplicou nesta guerra.

Quando Zumbi chegar, não será necessário dizer nada para ele, pois logo verá que o nosso exército se multiplicou nesta guerra. Vai compreender logo que o capitão do mato se modernizou e assume cargos em governos insensíveis às questões da maioria do seu povo. Nunca foi fácil! Próximo aos 325 anos do seu assassinato, ainda continuamos morrendo “aos montes” da mesma forma. Seguimos resistindo frente ao racismo, que se transforma a todo tempo, e Zumbi logo perceberá que a sua luta não foi em vão e que, derrubar os muros visíveis e invisíveis postos pelo “racismo à brasileira” e pelo falso-mito da democracia racial, é uma luta diária e constante. Lutaremos até o fim para manter o seu legado vivo para as próximas gerações também sentirem o mesmo orgulho que temos. Valeu, Zumbi!

Celebração ao Dia da Consciência Negra no Monumento a Zumbi dos Palmares, Rio de Janeiro Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Acompanhe a desastrosa trajetória de Camargo na Palmares:

27/11/2019 – Novo presidente da Fundação Cultural Palmares nega racismo e ataca negros famosos: Camargo, que substitui Vanderlei Lourenço no cargo, é um conhecido militante da direita bolsonarista e nega a existência do racismo no Brasil. O novo presidente usou as redes sociais para falar sobre o racismo. Segundo ele, no Brasil, existe uma cultura de “racismo nutella”. Defendeu o fim do feriado da Consciência Negra e afirmou que a escravidão foi “benéfica para os descendentes” Fonte: Uol

04/12/2019 – Juiz do Ceará suspende nomeação de presidente da Fundação Palmares por comentários racistas: O juiz Emanuel Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará, suspendeu a nomeação. Em redes sociais, ele fez declarações consideradas racistas, o que provocou polêmica com movimentos em defesa dos negros. De acordo com uma ação popular, houve desvirtuamento na nomeação. Ele ponderou que as declarações feitas nas redes sociais são incompatíveis com o papel do órgão para o qual foi escolhido. Fonte: O Globo

12/02/2020 – Bolsonaro:  presidente da Fundação Palmares é “excelente pessoa”: Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a liminar que impedia a condução do jornalista à presidência da entidade. Camargo volta para a presidência após decisão do STJ derrubar liminar que o impediu de assumir o cargo. “Eu acho que o garoto que foi liberado ontem é uma excelente pessoa”, comentou Bolsonaro. Fonte: Metrópoles

10/03/2020 – Governo Bolsonaro exclui órgão gestor do Memorial Quilombo dos Palmares: a decisão foi tomada pelo presidente Sérgio Camargo, que excluiu outros seis órgãos da Fundação Palmares. O comitê foi criado após o reconhecimento da Serra da Barriga como Patrimônio Cultural do Mercosul em 2017.

13/05/2020 – Publicações na página da Fundação, em 13 de maio, questionando Zumbi dos Palmares e o movimento negro: segundo a DPU, as publicações “ofendem a lembrança, a ancestralidade e as tradições da população negra”. As postagens foram apagadas após decisão da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. Imagem abaixo.

26/05/2020- Fundação Palmares anuncia selo não-racista: através das redes sociais, Camargo afirmou que “o selo da Fundação Cultural Palmares para certificar que uma pessoa não é racista, mas vítima de campanha de difamação e execração pública da esquerda. Revelou: “será concedido a todos que injusta e criminosamente são tachados de racistas pela esquerda vitimista, com o apoio da mídia, artistas e intelectuais”. Fonte: Jornal de Brasília.

02/06/2020 – Presidente da Fundação Palmares chama movimento negro de ‘escória maldita’ em reunião: durante uma reunião gravada sem que ele tivesse conhecimento, Camargo também disse que Zumbi era “filho da puta que escravizava pretos”, criticou o Dia da Consciência Negra, falou em demitir “esquerdista” e usou o termo “macumbeira” para se referir a uma mãe de santo. Trecho do áudio:

 “Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que pra mim era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar Dia da Consciência Negra. Aqui não vai ter, zero – aqui vai ser zero pra [Dia da] Consciência Negra. Quando eu cheguei aqui, tinha eventos até no Amapá, tinha show de pagode com dinheiro da Consciência Negra. Aí, tem que mandar um cara lá, pra viajar, se hospedar, pra fiscalizar… Que palhaçada é essa?”. Fonte: G1

03/06/2020 – Defensoria Pública da União entra com pedido de urgência no STJ para tirar presidente da Fundação Palmares: através de tutela provisória de urgência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para suspender a nomeação, o órgão solicita que os efeitos da decisão liminar da Justiça Federal do Ceará, que impediram a nomeação de Camargo em dezembro de 2019, sejam restabelecidos. Fonte: Jornal Atarde

03/06/2020 – Mãe de Santo xingada por Sérgio Camargo vai à polícia: Adna Santos, mais conhecida como Mãe Baiana, além de ser mãe de santo, ocupa o cargo de coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa da Subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial no Distrito Federal. Agora, ela pede investigação das autoridades sobre o caso. Fonte: Estado de Minas

04/06/2020 – Presidente da Palmares chama Alcione de ‘barraqueira’ no Twitter e diz que sua música é ‘insuportável’: mensagens são resposta a desabafo da cantora na live de Teresa Cristina, após reportagens sobre áudios de Sérgio Camargo atacando o movimento negro. Fonte: O Globo

Revisão de texto: Sandra Souza

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* George Oliveira é doutorando em Educação/ UFBA

grbo2003@yahoo.com.br                             @grbo26

Publicado em 05/06/2020

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